Tema de Redação – Cásper Líbero – 2018
Quem são e o que querem os que negam a Internet?
Nicholas Carr
De bom grado, a
maioria das pessoas foi outorgando ao setor tecnológico um crescente poder
sobre suas mentes e suas vidas. No fim das contas, os computadores e a Internet
são úteis e divertidos, e os empresários e engenheiros se dedicaram a fundo
para inventar novas maneiras de fazer com que desfrutemos dos prazeres,
benefícios e vantagens práticas da revolução tecnológica, geralmente sem ter
que pagar por esse privilégio. Um bilhão de habitantes do planeta usam o
Facebook diariamente. Cerca de dois bilhões levam consigo um smartphone a
todos os lugares e costumam dar uma olhada no dispositivo a cada poucos minutos
durante o tempo em que passam acordadas. Os números reforçam o que já sabemos:
ansiamos pelas dádivas do Vale do Silício. Compramos no Amazon, viajamos com o
Uber, dançamos com o Spotify e falamos por WhatsApp e Twitter.
Mas as dúvidas
sobre a chamada revolução digital têm crescido. A visão imaculada que as
pessoas tinham do famoso vale tem ganhado uma sombra inclusive nos Estados
Unidos, um país de apaixonados pelos equipamentos eletrônicos. Uma onda de
artigos recentes, surgida após as revelações de Edward Snowden sobre a
vigilância na Internet por parte dos serviços secretos, tem manchado a imagem
positiva que os consumidores tinham do setor de informática. Dão a entender
que, por trás da retórica sobre o empoderamento pessoal e a democratização, se
esconde uma realidade que pode ser exploradora, manipuladora e até
misantrópica.
As investigações
jornalísticas encontraram provas de que nos armazéns e escritórios do Amazon,
assim como nas fábricas asiáticas de computadores, os trabalhadores enfrentam
condições abusivas. Descobriu-se que o Facebook realiza experiências
clandestinas para avaliar o efeito psicológico em seus usuários manipulando o
“conteúdo emocional” das publicações e notícias sugeridas. As análises
econômicas das chamadas empresas de serviços compartilhados, como Uber e
Airbnb, indicam que, apesar de proporcionarem lucros a investidores privados, é
possível que estejam empobrecendo as comunidades em que operam. Livros como The
People’s Platform [A plataforma do povo], de Astra Taylor, publicado em
2014, mostram que com certeza a Internet está aprofundando as desigualdades
econômicas e sociais, em vez de ajudar a reduzi-las.
As incertezas
políticas e econômicas ligadas aos efeitos do poder do Vale do Silício vão
além, enquanto o impacto cultural dos meios de comunicação digitais se submete
a uma severa reavaliação. Prestigiosos autores e intelectuais, entre eles o
prêmio Nobel peruano Mario Vargas Llosa e o romancista norte-americano Jonathan
Franzen, apresentam a Internet como causa e sintoma da homogeneização e da
trivialização da cultura. No início deste ano, o editor e crítico social Leon
Wieseltier publicou no The New York Times uma enérgica condenação do
“tecnologicismo”, em que sustentou que os “gangsteres” empresariais e os
filisteus tecnológicos confiscaram a cultura. “À medida que aumenta a
frequência da expressão, sua força diminui”, disse, e “o debate cultural está sendo
absorvido sem parar pelo debate empresarial”.
Também no plano
pessoal estão se multiplicando as preocupações sobre a nossa obsessão com os
dispositivos fornecedores de dados. Em vários estudos recentes, os cientistas
começaram a relacionar algumas perdas de memória e empatia com o uso de
computadores e da Internet, e estão encontrando novas provas que corroboram
descobertas anteriores de que as distrações do mundo digital podem dificultar
nossas percepções e julgamentos. Quando o trivial nos invade, parece que
perdemos o controle do que é essencial. Em Reclaiming Conversation [Recuperando
a conversa], seu controverso novo livro, Sherry Turkle, professora do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), mostra como uma excessiva
dependência das redes sociais e dos sistemas de mensagens eletrônicas pode
empobrecer as nossas conversas e até mesmo nossos relacionamentos. Substituímos
a verdadeira intimidade por uma simulada.
