PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA — ESPM — 2º Semestre de 2015
Texto para as questões de 1 a 7:
Abraço caudaloso
Amizade
entre cronistas é um perigo: todo papo esbarra em crônica, já que toda crônica
é uma espécie de papo. Foi numa conversa com o Antonio Prata, meu ex-amigo-platônico
– “ex” não por não ser mais amigo, mas por não ser mais platônico – que a bola
começou a quicar. “Isso dá uma crônica”, ele disse. Mas nenhum dos dois escreveu,
por escrúpulos de estar roubando a ideia do outro. Eu, que tenho menos escrúpulos
e menos ideias, resolvi escrever.
Palavras,
percebemos, são pessoas. Algumas são sozinhas: Abracadabra. Eureca. Bingo.
Outras são promíscuas (embora prefiram a palavra “gregária”): estão sempre
cercadas de muitas outras: Que. De. Por.
Algumas
palavras são casadas. A palavra caudaloso, por exemplo, tem união estável com
a palavra rio – você dificilmente verá caudaloso andando por aí acompanhada de
outra pessoa. O mesmo vale para frondosa¹, que está sempre com a árvore.
Perdidamente, coitado, é um advérbio que só adverbia o adjetivo apaixonado.
Nada é ledo² a não ser o engano, assim como nada é crasso³ a não ser o erro.
Ensejo é uma palavra que só serve para ser aproveitada. Algumas palavras estão
numa situação pior, como calculista, que vive em constante ménage, sempre
acompanhada de assassino, frio e e.
Algumas
palavras dependem de outras, embora não sejam grudadas por um hífen - quando
têm hífen elas não são casadas, são siamesas. Casamento acontece quando se está
junto por algum mistério. Alguns dirão que é amor, outros dirão que é
afinidade, carência, preguiça e outros sentimentos menos nobres (a palavra
engano, por exemplo, só está com ledo por pena - sabe que ledo, essa palavra
moribunda, não iria encontrar mais nada a essa altura do campeonato).
Esse
é o problema do casamento entre as palavras, que por acaso é o mesmo do casamento
entre pessoas. Tem sempre uma palavra que ama mais. A palavra árvore anda com
várias palavras além de frondosa. O casamento é aberto, mas para um lado só. A
palavra rio sai com várias outras palavras na calada da noite: grande,
comprido, branco, vermelho - e caudaloso fica lá, sozinho, em casa, esperando o
rio chegar, a comida esfriando no prato.
Um
dia, caudaloso cansou de ser maltratado e resolveu sair com outras palavras.
Esbarrou com o abraço que, por sua vez, estava farto de sair com grande, essa
palavra tão gasta. O abraço caudaloso deu tão certo que ficaram perdidamente
inseparáveis. Foi em Manuel de Barros. Talvez pra isso sirva a poesia, pra
desfazer ledos enganos em prol de encontros mais frondosos.
(Gregório Duvivier, 02/02/2015,
Folha de S.Paulo) ¹frondoso: que tem muitas folhas ou frondes; abundante em
ramos. ²ledo: risonho, alegre, contente, jubiloso. ³crasso: grosseiro, rude,
bronco.
Questão 01 - Quando o autor usa a expressão “a bola começou
a quicar” significa que:
a) faltaram escrúpulos por parte
do autor por ter roubado a ideia do amigo.
b) foi o princípio do
estremecimento da amizade entre o autor e o amigo.
c) quando o amigo deixou de ser
platônico houve a quebra da amizade.
d) deu início, a partir daí, ao
processo criativo da crônica.
e) a amizade entre os cronistas
ficou comprometida pelo fato de a conversa ter virado crônica.
