Alberto de Oliveira
Horas Mortas
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janela aberta à luz tardia -
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa a que escrevo apenas fica
sobre o papel - rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
(Alberto de Oliveira)
O caminho do morro
Guiava à casa do morro, em voltas, o caminho,
até lhe ir esbarrar com as orlas do terreiro;
dava-lhe o doce ingá, rachado ao sol, o cheiro,
e um rumor de maré o cafezal vizinho.
Quanta vez o subi, buscando a um guaxe o ninho,
ou, saltando, o desci com o regato ligeiro,
para voar num balanço, embaixo, o dia inteiro,
e ver girar, zonzando, as asas de um moinho!
De setembro até março, uma colcha de flores
tapetava-o. Reluz-lhe em poças de água o céu;
das folhas sobre o saibro os orvalhos escorrem.
Mas morreram na casa, em cima, os moradores,
morreu, caindo, a casa, o moinho morreu,
o caminho morreu... Até os caminhos morrem!
(Alberto de Oliveira)
O Ninho
O musgo mais sedoso, a úsnea mais leve
Trouxe de longe o alegre passarinho,
E um dia inteiro ao sol paciente esteve
Com o destro bico a arquitetar o ninho.
Da paina os vagos flocos cor de neve
Colhe, e por dentro o alfombra com carinho;
E armado, pronto enfim, suspenso, em breve,
Ei-lo, balouça à beira do caminho.
E a ave sobre ele as asas multicores
Estende e sonha. Sonha que o áureo pólen
E o néctar suga às mais brilhantes flores;
Sonha… Porém, de súbito, a violento
Abalo acorda. Em torno as folhas bolem…
É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento!
(Alberto de Oliveira)
Choro de Vagas
Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.
São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;
Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando, ou já mortos e debruços,
Largados das marés, em ermas plagas…
Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!
(Alberto de Oliveira)
Que ânsia de amar
Guiava à casa do morro, em voltas, o caminho,
até lhe ir esbarrar com as orlas do terreiro;
dava-lhe o doce ingá, rachado ao sol, o cheiro,
e um rumor de maré o cafezal vizinho.
Quanta vez o subi, buscando a um guaxe o ninho,
ou, saltando, o desci com o regato ligeiro,
para voar num balanço, embaixo, o dia inteiro,
e ver girar, zonzando, as asas de um moinho!
De setembro até março, uma colcha de flores
tapetava-o. Reluz-lhe em poças de água o céu;
das folhas sobre o saibro os orvalhos escorrem.
Mas morreram na casa, em cima, os moradores,
morreu, caindo, a casa, o moinho morreu,
o caminho morreu... Até os caminhos morrem!
(Alberto de Oliveira)
O Ninho
O musgo mais sedoso, a úsnea mais leve
Trouxe de longe o alegre passarinho,
E um dia inteiro ao sol paciente esteve
Com o destro bico a arquitetar o ninho.
Da paina os vagos flocos cor de neve
Colhe, e por dentro o alfombra com carinho;
E armado, pronto enfim, suspenso, em breve,
Ei-lo, balouça à beira do caminho.
E a ave sobre ele as asas multicores
Estende e sonha. Sonha que o áureo pólen
E o néctar suga às mais brilhantes flores;
Sonha… Porém, de súbito, a violento
Abalo acorda. Em torno as folhas bolem…
É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento!
(Alberto de Oliveira)
Choro de Vagas
Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.
São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;
Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando, ou já mortos e debruços,
Largados das marés, em ermas plagas…
Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!
(Alberto de Oliveira)
Que ânsia de amar
Que ânsia de amar! E tudo a amar me ensina!
A fecunda lição decoro atento,
Já com liames de fogo ao pensamento,
Incoercível desejo ata e domina.
Em vão procuro espairecer ao vento
Olhando o céu, o morro, a campina.
Escalda-me a cabeça e desatina,
Bate-me o coração como um tormento.
