DANTE MILANO
Tanto rumor de falsa glória,
Só o silêncio é musical,
Só o silêncio é musical,
Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio de si mesmo,
O sonho que não está em parte alguma.
De tão lúcido, sinto-me irreal.
(Dante Milano, in “Poesia e prosa”)
Monólogo
Estar atento diante do ignorado,
reconhecer-se no desconhecido,
olhar o mundo, o espaço iluminado,
e compreender o que não tem sentido.
Guardar o que não pode ser guardado,
perder o que não pode ser perdido.
— É preciso ser puro, mas cuidado!
É preciso ser livre, mas sentido!
É preciso paciência, e que impaciência!
É preciso pensar, ou esquecer,
e conter a violência, com prudência,
qual desarmada vítima ao querer
vingar-se, sim, vingar-se da existência,
e, misteriosamente, não poder.
reconhecer-se no desconhecido,
olhar o mundo, o espaço iluminado,
e compreender o que não tem sentido.
Guardar o que não pode ser guardado,
perder o que não pode ser perdido.
— É preciso ser puro, mas cuidado!
É preciso ser livre, mas sentido!
É preciso paciência, e que impaciência!
É preciso pensar, ou esquecer,
e conter a violência, com prudência,
qual desarmada vítima ao querer
vingar-se, sim, vingar-se da existência,
e, misteriosamente, não poder.
(Dante Milano)
Tocata e fuga
Tocata e fuga
É tudo aquilo que só existe no
ar,
O que de nós, além de nós, se expande.
É a vertigem para o alto, igual à
grande
Tocata e fuga em ré menor de Bach.
É o delírio de um bêbedo num
bar...
É um não sair do chão por mais que se ande...
Tudo que em mim, somente em mim existe,
Me transporta, me absorve, me suspende,
Me faz sorrir embora eu esteja triste,
Triste naquele universal
sentido
Que a música interpreta e se compreende
Sem que em palavras seja traduzido.
(Dante Milano, in “Poesia e prosa”)
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
(Dante Milano)
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
(Dante Milano)
V (Na treva mais gelada, na brancura)
Na treva mais gelada, na brancura
Mais cega e morta, a vida ainda transluz.
Até de dentro de uma sepultura
Brota um soluço trêmulo de luz,
Na treva mais gelada, na brancura
Mais cega e morta, a vida ainda transluz.
Até de dentro de uma sepultura
Brota um soluço trêmulo de luz,
A luz que sua, a luz que desfigura
As pétalas pendidas nos pauis,
A espuma nos penhascos, fria e pura,
As chamas em seus ápices azuis.
Desalentos, angústias e canseiras
Tornam maior, mais tenebroso o olhar
Que lembra o olhar dos mortos: só olheiras
Tornam maior, mais tenebroso o olhar
Que lembra o olhar dos mortos: só olheiras
São existências que se dão inteiras
E sofrem, como o vento, como o mar,
Como todas as coisas verdadeiras.
(Dante Milano, in “Poesias”)
E sofrem, como o vento, como o mar,
Como todas as coisas verdadeiras.
(Dante Milano, in “Poesias”)
VII (Na noite cor de sono, cor de sonho)
Na noite cor de sono, cor de sonho,
Fulgurando na treva, um raio estronda,
Final do céu, divino mas medonho.
E uma mulher sem ter onde se esconda,
Na noite cor de sono, cor de sonho,
Fulgurando na treva, um raio estronda,
Final do céu, divino mas medonho.
E uma mulher sem ter onde se esconda,
Os cabelos desfeitos, aparece
E em meus braços se atira. Então, absorto,
Vi que o corpo, quando ama, desfalece,
Vi que o rosto, ao beijar, parece morto.
E em meus braços se atira. Então, absorto,
Vi que o corpo, quando ama, desfalece,
Vi que o rosto, ao beijar, parece morto.
Como se o beijo os lábios lhe torcesse,
A boca toma a forma de um sorriso
Que se contrai, como se o beijo doesse.
A boca toma a forma de um sorriso
Que se contrai, como se o beijo doesse.
Visões do amor, possuídas mas incertas.
O corpo se entregou, mas indeciso,
E deixou-se cair de mãos abertas.
