TORQUATO NETO
– POEMAS
Soneto da
contradição enorme
Faço força em
esconder o sentimento
Do mundo
triste e feio que eu vejo.
Tento
esconder de todos o desejo
Que eu não
sinto em viver todo o momento
Que passa.
Mas que nunca passa inteiro.
Deixa comigo
o rosto da lembrança
E o fantasma
de só desesperança
Que me
empurra e de mim me faz obreiro
De sonhos.
Faço força em esconder
Do mundo, a
dor, a mágoa e a cabeça
Que pensa
tão-somente em não viver.
Faço força
mas sei que não consigo
E em versos
integral eu me derramo
Para depois sofrer.
E então, prossigo.
(Torquato Neto, in "Torquatália)
Desejo
Mas...
se eu pudesse
um dia
com as mãos o
sol pegar;
a lua apertar
entre os meus pés
e
trêmulo de
prazer,
em plena Via
Láctea, todos os astros reter comigo,
um gozo
frenético e sem fim,
apesar de
tanta infelicidade
eu chegaria a
ter pena de mim mesmo
pois,
indiscutivelmente,
eu estaria
louco,
demente!
(Torquato Neto, in "Torquatália)
Um dia desses
eu me caso com você
de tanto me
perder, de andar sem sono
por essa noite sem nenhum destino
por essa noite escura em que abandono
uns sonhos do meu tempo de menino
de tanto não poder mais ter saudade
de tudo o que já tive e já perdi
dona menina, eu me resolvo agora
a ir-me embora pra longe daqui.
um dia desses eu me caso com você
você vai ver, você vai ver
um dia desses, de manhã, com padre e pompa
você vai ver como eu me caso com você
meu tempo de brincar já foi-se embora
e agora, o que é que eu vou fazer?
não tenho onde morar, vou caminhando
sem sono, sem mistérios, sem você;
pra terra onde nasci
não volto nunca mais
e esta cidade alheia tem segredos
que eu faço tudo pra não compreender
meu pobre coração não vale nada
anda perdido, não tem solução
mas se você quiser ser minha namorada
vamos tentar, não é?
não custa nada
até pode dar certo
e se não der
eu pego um avião, vou pra xangai
e nunca mais eu volto pra te ver.
por essa noite sem nenhum destino
por essa noite escura em que abandono
uns sonhos do meu tempo de menino
de tanto não poder mais ter saudade
de tudo o que já tive e já perdi
dona menina, eu me resolvo agora
a ir-me embora pra longe daqui.
um dia desses eu me caso com você
você vai ver, você vai ver
um dia desses, de manhã, com padre e pompa
você vai ver como eu me caso com você
meu tempo de brincar já foi-se embora
e agora, o que é que eu vou fazer?
não tenho onde morar, vou caminhando
sem sono, sem mistérios, sem você;
pra terra onde nasci
não volto nunca mais
e esta cidade alheia tem segredos
que eu faço tudo pra não compreender
meu pobre coração não vale nada
anda perdido, não tem solução
mas se você quiser ser minha namorada
vamos tentar, não é?
não custa nada
até pode dar certo
e se não der
eu pego um avião, vou pra xangai
e nunca mais eu volto pra te ver.
(Torquato Neto, in "Torquatália)
Literato cantabile
Agora não se
fala mais
toda palavra
guarda uma cilada
e qualquer
gesto é o fim
do seu
início;
agora não se
fala nada
e tudo é
transparente em cada forma
qualquer
palavra é um gesto
e em sua
orla
os pássaros
de sempre cantam assim:
do
precipício:
a guerra
acabou
quem perdeu
agradeça
a quem
ganhou.
não se fala.
não é permitido
mudar de ideia.
é proibido.
não se permite
nunca mais olhares
tensões de
cismas crises e outros tempos
está vetado
qualquer movimento
do corpo ou
onde que alhures.
toda palavra
envolve o precipício
e os
literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe
nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se
fala nada, sim. fim, a guerra
acabou
e quem perdeu
agradeça a quem ganhou.
Agora não se
fala nada
e tudo é
transparente em cada forma
qualquer
palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros
de sempre cantam
nos
hospícios.
Você não tem
que me dizer
O número do
mundo deste mundo
Não tem que
me mostrar
A outra face
Face ao fim
de tudo
Só tem que me
dizer
O nome da
república ao fundo
O sim do fim
Do fim de
tudo
E o tem do
tempo vindo;
Não tem que
me mostrar
A outra mesma
face ao outro mundo
(não se fala.
não é permitido:
mudar de ideia.
É proibido
não se
permite nunca mais olhares
tensões de
cismas crises e outros tempos
está vetado
qualquer movimento.
(Torquato
Neto, in “Os últimos dias de paupéria”)
Bilhetinho
sem maiores consequências
Uma
retificação, meu bom Vinicius:
Você falou em
“bares repletos de homens vazios”
e no entanto
se esqueceu
de que há
bares
lares
teatros,
oficinas
aviões,
chiqueiros
e sentinas,
cheinhos (ao
contrário)
de homens
cheios.
Homens cheios
(e você bem
sabe)
entulhados da
primeira à última geração
da
imoralidade desta vida
das
cotidianas encruzilhadas e decepções
da patente
inconsequência disso tudo.
Você se
esqueceu
Vinicius, meu
bom,
dos bares que
estão repletos de homens cheios da maldade das
coisas e dos
fatos,
dos bares que
estão cheios de homens cheios
da maldade
insaciável
dos que fazem
as coisas e organizam os fatos.
E você
que os
conhece tão de perto
Vinicius
“Felicidade” de Morais
não tinha o
direito de esquecer
essa parcela
imensa de homens tristes,
condenados
candidatos naturais
a títulos de
tão alta racionalidade
a deboches de
tão falsa humanidade.
Com uma
admiração “deste tamanho”.
Rio, 7/7/62.
(Torquato Neto, in "Torquatália)
Hai ―
Kaisinho
caminho no
escuro
que é
que eu
procuro?
(Torquato Neto)
Cogito
eu sou como
eu sou
pronome
pessoal
intransferível
do homem que
iniciei
na medida do
impossível
eu sou como
eu sou
agora
sem grandes
segredos dantes
sem novos
secretos dentes
nesta hora
eu sou como
eu sou
presente
desferrolhado
indecente
feito um
pedaço de mim
eu sou como
eu sou
vidente
e
vivo tranquilamente
todas as
horas do fim.
(Torquato Neto)
Pessoal intransferível
Escute, meu
chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem
medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos
maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos.
Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.
Poetar é
simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é
não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando
a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair sua poesia, que,
pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o
ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima
sorridente mestre de cerimônias, ‘herdeiro’ da poesia dos que levaram a coisa
até o fim e continuam levando, graças a Deus.
E fique
sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi
ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o
boi. Adeusão.
(Torquato
Neto, in "Os últimos dias de Paupéria")
O poeta é a
mãe das armas
O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral —
alô, poetas: poesia
no país do carnaval;
Alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.
O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.
A poesia é o pai da artimanha de sempre:
quentura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além da MINHA bandeira ////////// =
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.
Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a
r: em primeiríssimo, o lugar.
poetemos pois
(Torquato Neto, in "Os últimos dias de Paupéria")
O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral —
alô, poetas: poesia
no país do carnaval;
Alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.
O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.
A poesia é o pai da artimanha de sempre:
quentura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além da MINHA bandeira ////////// =
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.
Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a
r: em primeiríssimo, o lugar.
poetemos pois
(Torquato Neto, in "Os últimos dias de Paupéria")
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