Questão 02 - Segundo o autor, a
princípio só NÃO fazia parte do grupo das “palavras casadas” o par:
a) árvore frondosa b) perdidamente apaixonado
c) ledo engano d) erro crasso e) abraço caudaloso
Questão 03 - Dado o uso constante, as “palavras casadas”,
citadas pelo autor, podem ser entendidas como exemplos de:
a) idiotismos b) lugar comum c) neologismos d) jargões e) pleonasmos
Questão 04 - Num tom bem humorado e lançando mão de
expressões informais ou populares, o autor elabora uma crônica com reflexões
metalinguísticas. Dos segmentos abaixo, o único que se diferencia das demais
em termos de nível de linguagem é:
a) “todo papo esbarra em crônica”
b) “a bola começou a quicar”
c) “Eu, que tenho menos
escrúpulos e menos ideias,...”
d) “encontrar mais nada a essa
altura do campeonato”
e) “Talvez pra isso sirva...”
Questão 05 - O que justificaria
haver palavras “promíscuas” (ou “gregárias”) como “que”, “de” e “por” seria o
fato de estas:
a) serem elementos de ligação ou
estabelecerem relações entre as palavras.
b) serem regidas por verbos ou
adjetivos.
c) concordarem com qualquer termo
da oração.
d) variarem de gênero conforme o
termo a que se referem.
e) substituírem nomes ou
pronomes.
Questão 06 - A conclusão do texto
leva o leitor a acreditar que:
a) a união entre as palavras,
assim como entre as pessoas, apresenta invariavelmente desequilíbrios de
relacionamento.
b) o papel da poesia é o da
reconfiguração (seja da linguagem, seja do relacionamento) em busca de
combinações mais ricas.
c) a função da poesia é atenuar
conflitos interpessoais, visando a uma relação mais harmônica entre as
pessoas.
d) a poesia tem a função de ver a
realidade por um filtro melhor, proporcionando idílios românticos variados.
e) o problema do casamento, seja
entre palavras, seja entre pessoas, é o diferente grau de dedicação que cada
um confere ao outro.
Questão 07 - “Algumas palavras
estão numa situação pior, como calculista, que vive em constante ménage,
sempre acompanhada de assassino, frio e e.”. O termo em destaque traduz ideia
de: ________________ e pode ser substituído sem prejuízo de sentido por:
___________________. O item que preenche corretamente as lacunas é:
a) comparação – à maneira de
b) causa – porque
c) comparação – tal qual
d) conformidade – conforme
e) modo – à maneira de
Questão 08 - Na tira acima, temos
respectivamente no 1º e último quadrinhos:
a) onomatopeia e função
metalinguística.
b) aliteração e função
metalinguística.
c) assonância e função conativa.
d) onomatopeia e função fática.
e) assonância e função emotiva.
Questão 09 - Leia: A luta dos usuários dos fretados pelo
direito de descer a Serra pela Pista Sul da Imigrantes intensificou-se
durante a onda de protestos que atingiu boa parte do País em junho. (jornal A Tribuna, 25/09/2015, Santos)
Na frase acima:
a) haveria uma vírgula optativa
depois do termo “usuários”.
b) a expressão “pela Pista Sul”
deveria estar entre vírgulas.
c) faltou uma vírgula obrigatória
antes de “intensificou-se”.
d) o segmento “pelo direito de
descer a Serra” deveria estar entre vírgulas.
e) a rigor não há obrigatoriedade
de vírgula alguma no período todo.
Questão 10 - Assinale o item em
que o termo grifado da frase transgride as normas cultas da língua:
a) As declarações do ministro do
Planejamento foram dadas pouco depois de ele receber o cargo da antecessora.
b) A taxa de crescimento do PIB
ficará abaixo da do ano passado.
c) Segundo João Goulart na época,
o golpe de 64 teria ceifado a oportunidade de o Brasil dar um grande impulso
para o processo democrático na América Latina.
d) A Coreia do Norte tornou-se
uma ameaça nuclear (segundo os EUA), apesar do país conviver com seriíssimos
problemas sociais.
e) É maior a chance de a mulher
(e não o homem) manifestar algum sentimento de estresse no trabalho.
