Prova
de Língua e Literatura em Língua Portuguesa – Cásper Líbero – 2014
1. Assinale a opção que apresenta uma informação incoerente com os fatos narrados em Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis:
a.
O envio de uma cestinha de morangos, de Virgília a Brás Cubas, e o bilhete
dela, “intimando-o a vir jantar”, assinado “Sua verdadeira amiga”, é um momento
que precipita a ação. “Morangos adúlteros”, comenta um amigo, que está com ela
na hora em que chega o presente. Brás Cubas é levado a crer que Virgília está
disposta a deixar-se conquistar por ele.
b.
Depois de estudar no exterior, Brás Cubas volta para a pátria e perde a mãe.
Uma grande dor o possui. Aguilhoado por ela, vai procurar lenitivo na solidão.
O pai visita-o, e em vez de encontrar nele a angústia e o desconsolo, Brás Cuba
só enxerga a vaidade por ter recebido uma carta do regente, ao mesmo tempo que
o desejo de ser introduzido na política.
c.
Nada prendia Brás Cubas a Virgília; o amor fora substituído pela saciedade em
ambos; o filho, que Virgília a principio anunciara, morrera antes de nascer.
Por isso, acabou cedendo às propostas de casamento que a irmã lhe fazia. Mas
estava escrito que ele nunca haveria de formar família; a noiva morre poucos
dias antes do ato realizar-se.
d.
Foi depois do falecimento da noiva que Brás Cubas entrou na política. Foi
deputado; escapou de ser ministro e não foi reeleito. Mas um amigo o consolou,
um amigo de vida bastante agitada, que da ociosidade fora levado ao vício, e do
vício ao crime. Esse amigo a quem uma fortuna, herdada inesperadamente,
afastara do caminho da correção imaginou um sistema de filosofia: o
humanitismo.
e.
Brás Cubas nasceu de pais ricos e complacentes que o amavam com ardor, mas de
um amor antes específico e animal do que esclarecido e elevado. As suas
inconveniências e travessuras passavam como rasgos de espírito. As suas
exigências, por mais esdrúxulas, eram sempre satisfeitas. Daí a primeira
tendência para a satisfação, para o otimismo, tendência auxiliada pela
fatuidade, que herdara do pai.
2.
Sobre Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é correto afirmar que:
a.
O tom de Brás Cubas, em sua gratuidade, logo postula um ambiente de aceitação irresponsável
e de ironia solta, um “és não és” de farsa metafísica. O leitor não pode levar
a sério o tom do suposto autor e logo de saída vê-se na contingência de
engatilhar um sorriso divertido ou meio forçado, conforme entram a reagir os
seus nervos.
b.
O estudo do desagregar-se psicológico do protagonista, a sua persistência no
delírio entrelaçada à invenção do emplasto, é extraordinária e contrastada com
a agudeza humorística. As intenções propriamente simbólicas do texto, iniciadas
com as dissertações paradoxais de Quincas Borba, são levadas avante num
andamento seguro que, pela progressão rigorosa e ágil, confirma a excepcional
categoria do defunto-autor.
c.
Em Brás Cubas, a música exerce uma função organizadora do enredo, analisando o progressivo
despertar de Virgília, à medida que ela volta ao piano de que se abstivera com
a viuvez. Essa música terá para ela o sentido de anular as distâncias do tempo
e do espaço e criar um mundo harmonioso.
d.
O defunto-autor é, na superfície, meramente o agente através do qual a verdade
é descoberta, o estranho no mundo patriarcal, fechado, da casa-grande, e que
tropeça em
seus
mais terríveis segredos. Mas é mais do que isso; ele próprio nos diz, em
diversos trechos, que não está com a consciência tranquila acerca do seu papel
no caso.
e.
Brás Cubas, apesar da gravidade do tema e da estrutura formal, dá a impressão
de um
“divertimento”,
não há dúvida. E em que consiste tal divertimento? O divertimento, núcleo do
livro, é montado sobre a oposição de caracteres de Brás Cubas e Virgília.
3.
Sobre as características do Romantismo, escola literária à qual pertence o
romance Til, de José de Alencar, é correto afirmar que:
a.
A obsessão do novo a qualquer preço é contraponto de uma retórica já repetida à
saciedade. Valoriza-se naturalmente o que não se tem: é mister procurar coisas
novas para que o mundo resulte mais rico e mais glorioso.
b.
O momento literário nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a
natureza e os afetos comuns do homem, refletidos através da tradição clássica e
de formas bem definidas, julgadas dignas de imitação.
c.
