MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
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Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.
Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distância.
Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!
Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...
(Mário de Sá-Carneiro)
Último Soneto
Que rosas fugitivas foste
ali!
Requeriam-te os tapetes, e
vieste...
– Se me dói hoje o bem que me
fizeste,
É justo, porque muito te
devi.
Em que seda de afagos me
envolvi
Quando entraste, nas tardes
que apareceste!
Como fui de percal quando me
deste
Tua boca a beijar, que
remordi...
Pensei que fosse o meu o teu
cansaço –
Que seria entre nós um longo
abraço
O tédio que, tão esbelta, te
curvava...
E fugiste... Que importa? Se
deixaste
A lembrança violeta que
animaste,
Onde a minha saudade a Cor se
trava?...
(Mário de Sá-Carneiro)
Além-tédio
Nada me expira já, nada me
vive –
Nem a tristeza nem as horas
belas.
De as não ter e de nunca vir
a tê-las,
Fartam-me até as coisas que
não tive.
Dormir em paz num leito de
hospital...
Cansei dentro de mim, cansei
a vida
De tanto a divagar em luz
irreal.
Outrora imaginei escalar os
céus
À força de ambição e
nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me
ardia.
Parti. Mas logo regressei à
dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era
igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha
cor!
Ecoando-me em silêncio, a
noite escura
Baixou-me assim na queda sem
remédio;
Eu próprio me traguei na
profundura,
Me sequei todo, endureci de
tédio.
E só me resta hoje uma
alegria:
É que, de tão iguais e tão
vazios,
Os instantes me esvoam dia a
dia
Cada vez mais velozes, mais
esguios...
(Mário de Sá-Carneiro)
O Pajem
Sozinho de brancura, eu vago –
Asa
De rendas que entre cardos só
flutua...
– Triste de Mim, que vim de
Alma pra rua,
E nunca a poderei deixar em
casa...
(Mário de Sá-Carneiro)
O Recreio
Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...
– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...
– Cá por mim não mudo a
corda,
Seria grande estopada...
Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...
– Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...
(Mário de Sá-Carneiro)
O Fantasma
O que farei na vida – o Emigrado
Astral após que fantasiada guerra,
Quando este Oiro por fim cair por terra,
Que ainda é Oiro, embora esverdinhado?
(De que Revolta ou que país fadado?)
– Pobre lisonja, a gaze que me encerra...
Imaginária e pertinaz, desferra
Que força mágica o meu pasmo aguado?
A escada é suspeita e é perigosa:
Alastra-se uma nódoa duvidosa
Pela alcatifa – os corrimões partidos...
– Tapam com rodilhas o meu norte,
– As formigas cobriram minha Sorte,
– Morreram-me meninos nos sentidos...
O amor
Mote
Sorriso que desfalece,
Madeixa que desata,
Perfume que esvaece.
(popular)
Glosas
Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.
(Mário de Sá-Carneiro)
Escavação
Numa ânsia de ter alguma
cousa,
Divago por mim mesmo a
procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.
Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar...
Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
- Onde existo que não existo em mim?
Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bocas esmagadas -
Tudo outro espasmo que princípio ou fim...
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.
Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar...
Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
- Onde existo que não existo em mim?
Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bocas esmagadas -
Tudo outro espasmo que princípio ou fim...
(Mário de Sá Carneiro, in
“Dispersão”)
(Mário de Sá Carneiro)
Quase
Um pouco mais de sol – eu era
brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo
esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo
e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e
tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma
que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só
indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora
brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Insônia roxa. A luz a
virgular-se em medo,
Luz morta de luar, mais Alma
do que a lua...
Ela dança, ela range. A
carne, álcool de nua,
Alastra-se pra mim num
espasmo de segredo.
Tudo é capricho ao seu redor,
em sombras fátuas...
O aroma endoideceu, upou-se
em cor, quebrou...
Tenho frio... Alabastro!... A
minh' Alma parou...
E o seu corpo resvala a
projectar estátuas...
Ela chama-me em Íris.
Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus,
ecoa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A
doida quer morrer-me...
Mordoura-se, a chorar – há
sexos no seu pranto...
Ergo-me em som, oscilo e
parto, e vou arder-me
Na boca imperial que
humanizou um Santo...
(Mário de Sá-Carneiro)
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