Café com leite
É preciso amar, sabe? Ter-se uma
mulher a quem se chegue, como o barco fatigado à sua enseada de retorno. O
corpo lasso e confortável, de noite, pede um cais. A mulher a quem se chega,
exausto e, com a força do cansaço, dá-se o espiritualíssimo amor do corpo.
"A new day". François Fressinier. |
Como deve ser triste a vida dos homens
que têm mulheres de tarde, em apartamentos de chaves emprestadas, nos lençóis
dos outros! Como é possível deixar que a pele da amada toque os lençóis
dos outros! Quem assim procede (o tom é bíblico e verdadeiro) divide a mulher
com quem empresta as chaves.
Para os chamados “grandes homens”, a
mulher é sempre uma aventura. De tarde, sempre. Aquela mulher, que chega se
desculpando; e se despe, desculpando-se; e se crispa, ao ser tocada, e cerra os
olhos, com toda força, com todo desgosto, enquanto dura o compromisso. É melhor
ser-se um “pequeno homem”.
Amor não tem nada a ver com essas
coisas. Amor não é de tarde, a não ser em alguns dias santos. Só é legítimo
quando, depois, se pega no sono. E há um complemento venturoso, do qual alguns
se descuidam. O café com leite, de manhã. O lento café com leite dos amantes,
com a satisfação do dever cumprido.
No mais, tudo é menor. O socialismo, a
astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga, todo ascetismo da ioga... tudo
é menor. O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina.
Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira.
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Leia também:
"As duas éticas" – Rubem Alves
"A última vez" – Fabrício Carpinejar
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