E sorrindo ardente e vaporosa
Por ela, a ainda velada, a misteriosa
Mulher que nem conheço, aflito chamo.
E sorrindo-me ardente e vaporosa
Sinto-a vir - vem-me em sonho, une-me ao seio
Junta o rosto ao meu rosto e diz-me “Eu te amo!”.
(Alberto de Oliveira)
A vingança da porta
Era um hábito antigo que ele tinha:
entrar dando com a porta nos batentes
— "Que te fez esta porta?" a mulher vinha
e interrogava... Ele, cerrando os dentes:
— "Nada! Traze o jantar." — Mas à noitinha
calmava-se; feliz, os inocentes
olhos revê da filha e a cabecinha
lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
erguia a aldrava, o coração lhe fala
— "Entra mais devagar..." Pára, hesitando...
Nisso nos gonzos range a velha porta,
ri-se, escancara-se. E ele vê na sala
a mulher como doida e a filha morta.
(Alberto de Oliveira)
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
(Alberto de Oliveira)
Beijos do céu
Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
- Vi-te no céu; e, enamoradamente,
de beijos, a falange resplendente
dos serafins, teu corpo inteiro ungia...
Santos e anjos beijavam-te... Eu bem via,
beijavam todos o teu lábio ardente;
e, beijando-te, o próprio Onipotente,
o próprio Deus nos braços te cingia!
Nisto, o ciúme - fera que eu não domo -
despertou-me do sonho; repentino
vi-te a dormir tão plácida a meu lado...
E beijei-te também, beijei-te.., e, ai! como
achei doce o teu lábio purpurino,
tantas vezes assim no céu beijado!
(Alberto de Oliveira)
Taça de Coral
Lícias, pastor — enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
— Sede também, sede maior, desmaia.
Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d'água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.
Bebe, e a golpe e mais golpe: — "Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!
Outra que mais me aflige e me tortura,
E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata",
(Alberto de Oliveira)
"Chegada do Outono". Adair Payne. |
Alteia-se no azul aos poucos o crescente,
o ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta;
vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta
e emborca a urna de luz nas águas da corrente.
Na escumilha da teia, onde a aranha indolente
dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta.
Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta,
mais brancos os jasmins e a murta redolente.
Faz chorar um violão lá não sei onde... (A ouvi-lo,
na calada da noite um não-sei-quê me invade).
Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo;
faz as coisas rezar, ao seu clarão tranquilo,
faz nascer dentro em mim uma grande saudade,
faz nascer da saudade estes versos que escrevo.
(Alberto de Oliveira)
A um poeta
Não têm teus versos, agora
Que se foi teu claro dia,
O ímpeto, o fogo, a harmonia
De outrora.
A ideia, porém, mais pura,
A ideia aos poucos nascida
De observar a Dora e a vida,
Fulgura.
Assim, posto o sol, os rios
Não são mais como eram dantes;
Tornam-se, em vez de brilhantes,
Sombrios.
Mas da noite o céu, com os mundos
Acesos, na água a feri-los,
Torna-os mais, sobre tranqüilos,
Profundos...
(Alberto de Oliveira)
Floresta convulsa
Floresta de altas árvores, escuta:
Em minha dor vim conversar contigo;
como no seio do melhor amigo,
descanso aqui de tormentosa luta.
Troncos da solidão intata e bruta,
sabei... Ah! que, porém, como um castigo
vos estorceis, e o som do que vos digo
vai morrer longe em solitária gruta.
Que tendes, vegetais?. . . Remorso?. . . Crime?.
Açoita-vos o vento, como um bando
de fúrias e anjos maus, que nós não vemos?
Mas explicai-vos ou primeiro ouvi-me,
que a um tempo assim braceando, assim gritando,
assim chorando não nos entendemos...
(Alberto de Oliveira)
A janela de Julieta
Esta
é a alegre janela namorada,
Onde
a meio ela à noite se reclina;
Eis
o vaso com flores, a estimada
Violeta
roxa, a dália purpurina...