(Dante Milano, in “Poesias”)
O corpo se entregou, mas indeciso,
E deixou-se cair de mãos abertas.
(Dante Milano, in “Poesias”)
Homenagem a Camões
Através de imitado sentimento,
Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em ato não, mas só em pensamento.
Então invento o que amo e amo o que invento
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.
Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos.
Em amor, que importância tem o ar,
O ar, cheio de fantásticas ações!
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, Camões.
(Dante Milano)
Conhecimento do amor
Se o fruto já maduro da experiência
Me deu de amor algum conhecimento,
Só sei dizer que o seu entendimento
É saber que transcende toda ciência.
Com que palavras o direi? — "Paciência"
Ou "Impaciência", "Alento" ou
"Desalento".
Quereis outra palavra? "Alheamento".
Outra? "Presença" ou sua igual
"Ausência".
Esquecimento de si mesmo: olvido.
Quantas vezes morri sem ter morrido,
Sem sentir ao morrer nenhuma dor.
Nem a morte é culpada de tal morte,
Até a deseja o amante em seu transporte:
Só ela é eterna como o seu amor.
(Dante Milano)
O espectro
O canto não imita a realidade
Como as palavras. Fica sobrevoando,
E da boca feroz se libertando,
Como o voo de um pássaro, se evade.
Desaparece sem deixar saudade,
Perde-se na existência, como quando
A água de uma carranca borbotando
Se irisa em trêmula diafaneidade.
Não quero o sentimento que da treva
Do ser traz qualquer coisa de aflitivo,
Que quer ser voz e a voz profunda eleva,
Despertando um espírito latente
Que estilhaça os cristais num vingativo
Riso de espectro lívido e estridente.
(Dante Milano)
Vocabulário
Áridas palavras,
Refratárias, secas
Arestas de fragas
Secretando uma água
Morosa, suada,
Que não mata a sede.
São pedras na boca.
Rolam balbuciantes
Buscando um sentido.
Uma quer ser beijo.
Outra quer ser lágrima.
Rolam balbuciantes
Buscando um sentido.
Uma quer ser beijo.
Outra quer ser lágrima.
Não basta dizê-las.
Elas querem ser
Mais do que palavras.
Elas querem ser
Mais do que palavras.
Como captarei
A ideia sem fim
(Não sei de onde vem)
Que tenta exprimir-se…
A ideia sem fim
(Não sei de onde vem)
Que tenta exprimir-se…
Áridas palavras
Para as bocas ávidas,
Para as bocas ávidas,
E quando elas brotam
Não são mais que as notas
De uma extinta música…
Não são mais que as notas
De uma extinta música…
(Dante Milano)
Sentir aceso dentro da cabeça
Um pensamento quase que divino,
Como raio de luz frágil e fino
Que num cárcere escuro resplandeça.
Seguir-lhe o rastro branco em noite espessa,
Ter de uma inútil glória o vão destino,
Ser de si mesmo vítima e assassino,
Tentar o máximo, ainda que enlouqueça.
Provar palavras de sabor impuro
Que a boca morde e cospe porque é suja
A água que bebe e o pão que come é duro,
E deixar sobre a página da vida
Um verso — essa terrível garatuja
Que parece um bilhete de suicida.
(Dante Milano)
Ao Tempo
Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida
A um tempo aproximando e distanciando…
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando
Tempo, vais para diante ou para trás?
(Dante Milano)
A cidade
Ao ver os altos castelos
Do Alhambra, dos Alijares
Lavrados à maravilha,
El-rei Don Juan dizia:
"Se tu quisesses, Granada,
Contigo me casaria
E te daria como arras
Córdova e Sevilha!"
"Não sou solteira nem viúva,
Sou casada, rei Don Juan,
Com Abenámar o Mouro,
Senhor que muito me quer."
Ao ver os altos castelos
Do Alhambra, dos Alijares
Lavrados à maravilha,
El-rei Don Juan dizia:
"Se tu quisesses, Granada,
Contigo me casaria
E te daria como arras
Córdova e Sevilha!"
"Não sou solteira nem viúva,
Sou casada, rei Don Juan,
Com Abenámar o Mouro,
Senhor que muito me quer."
Maior felicidade
Que amar uma mulher,
Amor de longo olhar
E presente saudade,
Amor muito maior
É amar uma cidade!