A natureza é expressiva. Ela significa e revela. Prefere-se a noite ao dia,
pois à luz crua do sol o real impõe-se ao indivíduo, mas é na treva que latejam
as forças inconscientes da alma: o sonho, a imaginação. O mundo natural encarna
as pressões anímicas.
d.
Socialismo, freudismo, catolicismo existencial: eis as chaves que serviram para
a decifração do homem em sociedade e sustentariam ideologicamente o romance
empenhado desses anos fecundos para a prosa narrativa.
e.
Desnudam-se as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima; e
buscam-se para ambas causas naturais (raça, clima, temperamento) ou culturais
(meio, educação) que lhe reduzem muito a área de liberdade.
4.
Sobre as características da prosa de ficção de José Alencar, presentes em Til,
é correto afirmar que:
a.
À idolatria do dinheiro, que aviltaria a nova sociedade do Segundo Império,
Alencar opusera seu desprezo impotente. Daí os enredos valerem como documento
apenas indireto de um estado de coisas, no caso, o tomar corpo de uma ética
burguesa e realista das conveniências durante o Segundo Reinado.
b.
O regionalismo de Alencar mistura elementos tomados à narrativa oral, os
“causos” e as “estórias” do interior do Brasil, com uma boa dose de
idealização. Esta é responsável por uma linguagem adjetivosa e convencional na
maioria dos quadros agrestes.
c.
Alencar explora o dom do memorialista e a finura da observação moral, mas no
uso desses dotes deixa atuar tal carga de passionalidade que o estilo de seu
romance mal se pode definir, em sentido estrito, romântico, afetado que é pela
plasticidade nervosa de alguns retratos e ambientes.
d.
Em Alencar predomina o gosto da fala regional em si mesma: sintaxe, modismos, léxico,
fonética, quase tudo se acha colado à vivência dos homens e das coisas do interior,
configurando uma linguagem cuja camada verbal serve de instrumento eficaz à
representação
dos dramas caboclos.
e.
O Brasil ideal de Alencar seria uma espécie de cenário selvagem onde, expulsos
os portugueses, reinariam capitães altivos, senhores do baraço e cutelo
rodeados de sertanejos e peões, livres, sim, mas fiéis até a morte. Alguma
coisa assim como a Europa pré-industrial, mas regenerada pela seiva da natureza
americana.
5.
Sobre as características do Naturalismo, escola literária à qual pertence o
romance O cortiço,
de Aluísio Azevedo, é correto afirmar que:
a.
O gosto pela Natureza impele o escritor naturalista na direção da Pátria,
entrevista como projeção do “eu”. Politicamente liberal, sente-se “o arauto das
inquietações populares”, mago, profeta, gênio, predestinado; idealista,
acredita no progresso do Homem e sonha com uma Idade de Ouro, sob o signo da
Liberdade, Fraternidade, Igualdade. Volta-se para os burgueses e plebeus, e por
vezes tinge de cores revolucionárias as suas obras centradas no povo.
b.
O Naturalismo interior fundava-se na psicologia, não raro nas suas formas
complexas, patológicas, buscando o consórcio da mimese representativa com o
imaginário. Submisso ao tempo da subjetividade, aproximava-se da
intemporalidade da psicanálise, da imaginação e, por conseguinte, da literatura
simbolista.
c.
O Naturalismo transpira o sentimento segundo o qual “vivemos em tempos
totalmente novos; a história contemporânea é a fonte da nossa significância;
somos herdeiros, não do passado, mas, sim, do cenário ou do ambiente que nos
circunda e nos engloba; a modernidade é uma nova consciência, uma condição sem
igual da mente humana”.
d.
Os adeptos do Naturalismo, na linha do materialismo histórico, pregavam a
necessidade de transformar o mundo por meio da tomada de consciência das
desigualdades sociais. Consideravam decadente a burguesia, enalteciam o
trabalho dos operários e camponeses, num populismo não raro beirando o
simplismo ou a esquematização mecânica. Admitiam as causas econômicas e
políticas como as mais importantes, se não exclusivas, da luta de classes.
e.
O escritor naturalista equipara-se, no seu afã de atingir a verdade positiva,
aos cientistas, atuando “sobre os caracteres, sobre as paixões, sobre os fatos
humanos e sociais, como o químico e o físico atuam sobre os corpos brutos, como
o fisiologista atua sobre os corpos vivos”. Em suma, quer para si o estatuto de
cientista. E procura anular a distância entre a realidade e a ficção:
adquirindo caráter experimental, o texto literário converte-se num laboratório.