Questão 11 - Assinale o item em
que o termo grifado foi usado de modo indevido:
a) Muitos teriam tachado de mera
propaganda a fundação de um califado por parte do Estado Islâmico. (Folha de
SP)
b) “Fui tachado de arrogante,
prepotente e babaca” (Rafinha Bastos).
c) Nosso humor, que sempre foi
amoral, é agora taxado de imoral. Resta saber se a alternativa do humor
politizado é possível. (Joel Pinheiro)
d) O consumo de álcool na cidade
deve ser taxado e servir diretamente ao tratamento sistêmico da situação.
(Folha de SP)
e) Com a queda do petróleo,
abre-se espaço para reduzir subsídios e até taxar os combustíveis fósseis.
(Folha de SP)
Questão 12 - Levando em conta os
elementos verbais e não verbais nas propagandas apresentadas abaixo, assinale
aquela cuja indicação NÃO esteja correta:
a) ambiguidade b) trocadilho c) comparação d) catacrese e) paronomásia
Questão 13 - Assinale a única
frase aceita pelas normas de regência verbal:
a) Sem-terra preferem a Bolsa
Família a Reforma Agrária.
b) O jogador disse que preferia
jogar no Morumbi do que jogar no Interior.
c) O consumidor endividado
prefere mais a bebida barata que o uísque importado.
d) Deputado petista preferiu
ficar no Congresso que assumir cargo administrativo.
e) A presidente afirmou que
“prefere o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”.
Questão 14 - Leia:
Hora do pôr do sol? - hora
fagueira,
Qu’encerras tanto amor, tristeza
tanta!
Quem há que de te ver não sinta
enlevos,
Quem há na terra que não sinta as
fibras
Todas do coração pulsar-lhe
amigas,
Quando desse teu manto as pardas
franjas
Soltas, roçando a habitação dos
homens?
Há i prazer tamanho que embriaga,
Há i prazer tão puro, que parece
Haver anjos dos céus com seus
acordes
A mísera existência acalentado!
(Gonçalves Dias, trecho de “A
Tarde”)
Os versos acima exemplificam a
característica romântica:
a) do sentimentalismo romântico
que aponta para a desilusão amorosa.
b) do nacionalismo que exalta a
beleza exótica da natureza brasileira.
c) do escapismo em que a morte
representa a libertação da vida material.
d) da projeção do estado de
espírito do poeta nos elementos da natureza.
e) do pessimismo e da melancolia,
configurando o chamado “mal do século”.
Questão 15 - A colônia só deixa
de o ser quando passa a sujeito de sua história.(Alfredo Bosi).
Historicamente pode-se afirmar
que a literatura brasileira conseguiu sua efetiva autonomia em relação às influências
da matriz europeia somente no:
a) Arcadismo, quando Tomás
Antonio Gonzaga denunciou os desmandos dos governantes da época em “Cartas
Chilenas”.
b) Romantismo, quando este
tematizou elementos tipicamente brasileiros como o índio, a fauna e a flora e
apresentou um eu lírico egocêntrico, centralizador do universo.
c) Naturalismo, quando sob a
óptica cientificista da época retrataram-se o coletivo, os desvios de
comportamento, o meio degradado dos cortiços e pensões.
d) Modernismo da geração de 22,
quando houve uma revolução nas artes e na cultura brasileira em que se
buscaram novas linguagens, formas e abordagens, além de um nacionalismo crítico
dentre outros.
e) Modernismo da geração de 30,
quando se consolidaram as propostas revolucionárias da primeira fase e se
abordaram temas sociais e metafísicos.
Questão 16 - Pode-se afirmar que
não houve no Brasil um movimento literário surrealista propriamente dito. No
entanto, é possível detectar aqui e acolá um ou outro poema com nítidos traços
surrealistas. Identifique-o abaixo:
a) Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
(Manuel Bandeira)
b) Mamãe vestida de renda
tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém:
Cai no álbum de retratos.
(Murilo Mendes)
c) Parece, Senhor, que me
desdobrei,
que me multipliquei,
que a chuva dos céus cai dentro
de minhas mãos...
(Vinícius de Moraes)
d) Eu não tinha esse rosto de
hoje
assim calmo, assim triste, assim
magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio tão amargo.
