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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Machado de Assis - Poemas

Machado de Assis - Poemas

Além de ser um dos maiores prosadores da língua portuguesa, Machado também teve uma elogiada produção poética, como atestam os poemas abaixo, a começar pelo belo soneto feito em homenagem a José de Alencar.


Alencar

Hão de anos volver, - não como as neves 
De alheios climas, de geladas cores; 
Hão de os anos volver, mas como as flores, 
Sobre o teu nome, vívidos e leves... 

Tu, cearense musa, que os amores 
Meigos e tristes, rústicos e breves, 
Da indiana escreveste,-ora os escreves 
No volume dos pátrios esplendores. 

E ao tornar este sol, que te há levado, 
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia 
Da nossa dor, do nosso amargo espanto. 

Porque o tempo implacável e pausado, 
Que o homem consumiu na terra fria, 
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto... 

(Machado de Assis)


"The Cheval Glass", de Berthe M. Pauline Morisot
Menina e moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e já é alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
os olhos para um espelho, e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
to love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas, cruzando ao seio, o delicado braço,
Comprime as pulsações do inquieto coração!

É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender,
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

(Machado de Assis)

Uma criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesmo devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os mares e as montanhas;
E no mar, que se rasga à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo,
Vem a folha, que lento a lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.

(Machado de Assis)

O verme

Existe uma flor que encerra
Celeste e orvalho perfume
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca essa flor virginal,
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor, o cálix inclina;
As folhas, leva-as ao vento.

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme é o ciúme.

(Machado de Assis)

Círculo vicioso

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
"Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

"Mísera! tivesse eu aquela enorme, àquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?"

(Machado de Assis)

www.veredasdalingua.blogspot.com.br

Leia também:

Álvares de Azevedo
"Negócio de menino" - Rubem Braga
"Iracema" - José de Alencar
"Infância" - Graciliano Ramos


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