6.
Assinale a opção que apresenta uma informação incoerente com os fatos narrados em
O cortiço, de Aluísio Azevedo:
a.
João Romão, ladrão como rato, foi surrupiando materiais de obra a desoras e
conseguiu levantar, casinha a casinha, o cortiço dos Carapicus.
b.
Rita Baiana, no delírio, chama como a Sulamita pelo seu amado, e a boca
cheirosa da mulata repete as palavras líricas da moça de Salomão, pensando no
carinho do beijo da outra boca perfumada a rosa.
c.
A senhora Piedade foi notando a frieza do marido, tanto mais quanto uma bruxa
que havia no cortiço, consultando as cartas de um baralho, declarou-lhe: “Ele
tem a cabeça virada por uma mulher trigueira”.
d.
O capoeira Firmo, ralado de ciúmes, aboletou-se na estalagem fronteira, a
Cabeça de Gato, e tornou-se logo chefe dessa gentalha. Desde logo surgiu uma
rivalidade sanguínea entre os dois cortiços. Quem fosse “cabeça de gato” era
inimigo dos Carapicus.
e.
O Jerônimo entrou logo para o cortiço mais a mulher, senhora Piedade; e lá,
todas as noites na guitarra, matavam as saudades da terra, ela e o seu rico
homem.
7.
Sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade, autor de Sentimento do mundo, é correto
afirmar que:
a.
A sua poesia verdadeira, a que lhe deu glória e popularidade porque constituía,
realmente, a expressão de sua alma, o grito das suas artérias, a voz do seu
temperamento, era aquela que alguém chamou, uma vez, o seu “erotismo dourado”.
Drummond sem beijos, sem a ronda voluptuosa dos corpos sensuais e fugitivos,
das bocas súplices e dos braços estendidos como tentáculos do pecado, não seria
Drummond.
b.
Na poesia de Drummond, as palavras atuam no sentido de iluminar ou isolar para
os olhos um sinal da esparsa beleza geral. Fruto da circunstância, o poema é por
vezes pequena joia faiscante e secreta extraída do instante consumido. Em cada
poema um convite à perene virgindade do primeiro olhar, um retorno às fontes de
energia de quem observa as coisas como se as visse pela primeira vez.
c.
O caráter pessimista da poesia de Drummond quanto ao pretenso poder da ciência
contra o mistério do universo, essa falta de crença na eficácia de todo o
esforço humano, é uma das suas características que mais o aproximam de nós,
exilados há muito do ingênuo ufanismo cientificista do século passado. Drummond
é o poeta do fracasso do enfrentamento do mistério, da impotência perante o
incognoscível.
d.
Nos poemas, os grandes acontecimentos públicos do século são expressos através
de uma atormentada, galhofeira ou benévola autoanálise. A esta se acopla uma
reflexão poética sobre a vivência do cidadão brasileiro, e o intelectual
cosmopolita em tempos que podem ser trágicos, dramáticos, nostálgicos,
pessimistas ou alegres. Experiência privada e fatos públicos nacionais e
estrangeiros, em correlação e sistema de troca entranháveis, compõem a textura das
sucessivas coletâneas de poemas.
e.
O poeta dá geralmente à imaginação as prerrogativas de um poder absoluto e,
portanto, quem deseja compreendê-lo e, em consequência, assimilar as suas criações,
terá que reconhecer, previamente, esse primado. A imaginação criadora de
Drummond corresponde ao que a crítica qualifica de plástica, imaginação
exterior, na qual costumam prevalecer as associações de caráter objetivo,
tornando-se por isso mesmo mais atenta às coisas do espaço visível.
8.
Assinale a opção que apresenta corretamente a análise crítica de Sentimento do mundo,
de Carlos Drummond de Andrade:
a.
“Sua poesia tem a frescura das fontes e das flores úmidas de orvalho e o calor
dos ninhos e leitos amorosos. Nela, vida e arte poética se fundem e se
transfundem, num enlace entranhado e duradouro. Armada de uma proteção estética
e de uma aura humana capazes de evitar ou minimizar o processo danificador da
posteridade, essa poesia apurada e madura ostenta, na mesa do leitor, a sua
matéria nutriente como um pão.” (Lêdo Ivo).
b.
“Lúcida, ao grau extremo, sua poesia opera muita vez um agônico e lancinante movimento
no sentido de substituir a religião perdida pelo prazer estético que lhe
proporciona a consciência de seu altíssimo valor. O culto da beleza deveria
assim atender às suas ávidas exigências religiosas, pois o poeta, que vivera
todas as dúvidas do século, já não mais poderia crer em dogmas e tradições.”