Esta
odorosa essência delicada
Vem
desta móvel planta peregrina,
Que
o muro vinga, o peitoril domina,
Em
torsa, aérea, caprichosa escada.
Quando
a lua aparece, alva e brilhante,
parte
a primeira pérola formosa
Destes
vidros no fúlgido diamante;
E
a alma aqui se extasia e sonha e goza,
Vendo
oscilar na câmara elegante
Das
cortinas a forma vaporosa.
(Alberto
de Oliveira)
Contraste
Junto à pedra da estreita sepultura,
Onde o último sono agora goza
Um anjo, a mãe, curvada, aflita e ansiosa,
As mãos torcendo, uma oração murmura.
E, estranha cena! maio, em flor, da escura
Mansão dos mortos faz mansão formosa,
E erra, alado e sútil, de rosa em rosa,
E, alado, em torno, o sol brilha e fulgura.
O negro cemitério é todo encanto,
E aos derradeiros sonhos, aos amores
Derradeiros envolve em flóreo manto
E a terra, a grande mãe, as fundas dores
De outra mãe desconhece e, vendo-a em pranto,
Em vez de em pranto abrir-se, – abre-se em flores.
(Alberto de Oliveira)
Lira quebrada
Tomando-a onde a deixei dependurada ao vento,
Sinto não ser mais esta a lira de outros dias,
Em que, somente a amor votado o pensamento,
Livre e acaso feliz, a descansar me ouvias.
Quebrada vem. Rouqueja apenas um lamento;
As rosas com que, ó Musa, inda há pouco a vestias,
Fanam-se nos festões, soltam-se em desalento,
Vão-se. Ironia ou dor crispa-lhe as cordas frias.
Mas inda assim lhe escuto um resquício de notas
Perpassar a gemer, corre-lhe as fibras rotas
O fantasma do som que a alma um dia lhe encheu:
Como de um velho sino o bronze espedaçado
Guarda em cada fragmento o fragmento de um brado,
O eco de um hino, a voz de um canto que morreu...
(Alberto de Oliveira)
Em caminho
Vai pálida de susto na viagem,
Sobre o cavalo contumaz que embrida
De quando em quando, a loura e bela Armida;
Sigo-a, segue-me após o lesto pajem.
Dens'umbroso sertão que a amar convida,
Ermo retiro, florida paragem,
Tudo, através da pêndula ramagem,
Cortamos, galopando a toda a brida.
Mas eis que um rio súbito aparece,
Da estrada em meio, undoso, derramado...
Susto a marcha aos corcéis, o pajem desce,
Treme a dama, eu, que avanço, encosto-a ao flanco,
Enquanto n'água o pajem salta ousado
E as rédeas toma ao seu cavalo branco.
(Alberto de Oliveira)
Última deusa
Foram-se os deuses, foram-se, em verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.
Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisível bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.
De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu cabelo esparso...
Pisas alheia terra... Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.
(Alberto de Oliveira)
Vaso Chinês
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
(Alberto de Oliveira)
Aparição
Horas já mortas, como andasse — em falta
De um coração qualquer para entendê-las,
A contar minhas mágoas em voz alta
Às arvores das ruas e às estrelas,
Ligeiros passos ouço de repente
Por trás de mim. Ólho e não vejo nada.
Ah! murmurei, é o vento, certamente,
Que varre as folhas secas da calçada.
Nascia a lua. O baço globo enorme
Sobe dentre os morros, pelo céu flutua.
Brilha a ardosia dos tetos, a água dorme,
Abrem-se as dálias, palpitando à lua.
E às estrelas, e às arvores, em pranto,
Eu, como um ébrio, a minha dor contava;
Quando ouvi novos passos e, entre espanto,
Vi uma sombra que me acompanhava.
(Alberto de Oliveira)
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Muto bom.. Precisei das obras de Alberto de Oliveira e encobtrei várias aqui... Obrigada... Se tivesse mais seria melhor ainda.
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