(Dante Milano)
Que amar uma mulher,
Amor de longo olhar
E presente saudade,
Amor muito maior
É amar uma cidade!
(Dante Milano)
Lágrima Negra
Aperto fortemente a pena ingrata
entre os dedos nervosos e trementes,
e os versos jorram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma catarata!
Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lágrimas de prata
como um colar de pérolas pendentes...
Eu canto o sofrimento, a ânsia incontida
de amor, que é a maior ânsia desta vida,
- a vida a que a humanidade se condena!
E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor-- pingo de tinta,
lágrima negra que me cai da pena.
entre os dedos nervosos e trementes,
e os versos jorram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma catarata!
Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lágrimas de prata
como um colar de pérolas pendentes...
Eu canto o sofrimento, a ânsia incontida
de amor, que é a maior ânsia desta vida,
- a vida a que a humanidade se condena!
E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor-- pingo de tinta,
lágrima negra que me cai da pena.
(Dante Milano)
Elegia a Lígia
Lígia, teu nome de elegia
Te dá ao corpo moço um ar antigo
E cria em meu ouvido lento ritmo
Que me arrasta o absorto espírito
Para o verso e sua inútil tortura.
Torso de ânfora esguia!
Só o que amou deveras um quadro, um vaso, um objeto precioso,
Pode sentir o relevo suave do teu ventre,
Corpo de mulher,
Forma antiga e novíssima.
Perdoa aos poetas que te desnudam, te divinizam, te prostituem.
Em meus versos inteira te possuo.
Que importa a fêmea que se nega?
Transformada em poema,
Amo-te ainda mais!
Ajoelho agarrado a teus joelhos,
Não com palavras de fé
Mas impudente e irreverente
Profanando mas adorando
A tua imagem desfigurada.
(Dante Milano)
Só o que amou deveras um quadro, um vaso, um objeto precioso,
Pode sentir o relevo suave do teu ventre,
Corpo de mulher,
Forma antiga e novíssima.
Perdoa aos poetas que te desnudam, te divinizam, te prostituem.
Em meus versos inteira te possuo.
Que importa a fêmea que se nega?
Transformada em poema,
Amo-te ainda mais!
Ajoelho agarrado a teus joelhos,
Não com palavras de fé
Mas impudente e irreverente
Profanando mas adorando
A tua imagem desfigurada.
(Dante Milano)
Música surda
Como num louco mar, tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.
O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.
Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol...
Oh, paisagem do imenso esquecimento.
(Dante Milano)
Cenário
Tudo é só, a
montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é
mais só.
Se encontrares
alguém
Ele está só
também.
Que fazes a
estas horas nesta rua?
Que solidão é
a tua
Que te faz
procurar
O cenário
maior,
O de uma
solidão maior que a tua?
(Dante Milano)
Pietá
Essa mulher causa piedade
![]() |
"Pietá". Annibale Carracci. 1600. |
Com o filho morto no regaço
Como se ainda o embalasse.
Não ergue os olhos para o céu
À espera de algum milagre
Mas baixa as pálpebras pesadas
Sobre o adorado cadáver.
Ressuscitá-lo ela não pode,
Ressuscitá-lo ela não sabe.
Curva-se toda sobre o filho
Para no seu seio guardá-lo,
Apertando-o contra o ventre
Com dor maior que a do parto.
Mãe, de Dor te vejo grávida,
Oh, mãe do filho morto!
(Dante Milano)
Descobrimento
da Poesia
Quero escrever
sem pensar.
Que um verso
consolador
Venha vindo
impressentido
Como o
princípio do amor.
Quero escrever
sem saber,
Sem saber o
que dizer,
Quero escrever
urna coisa
Que não se
possa entender,
Mas que tenha
um ar de graça,
De pureza, de
inocência,
De doçura na
desgraça,
De descanso na
inconsciência.
Sinto que a
arte já me cansa
E só me resta
a esperança
De me esquecer
do que sou
E tornar a ser
criança.
(Dante Milano)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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"Meu coração" – Caio Fernando Abreu
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Dante Milano, reconhecido pelos seus pares como um grande entre os grandes mas desconhecido pela maioria do público...
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