(Ivan Junqueira).
c.
“Poesia dos sentimentos abissais, da perda, da desilusão amorosa, do
enfrentamento da loucura e da morte, narrados pelo poeta de voz cosmopolita
radicado no Rio de Janeiro. Mas poesia, também, de esperança e de alegria:
plena de vento, luz e sol contra o sombrio império do niilismo pós-moderno.”
(Antonio Carlos Secchin).
d.
“Sua obra apresenta, no Brasil (e, sobretudo, realizada, como foi, no
interior), estranha unidade e regularidade do fluxo criador. Continuada
confissão, ela é entretanto de ressonância restrita e velada, animada dum
sentimento místico sem arroubos nem iluminações fulgurantes. Quando, porém, o
poeta dominava a obsessão funérea, que lhe
tinge
grande parte da obra, é que vislumbramos a qualidade da sua alma, tão afim com
a
daquele
Aleijadinho das igrejas da sua terra.” (Andrade Murici).
e.
“As palavras enunciadas pelo poema drummondiano podem passar como palavras de
leitor porque todos os seres humanos são reiteradamente dados como irmãos na
sua poesia. Tal como desenhada pela poesia de Drummond, a fraternidade
universal não pode nem deve ser encarada de maneira leviana e ser conceituada
às pressas. (...) Os obstáculos que surgem entre o poeta e o seu possível
leitor, impedindo o companheirismo, escapam ao que podemos chamar de a condição
humana, já que são construções do colonialismo ocidental ou da historia do
capitalismo.” (Silviano Santiago).
9.
Sobre as características da literatura africana, presentes em O fio das
missangas, de Mia
Couto, é correto afirmar:
a.
A literatura moçambicana buscou meios de conseguir conviver com os conflitos
pós-coloniais, explorando narrativas orais de padrão culto, diluindo as marcas
culturais híbridas dentro de uma mesma cultura e criando pontos de contato
entre a língua europeia trazida pelos colonizadores e as línguas locais.
b.
A literatura de Mia Couto irá refletir de modo direto a situação cultural de
seu país. O fio das missangas tematiza o universo intelectual de Moçambique,
atentando para questões concernentes à construção das identidades literárias
cujas referências foram dilaceradas e desvalorizadas pela colonização europeia.
c.
O principal problema da literatura pós-colonial moçambicana relaciona-se ao
fato de ela fazer interagir uma tradição cultural africana (fortemente
enraizada na oralidade) com outra, europeia, resguardada pela autoridade da
escrita.
d.
A literatura pós-colonial, embora profundamente crítica, não consegue retratar
as marcas profundas da exclusão e da dicotomia cultural durante o domínio
imperial, as transformações operadas pelo domínio cultural europeu e os
conflitos decorrentes.
e.
Os escritores moçambicanos passaram a incorporar as estratégias colonialistas
existentes na literatura, recusando os mecanismos de subversão experimentados
pela imaginação poética, preferindo, em contrapartida, abordar questões
relacionadas à tradição da literatura europeia.
10.
Sobre O fio das missangas, de Mia Couto, é correto afirmar:
a.
Predomina um tom épico que dá conta da relação entre o indivíduo, a família, o
grupo e a terra como uma inspiração vizinha da lenda popular (da criação do
mundo), configurando a votação do(s) herói(s) ao sacrifício e uma espécie de
redenção final operada pela ação dos tempos na terra, isto é, pela ação do
trabalho presente sobre o futuro.
b.
São histórias colhidas no turbilhão de um cotidiano extremamente complexo, não
raras vezes violento – física ou psicologicamente; histórias que vão sendo
adensadas e condensadas pela leveza da linguagem de uma prosa poética, marca
estilística do seu autor; histórias “arredondadas” (diferentes no tom, mas não
tão diferentes na forma) que, juntas, dão conta de silêncios e recompõem
silêncios – de mulheres, de homens e de toda sorte daqueles à margem (o
mendigo, a criança, o velho, o poeta).
c.
Trata-se de um livro polifônico que, ao mergulhar no universo simbólico da
figura dos desterrados ou marginalizados em sua própria terra, firma-se como um
feixe de histórias cuja relação esquizofrênica entre sujeito e espaço se dá na
linha principal da viagem empreendida rumo a uma “Moçambique profunda”.
d.