(Cecília Meireles)
e) Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
(João Cabral de Melo Neto)
Texto para as questões de 17 a
20:
Levo
ou não levo, é isso. Talvez seja melhor sofrer a sorte da gente de qualquer
jeito, porque deve estar escrito. Ou é melhor brigar com tudo e acabar com
tudo. Morrer é como que dormir e dormindo é quando a gente termina as consumições,
por isso é que a gente sempre quer dormir. Só que dormir pode dar sonhos e aí
fica tudo no mesmo. Por isso é que é melhor morrer, porque não tem sonhos,
quando a gente solta a alma e tudo finda. Porque a vida é comprida demais e tem
desastres. Quem aguenta a velhice que vai chegando, os espotismos e as ordens
falsas, a dor de corno, as demoras em tudo, as coisas que não se entende e a ingratidão,
quando a gente não merece, se a gente mesmo pode se despachar, até com uma
faca? Quem é que aguenta esse peso, nessa vida que só dá suor e briga? Quem
aguenta é quem tem medo da morte, porque de lá nenhum viajante voltou e isso é
que enfraquece a vontade de morrer. E aí a gente vai suportando as coisas
ruins, só para não experimentar outras, que a gente não conhece ainda. E é
pensando que a gente fica frouxo e a vontade de brigar se amarela quando se
assunta nisso, e o que a gente resolveu fazer, quando a gente se lembra disso e
se desvia e acaba não se fazendo nada.
(João Ubaldo Ribeiro, Sargento
Getúlio, RJ, Nova Fronteira)
Questão 17 - Assinale a
alternativa cuja afirmação NÃO seja condizente com o texto:
a) o dilema inicial do narrador
oscila entre ser obrigado a se sujeitar ao destino, que já está escrito, e
enfrentar a tudo e a todos.
b) o narrador protagonista
estabelece um paralelo entre “morrer” e “dormir”, já que em ambos haveria a
ideia de fim.
c) “dormir” acaba sendo uma fuga
para as “consumições”, ou seja, aquilo que consome o ser humano, como os
sofrimentos.
d) a morte é encarada como
superior ao sono, uma vez que neste os sonhos não alterariam o quadro
catastrófico da vida e naquela tudo findaria.
e) o peso da existência se dá
pelo fato de a vida não ser efêmera, além de conter muitos “suores” e
“brigas”.
Questão 18 - O trecho: “Quem
aguenta a velhice que vai chegando, os espotismos e as ordens falsas, a dor de
corno, as demoras em tudo, as coisas que não se entende e a ingratidão, quando
a gente não merece, se a gente mesmo pode se despachar, até com uma faca?”
relata os desastres da vida. Nele só não houve menção:
a) ao autoritarismo e às
mentiras. b) à traição conjugal.
c) ao desconhecido. d) ao suicídio. e) à fugacidade do tempo
Questão 19 - Assinale a afirmação
CORRETA:
a) os questionamentos do narrador
sobre a vida ganham uma evolução até desembocar na vontade de morrer.
b) a constatação de que na morte
não há volta faz as pessoas preferirem a vida e desistirem decididamente da
morte.
c) o medo da morte e, sobretudo,
do desconhecido faz com que as pessoas suportem os desastres da vida.
d) os reveses da vida impelem o
indivíduo a ser frouxo, a abdicar das iniciativas e, por fim, a não fazer nada.
e) a sucessão de perguntas traduz
a falta de respostas do narrador para os enigmas da vida após a morte.
Questão 20 - Aforismo é uma
sentença moral breve e conceituosa, soando como máxima, como verdade. Das
frases abaixo a única que NÃO pode ser considerada aforismo é:
a) Morrer é como que dormir e
dormindo é quando a gente termina as consumições...
b) Levo ou não levo, é isso.
c) Porque a vida é comprida
demais e tem desastres.
d) Quem aguenta é quem tem medo
da morte, porque de lá nenhum viajante voltou...
e) E é pensando que a gente fica
frouxo...
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