Tema de redação – UECE – 2016
Contextualização:
Em 2013, o jornal O
Povo lançou um desafio a alguns colaboradores: cada um
deveria escrever uma crônica para homenagear Fortaleza. No dia 13 de abril
daquele ano, o jornal comemorou o aniversário da cidade publicando crônicas
desses diversos autores, que enfocaram aspectos variados da vida na capital
cearense.
Uma amostra dessa diversidade de olhares são os
trechos das crônicas RIO, MAR e MINHA PEQUENA FORTALEZA, que estão incluídos
entre os textos de apoio.
Propostas de escrita
Prezado candidato,
Inspirando-nos na ideia de O Povo, lançamos a
você, nesta prova, o desafio de escrever sobre o lugar onde você mora.
Dependendo do que tem a dizer e do enfoque que deseja dar ao tema, você deverá
optar por uma das propostas sugeridas a seguir.
Proposta 1: Escreva uma crônica tendo como foco algum(ns) fato(s) do cotidiano
do lugar onde você mora (cidade, vila ou comunidade rural).
Proposta 2: Escreva um artigo de opinião discutindo questões relevantes
relacionadas à vida do lugar onde você mora (cidade, vila ou comunidade rural).
Textos de apoio - Os textos 1, 2, 3 e 4 foram selecionados para subsidiá-lo(a) na
escrita. Leia-os e desenvolva sua redação seguindo a proposta escolhida.
TEXTO 1 - RIO, MAR - Urik Paiva
[...] Nós tínhamos uma espécie de projeto, eu e
Nikos, de não ter rumo em nossos passeios.
Conversávamos bastante; e, dessa forma,
desbravamos, grande circular, quase toda a Barra do Ceará. Nikos era um pastor
alemão de grande porte, o que facilitava nossas costuras pelo bairro: o cão me
dava alguma respeitabilidade. Desconfio que ele pensava a mesma coisa de mim,
mas ninguém precisava saber que éramos dois frouxos.
As coisas mudam muito por aqui, mudam em todo
canto, e em mim. Posso enxergar essa ponte se fazendo do nada. Um trabalhador
da obra caiu de barriga no rio e morreu, foi o que a galera chegou contando à época.
De lá pra cá, eu mesmo já caí de barriga em alguns fatos e sobre algumas
pessoas, mas venho sobrevivendo.
Agora, aqui, diante do rio, diante do mar, estou
à prova. Quero passar dessa tempestade. Elejo, como que pescando, bons
pensamentos para sobreviver, mas é uma seleção difícil. É possível se morrer
pensando? Sim, existem uns muito perigosos. [...]
Meu rio anda se tornando mar, Nikos. Está se caudalando.
Dezoito anos, hora de nascer. [...] Vou ter de aprender a nadar nesse mar:
terminar a faculdade, arrumar um emprego. Todos os anos falo de morar sozinho, longe
da Barra da saia da mãe, mas nunca parto.
As coisas mudam, mas são as mesmas. Nos anos 70,
alguém deve ter entendido, no meio do salão do Clube de Regatas, noite de
baile, as mesmas coisas que eu estou entendendo agora: que nem todos os planos dão
certo, nem todos os amores são correspondidos, nem tudo cabe no bolso. É disso
que eu estou falando, Nikos, do aprendizado da vida, da convivência com o
fracasso. [...] Todas as pessoas têm problemas, mas nem todas reparam no
horizonte; e aí é onde está o pulo do gato.
Os meus problemas, chego à conclusão, são
pequenos em relação aos de muitos aqui. [...] Aqui a barra é pesada, Nikos. É
um mundo cão, com todo o respeito a você. A gente precisa aprender a lidar, com
o que está dentro, com as inconstantes águas de dentro. [...]
Nikos, já se passaram alguns anos; já sou o que
se pode chamar de adulto. Terminei a faculdade, estou trabalhando, mas não saí
da Barra ainda (nesse ano, será?). Talvez porque só assim eu veja o pôr-do-sol
da janela do ônibus, essa cena que me comove. Queria que pudesse ver como estou
agora, Nikos, mas você já está no céu dos cachorros. Sinto falta de sua
aprovação canina, porque o mundo não é muito simpático. [...]
Mas nós somos o mundo, eu e todo mundo [...]
Dividimos, então, o mesmo oceano difícil. Engolir água, bater a cabeça num
banco de areia, ser atravessado no estômago por um cardume de peixes, e ainda
assim ser uma Fortaleza.
Adaptação
http://www.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/2013/04/13/
TEXTO 2 - MINHA PEQUENA FORTALEZA - Sandra Helena de Sousa
Fortaleza era uma cidade invisível para mim. Uma
cidade que não respondia minhas perguntas. Eu odiava até, supremo pecado, o
inclemente sol de Fortaleza. Foi preciso me afastar dela, milhas de
quilômetros, para senti-la pulsando intransigente em meu peito. Sim, porque
nossa cidade sempre nos acompanha. A cidade de nossa infância é sempre o mundo
inteiro em nós.[...]
Filha de trabalhadores pobres nasci e cresci na
Vila do Meio. Desde cedo aprendi que por isso eu era melhor do que aqueles da
Vila do Arame, vá lá saber por quê. As tais vilas margeavam o recente e
imponente Ginásio Paulo Sarasate e essa localização privilegiada sempre me
rendeu dividendos na escola, apesar da casa minúscula. Uma pobrinha bem
localizada. [...]