No contexto do qual emergem as histórias, nota-se a tentativa muito
bem-sucedida do narrador de amenizar o conflito entre os laivos da tradição
moçambicana e o vento avassalador do modus vivendi ocidental, que por anos
transformou o território africano em uma espécie de tabuleiro de xadrez.
e.
As histórias tratam dos problemas sociais de Moçambique sob a metáfora de um
colar de missangas que une todos os personagens. Os narradores, por sua vez,
exploram a relação sujeito-espaço e logo a coletânea figura como um retrato
realista do espaço físico de um país caleidoscópico, uma espacialidade
eufórica, que reitera o frenesi da recente libertação conquistada com o fim do
colonialismo português.
11.
Assinale a opção que apresenta um conteúdo incoerente com Leite derramado, de Chico
Buarque:
a.
Narrado em primeira pessoa, combinando alta densidade narrativa com um senso de
humor muito particular, o livro é a história de um homem exaurido por seu
próprio talento, que se vê emparedado entre duas cidades, duas mulheres, dois
filhos e uma série de outros pares simétricos que conferem ao texto o caráter
de espelhamento que permeia todo o romance.
b.
A fala desarticulada do ancião cria dúvidas e suspenses que prendem o leitor. O
discurso do personagem parece espontâneo, mas o escritor domina com mão firme
as associações livres, as falsidades e os não-ditos, de modo que o leitor pode
ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do autor, verdades que a personagem
não consegue enfrentar.
c.
Em suas leves variantes, as lembranças obsessivas revelam sutilezas ideológicas
e psíquicas. E, como essas lembranças têm forte componente plástico, criam
imagens fascinantes. É o caso do “vestido azul” comprado pelo pai para a
amante, objeto de alta concentração de significados.
d.
Há também um jogo com os espaços onde ocorrem os acontecimentos narrados. As várias
casas em que o narrador morou, como as décadas acumuladas em suas lembranças, sobrepõem-se
e revezam-se. Recolocá-las em ordem cronológica é assistir a uma derrocada pessoal
e coletiva.
e.
Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional
família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e
a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais
portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira
República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual.
12.
Assinale a opção que apresenta corretamente a análise crítica de Leite
derramado, de
Chico Buarque:
a.
“Toda a narração lembra uma câmera que narra, que vai flagrando nacos da vida
nacional, como a história de Castana Beatriz, que teria morrido numa emboscada
durante um período de repressão, e a história de Alyandro Sgaratti, menino
pobre, que roubava pão doce na padaria, que, depois, passa a puxar automóveis e
se torna o rei do mercado de peças de carros.” (Heitor Ferraz Mello).
b.
“Na obra os tempos encontram-se também tensionados, o presente derruído em
oposição ao passado faustoso. E é dessa oposição que ressai uma dimensão
importante no livro e sem precedentes, ao menos com essa insistência e
intensidade, na obra literária de Chico Buarque (…). Leite derramado é o tempo
perdido e irrecuperável da vida do narrador.” (Francisco Bosco).
c.
“A alguns dos textos dos últimos anos que trabalham com uma lógica coral talvez
se pudesse associar a expressão ‘objetos verbais não identificados’, empregada
por Christophe Hanna ao tratar dos processos, dos contextos e do funcionamento
crítico de certos experimentos literários de difícil classificação.” (Flora
Süssekind).
d.
“Um escritor profundamente marcado pela experiência como cronista, atividade em
que a interlocução é fundamental; mas que ao longo da vida se tornou cada vez
mais consciente da distância que havia entre ele e seus leitores. Daí a falta e
a precariedade da comunicação se tornarem assuntos que tanto o fascinaram,
manifestando-se também na tensão crescente e estrutural da sua relação com o
leitor ficcional.” (Hélio de Seixas Guimarães).
e.
“O outro local importante de ‘Leite derramado’ é o velho sítio da família. Com
espaço da infância, da gente simples e da natureza, parecia um refúgio, o
remédio para os desajustamentos do narrador. Ao chegar lá, entretanto, este
encontra um povo – crianças inclusive – organizado e escravizado para a
contravenção, siderado por videogames, motocicletas, blusões e tintura para
cabelos, além de preparado para negociar com as autoridades.” (Roberto
Schwarz).
14.
“É claro que a juventude de classe média brasileira não acordou sozinha. E não
acordou de repente. A internet tornou o despertar mais rápido, sem dúvida. Mas
existe uma esquerda resistente, que está representada nos pequenos partidos, que
empunha a bandeira da ética e da transparência e que há muito tempo vem conquistando
a juventude, usando a mesma linguagem e os mesmos meios que ela: a internet.