Quando examinamos
mais de perto a crença do Vale do Silício, descobrimos sua incoerência básica.
É uma filosofia quimérica que abrange um amálgama estranho de credos, incluindo
a fé neoliberal no livre mercado, a confiança maoísta no coletivismo, a
desconfiança libertária na sociedade e a crença evangélica em um paraíso a
caminho. Mas o que realmente motiva o Vale do Silício tem muito pouco a ver com
ideologia e quase tudo com a forma de pensar de um adolescente. A veneração do
setor de tecnologia pela ruptura se assemelha ao desejo de um adolescente por
destruir coisas, sem conserto, mesmo que as consequências sejam as piores
possíveis.
Portanto, não
surpreende que cada vez mais pessoas contemplem com olhar crítico e cético o
legado do setor. Apesar de proliferarem, os críticos continuam, no entanto,
constituindo a minoria. A fé da sociedade na tecnologia como uma panaceia para
os males sociais e individuais permanece firme, e continua a haver uma forte
resistência a qualquer questionamento ao Vale do Silício e seus produtos. Ainda
hoje se costuma descartar os opositores da revolução digital chamando-os de
nostálgicos retrógrados ou os tachando de “antitecnologia”.
Tais acusações
mostram como está distorcida a visão predominante da tecnologia. Ao confundir
seu avanço com o progresso social, sacrificamos nossa capacidade de ver
claramente a tecnologia e de diferenciar os seus efeitos. No melhor dos casos,
a inovação tecnológica nos possibilita novas ferramentas para ampliar nossas
aptidões, concentrar nosso pensamento e exercitar a nossa criatividade; amplia
as possibilidades humanas e o poder de ação individual. Mas, com frequência
demais, as tecnologias promulgadas pelo Vale do Silício têm o efeito oposto.
As ferramentas da
era digital geram uma cultura de distração e dependência, uma subordinação irreflexiva
que acaba por restringir os horizontes das pessoas, em vez de ampliá-los.
Colocar em dúvida o
Vale do Silício não é se opor à tecnologia. É pedir mais aos nossos tecnólogos,
a nossas ferramentas, a nós mesmos. É situar a tecnologia no plano humano que
corresponde a ela. Olhando retrospectivamente, nos equivocamos ao ceder tanto
poder sobre nossa cultura e nossa vida cotidiana a um punhado de grandes
empresas da Costa Oeste dos Estados Unidos. Chegou o momento de corrigir o
erro.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/23/tecnologia/1445612531_992107.html
Publicado
em 25/10/2015. Acesso em 06/11/2017 [Adaptado]
“As redes sociais têm três aspectos: um positivo, um negativo e um estúpido, que não foi pensado por ninguém. O anonimato do Twitter libera o discurso político, mas também permite comportamentos detestáveis. Quanto ao aspecto estúpido, os robôs que me enviam mensagens sexuais são parte disso”.
(Margaret Atwood, escritora canadense, falando na Feira do Livro de Frankfurt)
“O (limitado) vocabulário da Web. Menos de 5% das línguas
existentes são usadas no ambiente virtual. Estima-se que a globalização da
comunicação – mais um dos efeitos da era digital – leve ao sumiço 4.500
idiomas, já que apenas 200 permanecerão vivos nas conversas via Facebook,
Twitter, WhatsApp...”.
(Revista Veja, 4/1/2017)
PROPOSTA:
2.
O texto deve ser escrito na variante culta formal da língua
portuguesa. Portanto, não use gírias e certos recursos expressivos muito
informais.
3.
Embora se trate de um texto dissertativo, em prosa, é
plenamente possível que o candidato se expresse na 1ª, 2ª ou 3ª pessoas do
discurso.
4.
A criatividade na forma de desenvolver a dissertação é sempre
bem-vinda, desde que acompanhada de uma argumentação consistente.
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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