Anos depois, de volta de uma incursão demorada no
sul do País para estudos, vim a morar no Papicu, agora professora
universitária, isto é, “rica”. Agora eu era alguém que alugava um apartamento
no nono andar, com varanda. Um luxo só. Lembro-me da primeira vez que cheguei à
sacada e olhei para baixo. Uma ideia estranha me tomou: os prédios pareciam ter
sido ali encaixados pelo alto, como se viessem pré-moldados. [...]
Descobri que estávamos morando na Favela Verdes
Mares, só que no nono andar. [...]
Um dia, resolvi descer e penetrar a favela, minha
faixa de Gaza particular. Beber uma cerveja com os meus, pobres de origem como
eu, mas tão distantes do que eu me tornara, pensava eu numa tarde de domingo
especialmente melancólica. [...]
Entrei no boteco mais movimentado e barulhento e,
enquanto aguardava a cerveja, um homem jovem que me pareceu ser o chefão do
lugar aproximou-se e perguntou o que eu queria ali. “Não sou polícia, não sou
isca, não quero drogas. Quero apenas tomar uma cerveja. Moro ao lado.”
“Sozinha? Não tem medo?” “Um pouco, mas a curiosidade é maior”. “Fique
tranquila, ninguém lhe fará mal, eu garanto”. Quando saí um rapaz me acompanhou
até a porta do prédio. Nunca me senti tão segura em Fortaleza. Por fora e por
dentro. Nem antes, nem depois.
Papicu é Fortaleza concentrada em sua criminosa
desigualdade. Há de conhecê-lo pelo alto e pelo baixo. Lá eu ouvi algumas das
respostas que procurava sobre mim, desconcertantes mas que me tornam quem sou, com
muito mais coragem.
Adaptação:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/2013/04/13/
TEXTO 3 - VIVER NA CIDADE - Denis Russo Burgierman
Ao contrário das formigas e das abelhas, os seres
humanos geralmente vivem em grupos pequenos, familiares, bem isolados uns dos
outros. E aí você pergunta: como assim? E as cidades? E as metrópoles ao redor
do mundo? Cidades são exceções na história humana. O ser humano é, como regra,
uma espécie rural.
Foi só nos últimos milênios que descobrimos o
conforto de viver numa cidade.
A ONU calcula que, depois de 100 mil anos de
maioria rural, a população urbana chegou a 50% em maio de 2007. E agora, pela
primeira vez desde o Big Bang, somos maioria. Há mais gente vivendo em cidades
que no campo neste mundão. Mas isso não apaga o fato de que somos uma espécie
mais dada à vida rural que à urbana.
A evolução nos construiu para plantar, capinar,
colher, caçar, fofocar, coçar o dedão. Não para googlar, dirigir e falar no
celular - isso aí ainda estamos aprendendo. Nossa vida tecnológica e urbana é
uma raridade na história da humanidade.
Mesmo assim, é nas cidades que os lances mais
emocionantes da história humana acontecem. É que cidades são lugares incríveis.
Nelas, as coisas ficam perto umas das outras. As pessoas ficam perto umas das outras.
Isso permite que tenhamos vidas riquíssimas, que seriam impossíveis num meio de
mato. Podemos aprender com milhares de pessoas diferentes, circular entre
culturas, trocar ideias. Podemos mudar de interesses um trilhão de vezes, em
vez de passar décadas submetidos ao mesmo monótono calendário ditado pelas
estações do ano, que determinam o plantio e a colheita.
Tudo isso é fascinante. Mas não faz sentido viver
numa cidade se não formos aproveitar o que ela tem de bom. Se formos nos
trancar em nossas casas, e não andarmos nas ruas, não vamos encontrar os
outros, aprender com eles. Se nos dispersarmos com a quantidade de informação,
não vamos nos concentrar em nada, e o que a cidade tem de fantástico vira
ruído. Se formos nos domesticar por um empreguinho e nos acomodarmos com o fato
de que precisamos do salário, toda essa riqueza desaparece de nossas vidas. Se entupirmos
as ruas com carros e lixo, com câmeras de segurança e muros, aí ninguém se
encontra, ninguém troca. E a cidade não serve para nada.
Adaptação:
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/conteudo_264632.shtml
TEXTO 4 - A CIDADE IDEAL - Enriquez/Bardotti/Chico Buarque
Jumento:
[...] Queríamos ir juntos à cidade,
muito bem. Só que, à medida que a
gente ia caminhando, quando
começamos a falar dessa cidade, fui
percebendo que os meus amigos tinham
umas ideias bem esquisitas sobre o que
é uma cidade. [...]
Cachorro:
A cidade ideal dum cachorro
Tem um poste por metro quadrado
Não tem carro, não corro, não morro
E também nunca fico apertado
Galinha:
A cidade ideal da galinha
Tem as ruas cheias de minhoca
A barriga fica tão quentinha
Que transforma o milho em pipoca
Crianças:
Atenção porque nesta cidade
Corre-se a toda velocidade
E atenção que o negócio está preto
Restaurante assando galeto
Gata:
A cidade ideal de uma gata
É um prato de tripa fresquinha
Tem sardinha num bonde de lata
Tem alcatra no final da linha
Jumento:
Jumento é velho, velho e sabido
E por isso já está prevenido
A cidade é uma estranha senhora
Que hoje sorri e amanhã te devora
Todos:
Mas não, mas não
O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
As senhoras e os senhores
E os guardas e os inspetores
Fossem somente crianças
Adaptação:
https://www.letras.mus.br/chicobuarque/85819/
Tema de redação – UECE – 2007 – 1º semestre
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