Dar asas à sociedade civil para que ela assuma seu papel transformador, a
partir do ressurgimento do sentimento de brasilidade, da certeza de que os verdadeiros
donos do país somos nós. Utópico, porém alcançável, principalmente em tempos de
internet.”
FONTE:
Observatório da Imprensa. RIBEIRO, Mehane Albuquerque. Publicado em 25-06-2013.
Adaptado. http://
www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed752_sobre_os_recentes_movimentos_sociais_urbanos_no_brasil
Acessado em 16-09-2013
Fonte:
http://www.cartoonmovement.com/ cartoon/351?fq=theme.culture_n_identity
Acessado em 14-09-2013
A
respeito do texto é possível afirmar que:
a.
Os movimentos sociais urbanos da atualidade reproduzem, sem inovações,
movimentos do passado.
b.
A sociedade civil demonstra seu despreparo político ao apoiar sua mobilização
organizada com recursos das tecnologias de informação.
c.
A articulação política, por meio do uso das tecnologias de informação, em nada
interfere nos movimentos sociais.
d.
O uso das tecnologias de informação está desvinculado da atuação política da
juventude brasileira atual.
e.
As tecnologias de informação têm sido uma importante ferramenta política nos
movimentos sociais urbanos.
15.
“A batalha das autoridades paulistanas contra a poluição visual está
entrelaçada a um conflito social profundo cuja forma de expressão não é vista
em outras cidades – a pichação. O jornal americano, ‘New York Times’ diz que,
mesmo com o reconhecimento do grafite paulistano em galerias internacionais, a pichação
permanece como uma expressão marginal, com sua grafia muitas vezes
incompreensível para quem não é do meio. Os integrantes das gangues de pichadores
inclusive não se consideram grafiteiros, e veem o grafite como uma arte frequentemente
cooptada comercialmente”, afirma o texto.
Fonte:
Folha de SP, publicado em 29-01-2012.
Adaptado. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1041022-sp-viveconflito-entre-cidade-limpa-e-pichacao-protesto-diz-nyt.shtml
Acessado em 15-09-2013
O
conflito explicitado pela matéria jornalística pode ser assim compreendido:
a.
Grafite e pichação estão desvinculados do universo artístico em razão de seu
caráter de expressão marginal.
b.
O grafite parte de um engajamento político e social, enquanto a pichação visa
ao embelezamento
da cidade.
c.
A pichação, em sua finalidade, destoa do grafite, já que seu compromisso é
meramente estético.
d.
Grafite e pichação são criações com propostas estéticas diferentes, sendo que
os pichadores criticam a cooptação comercial dos grafiteiros.
e.
A ação do poder público retrata a sintonia política e social em relação às
motivações dos pichadores.
16.
De um lado, ocorre que, hoje, cada vez mais intensamente, cresce o número de pessoas
que, embora procurando trabalhar, não conseguem colocação e não contam com
qualquer outra forma de sobrevivência. Assim, ainda que, objetivamente, haja condições
para que disponham de mais tempo livre e possam preenchê-lo de forma mais
independente, aumenta o número daqueles que, ao invés de tempo livre, vivem um
tempo sem ocupação, sentem-se pressionados pela condição de não-trabalho e,
portanto, impedidos de crescerem enquanto indivíduos.”
Fonte:
Oliva-Augusto, Maria Helena. Tempo, indivíduo e vida social. Cienc. Cult.
Out/dez 2002, vol 54, nº2, p.30-33.
As
ideias do texto se mostram coerentes com a
a.
ocorrência do desemprego como fenômeno social que atinge os trabalhadores que
não se dedicam com afinco ao trabalho.
b.
necessidade do indivíduo de ampliar o tempo disponível para o lazer – mérito
daqueles que trabalham.
c.
ideia de que o capitalismo é a sociedade das oportunidades, portanto, somente
não trabalham
indivíduos sem iniciativa.
d.
noção, na sociedade capitalista, de que o tempo não pertence ao indivíduo,
mesmo não formalmente ocupado.
e.
concepção de ócio como merecimento advindo do trabalho exaustivo e como meta a
ser alcançada por todos.
17.
Mia Couto, escritor moçambicano, em entrevista ao Jornal Folha de S. Paulo
declarou:
“O
Brasil tem uma ideia muito mistificada da África. A gente imagina que, por ser negro,
um brasileiro teria mais intimidade com a África, mas isso é uma bobagem. Essa
visão reducionista e simplificada também é uma coisa que os próprios africanos adotaram.
Muitos deles traduziram uma África que os próprios europeus criaram.
Não
houve a África do bom selvagem, em que todos viviam em harmonia até a chegada
dos colonizadores. Houve uma mão de dentro até na escravatura, cumplicidades
entre africanos e europeus”.
Fonte:
Folha Ilustrada. Publicado em 27-08-2013. Acessado em 21-09-2013 Segundo
as ideias de Mia Couto,
a.
o Brasil é uma extensão da África, já que a presença de africanos influenciou
nossa formação cultural.
b.
a ideia de que nativos viviam em harmonia antes da colonização é uma visão
idealizada.
c.
a escravidão, uma violência imposta pelos europeus, era desconhecida na África.
d.
os colonizados rejeitam padrões culturais impostos pelos colonizadores.
e.
os processos de colonização destruíram a vida harmoniosa que existia na África
e no Brasil.
Leia
o texto a seguir e responda às questões de número 22 a 27:
Muitas
regras, poucos direitos
Há
um princípio político que nos leva a acreditar que as lutas políticas caminham necessariamente
para a institucionalização de direitos adquiridos. Assim, lutamos para ter direitos
reconhecidos pelo ordenamento jurídico. Como resultado desse princípio, cada
vez mais
a vida social fica institucionalizada e regulada por cláusulas que visam dar
voz ao direito dos
grupos, até então, profundamente vulneráveis.
Esse
princípio funcionou para a ampliação de direitos em relação às minorias
étnicas, religiosas
e sexuais. Ou seja, nestes casos, eram demandas direcionadas ao Estado como ator
capaz de garantir a universalização real das condições de liberdade exigidas
por seus
cidadãos. É inegável que tal processo foi e ainda é importante, mas ele poderia ser
radicalizado. No entanto, tal radicalização não passa por um aprofundamento dos
mecanismos de institucionalização. Ela passa, ao contrário, por uma profunda desinstitucionalização.
Quando
alguém levanta tal ideia, alguns acabam por ver nela uma forma insidiosa de liberalismo.
Ou seja, tudo se passa como se estivéssemos diante de uma aplicação do velho mantra:
quanto menos Estado melhor. Nesse sentido, desinstitucionalizar significaria deixar a
sociedade livre para criar formas de vida, fechando os olhos para experiências
de opressão e
de vulnerabilidade. Dessa forma, liberais radicais defendem, por exemplo, o
direito de uma mulher
alugar seu útero, procedimento conhecido como “barriga de aluguel”. Eles
afirmam que
o Estado não deveria intervir no conteúdo do que sujeitos decidem colocar em
relações de
contrato, especialmente se ele passa pelo corpo próprio.
Um
contra-argumento lembraria que a experiência concreta de alugar o útero é feita, normalmente,
por mulheres em extrema pobreza e que praticamente ninguém passa por tal
experiência se não estiver em grande vulnerabilidade econômica.
Desinstitucionalizar tal
“possibilidade de escolha” seria permitir e legitimar a pior de todas as
espoliações econômicas.
O
argumento é válido. Por isso, poderíamos pensar uma versão de políticas de desinstitucionalização
distinta de sua versão liberal. Ela passa pelo retraimento das legislações sobre
costumes, família e autodeterminação, e pelo fortalecimento da sensibilidade
jurídica contra
processos de espoliação. Em outras ocasiões, sugeri dois exemplos. Um ligado à desinstitucionalização
do casamento.
Processo
no interior do qual o Estado deixa de legislar sobre a forma do matrimônio, guardando-se
para legislar única e exclusivamente sobre as relações econômicas entre casais ou
outras formas de “agrupamentos afetivos”. Esta seria uma maneira de radicalizar
o princípio
de abertura do casamento a modelos não ligados à família heterossexual
burguesa.
Em
vez de ampliar a lei para casos que ela não contemplava (como os homossexuais), deveríamos
simplesmente eliminar a lei, conservando apenas os dispositivos ligados a problemas
econômicos (pensão, obrigações financeiras) e guarda de filhos.
Outro
exemplo concerne às legislações sobre porte de signos religiosos, como burcas e
véus. Em
vez de entrar no guarda-roupa de seus cidadãos e decidir o que eles não devem
vestir, o
Estado deveria simplesmente garantir a liberdade de ninguém, a partir de certa
idade, portar
o que não quer (o que leva em conta até mesmo uniformes escolares impostos a adolescentes).
Ou seja, no lugar de institucionalizar hábitos, como as vestimentas, por meio do
discurso de que há roupas mais opressivas que outras, o Estado simplesmente
sai, por exemplo,
das discussões surreais sobre o significado de uma burca e contenta-se em
garantir um
quadro formal de liberdade.
Esses
processos de desinstitucionalização permitem às sociedades caminharem paulatinamente
para um estado de indiferença em relação a questões culturais e de costumes.
Pois questões culturais sempre serão espaços de afirmação da multiplicidade de identidades.
Mas a política deve, no horizonte, se descolar dessa afirmação. Por mais que isso
possa parecer contraintuitivo, a verdadeira política está sempre para além da
afirmação das
identidades. O que pode soar estranho para alguns, mas parece-me uma proposição necessária.
(Vladimir Safatle, Carta Capital n. 768, ano XIX, 2/10/2013, p. 39).
22.
Assinale a opção que identifica corretamente o argumento central do texto:
a.
Desinstitucionalizar os direitos significa permitir à sociedade combater
experiências de opressão
e de vulnerabilidade.
b.
O processo de garantia da universalização dos direitos poderia ser radicalizado
pela via da desinstitucionalização,
já que a verdadeira política está sempre para além da afirmação das identidades.
c.
A luta pelo ordenamento jurídico institucionalizou e regulou direitos de grupos profundamente
vulneráveis.
d.
Somente o Estado é capaz de garantir a universalização real das condições de
liberdade exigidas
por cidadãos vulneráveis.
e.
As minorias nem sempre precisam de tutelas legais, já que, se o Estado não
regula o matrimônio,
por exemplo, não é preciso então que ele legisle sobre uniões gays.
23.
Assinale a opção que identifica corretamente a ideia central do texto presente
já no
título:
a.
As minorias étnicas, religiosas e sexuais são obrigadas a viver sob muitas
regras sociais, exercitando
muito pouco seus verdadeiros direitos.
b.
Os processos de desinstitucionalização permitem às sociedades a garantia de
muitas atividades
que regulam a vida social, quando o que deveria contar mesmo seriam os
direitos.
c.
Quanto menores as mudanças nas regras que regem a vida social, maiores os
direitos dos cidadãos.
d.
O processo de institucionalização dos direitos cria muitas cláusulas que
regulam a vida social;
entretanto, exercer um direito vai muito além dessa condição.
e.
Desinstitucionalizar um direito permite e legitima a criação de uma regra.
24.
Quanto ao gênero do texto, trata-se de:
a.
Um artigo argumentativo no qual o autor constrói seu raciocínio a partir de
conhecimentos extraídos
da Política, da Filosofia e do Direito.
b.
Uma resenha de cunho jurídico na qual o autor explana um assunto da história
das mentalidades,
sob perspectiva notadamente acadêmica.
c.
Um ensaio filosófico no qual o autor exercita uma atividade crítica, repudiando
o autoritarismo
do pensamento do Direito.
d.
Uma crítica reflexiva cujo objetivo é guiar o leitor à melhor compreensão e avaliação
do que seja
a Filosofia do Direito.
e.
Uma crônica filosófica na qual prevalece o poder de recriação da realidade (por
parte do autor)
sobre o de mera transcrição.
25.
Assinale a opção que apresenta corretamente o significado da palavra
“insidiosa”, conforme
ela é empregada na frase: “Quando alguém levanta tal ideia, alguns acabam
por ver nela uma forma insidiosa de liberalismo.”:
a.
Desrespeitosa. b.
Agressiva. c.
Ardilosa.
d.
Que não se pode resolver. e.
Desdenhosa para com as regras.
26.
Em “Por mais que isso possa parecer contraintuitivo, a verdadeira política está sempre
para além da afirmação das identidades”, a expressão “por mais que” tem valor
de:
a.
Finalidade. b.
Comparação. c.
Condição. d.
Consequência. e.
Concessão.
27.
Assinale a opção em cuja frase a forma destacada tenha o mesmo sentido de “espoliar”,
conforme empregado em “Desinstitucionalizar tal possibilidade de escolha
seria permitir e legitimar a pior de todas as espoliações econômicas”:
a.
O desonesto funcionário despoja o povo de seus bens.
b.
À volta do morto, a família inteira disputava os bens que haviam sido deixados.
c.
Antigamente, o latim aterrorizava muitos estudantes.
d.
O domínio inimigo oprimia a população.
e.
Antonio Conselheiro dominava os fanáticos de Canudos.
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Prova de Língua e Literatura em Língua Portuguesa – Cásper Líbero – 2010
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