INSPER – Prova
de Análise Verbal – 2008 – 2º Semestre
Utilize o texto abaixo
para responder aos testes de 1 a 3.
Vem aí a Sessão Saudade
de 1968
FALTAM cinco dias para o início da efeméride dos 40
anos de 1968. Os sessentões revisitarão aquele grande ano da aurora de suas
vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos
festivais de música, até o amargo desfecho da noite de 13 de dezembro, quando a
ditadura militar escancarou-se.
Há uma aura mágica em torno de 1968, como se
tivesse sido um ano que mudou o mundo. Ele teve muitos acontecimentos
inesquecíveis, mas poucos resultados. No Brasil, começou na rua e terminou na
sala de jantar do Palácio das Laranjeiras, onde se baixou o AI-5. Na França,
teve a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do presidente
imperial Charles de Gaulle em junho. Nos Estados Unidos, destroçado pela
impopularidade da Guerra do Vietnã, o presidente Lyndon Johnson anunciou em
março que não disputaria um novo mandato e, em novembro, foi eleito o
republicano Richard Nixon. Em agosto a União Soviética invadiu a
Tchecoslováquia, acabando com o que se denominara de Primavera de Praga.
O historiador inglês Tony Judt matou a charada:
"Os anos 60 foram a grande era da teoria". Os fatos perderam importância,
substituídos pelo que se supunha ser a grande compreensão dos fenômenos. Havia
até a expressão "racionar em bloco".
A sacralização de 1968 omite o culto dos jovens
rebeldes à violência das massas. Exemplo disso foi o apoio recebido pela Revolução
Cultural de Mao Zedong. Da mesma forma, fazia-se de conta que os valentes
vietcongs seriam incapazes de instalar uma ditadura que levaria centenas de
milhares de pessoas a fugir do país em jangadas de junco.
Até a utopia rural de Pol Pot no Camboja tinha seu
charme.
O grande ano da segunda metade do século passado
não foi 1968, mas 1989. O colapso do império soviético e a destruição dos
regimes socialistas europeus, bem como a inviabilização dos projetos
bicentenários de revolução política e social redesenharam o mundo. Foi 1989 que
permitiu aos revolucionários de 1968 a acomodação de suas idéias e biografias
ao século 21. (Numa perfídia dos algarismos, 89 é 68 invertido e de cabeça para
baixo.)
A brutalidade da ditadura militar cobriu com um
manto sagrado a natureza autoritária dos projetos de quase toda a esquerda
brasileira.
Passado o tempo, essas militâncias são explicadas a
partir da ideia de que aquela foi uma geração que correu atrás de um sonho.
Tudo bem, pois ninguém pode discutir com uma pessoa que teve um sonho há 40
anos. A sacralização do 1968 brasileiro tem seu melhor momento na gloriosa
passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro, na tarde de 26 de junho de
1968. É pena, mas por mais que ela tenha assustado os generais, foi outro fato
quem levou todas as águas do São Francisco para a moenda da ditadura
escancarada. Naquela madrugada, um comando da VPR jogara um veículo com
explosivos contra o portão do QG do 2º Exército, em São Paulo, matando o
sentinela Mário Kozel Filho.
No Brasil, 1968 foi o ano de um terrível
desencontro provocado pela radicalização política. Talvez não pudesse ser
evitado mas, ao contrário de 1989, teria sido melhor que não tivesse existido.
(Elio Gaspari, Folha de São Paulo, 26 de dezembro de 2007.)
1. Considere as
afirmações abaixo. Está(ão) correta(s)
I – No período “Os sessentões revisitarão aquele grande ano da aurora de
suas vidas, que o tempo não traz mais”, o autor recorre à intertextualidade,
retomando os versos do poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, a fim de
ironizar a aura de nostalgia de que se cobriram os anos 60.
II – A antítese, presente em “Virão as doces lembranças das passeatas e
dos festivais de música até o amargo desfecho da noite de 13 de dezembro,
quando a ditadura escancarou-se”, reforça a tese de que existe uma idealização
dos acontecimentos ocorridos no ano de 1968.
III – A metalinguagem foi usada como recurso estilístico em “Talvez não
pudesse ser evitado mas, ao contrário de 1989, teria sido melhor que não
tivesse existido.”
(a) Apenas I e II (b) Apenas I e III (c) Apenas II e III (d) Apenas III.
(e) I, II e III
2. Assinale a alternativa
correta sobre o texto.
(a) O autor defende que a extinção da União Soviética e a queda do muro
de Berlim – fatos ocorridos em 1989 – foram menos significativos para o mundo
do que os acontecimentos de 1968.
(b) Segundo o autor, o AI-5 no Brasil, a Primavera de Praga na
Tchecoslováquia e a eleição de Charles de Gaulle na França foram inesquecíveis
porque representaram vitórias da esquerda.
(c) A expressão “racionar em bloco”, usada nos anos 60, era um indício
de que a radicalização política ignorava a violação dos direitos humanos na
China e no Vietnã.
(d) Para Elio Gaspari, nem a passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro,
nem o atentado praticado pela VPR contra o QG do 2º Exército, em São Paulo,
foram levados a sério pelos militares da época.
(e) O autor relativiza a celebração dos 40 anos de 1968, uma vez que os
acontecimentos daquele ano, apesar de inesquecíveis, efetivamente não mudaram o
mundo.
3. Releia estas passagens
do texto:
• “... o início da efeméride dos 40 anos de 1968.”
• “A sacralização de 1968 omite o culto dos jovens rebeldes à violência
das massas”.
• “Numa perfídia dos algarismos, 89 é 68 invertido e de cabeça para
baixo.”
• “... essas militâncias são explicadas a partir da idéia de que aquela
foi uma geração que correu atrás de um sonho”.
Considerando o significado dos vocábulos destacados e o contexto em que
foram empregados, eles poderiam ser substituídos, respectivamente, pelas
seguintes palavras e expressões:
(a) homenagem, ufanismo, ironia do destino, militares.
(b) comemoração, consagração, cilada, grupos engajados.
(c) futilidade, exaltação, tramóia, jovens rebeldes.
(d) sandice, idealização, gracejo, apologias.
(e) banalidade, iconoclastia, quimera, milícias.
4. Assinale a alternativa
correta quanto ao emprego das formas verbais.
(a) Os grandes bancos não interviram no mercado.
(b) É fundamental que os empresários se precavejam contra a iminente
alta dos juros.
(c) Poderei colaborar, se você não se opor.
(d) Diversos professores daquela universidade já requereram a
aposentadoria.
(e) Os advogados já haviam entregue o documento.
Utilize a tirinha abaixo
para responder ao teste 5.
(Scott Adams, O princípio Dilbert, 3.ª ed. Rio de Janeiro, Ediouro,
1997, p. 90)
5. Levando-se em conta os
aspectos textuais e visuais da tirinha, assinale a alternativa correta.
(a) A surpresa e o absurdo, que constroem o humor da tira, restringem-se
ao uso da pergunta feita pelo executivo no último quadrinho.
(b) O contexto permite inferir que o funcionário que faz a pergunta
inicial é um indivíduo dissimulado.
(c) A sequência de quadrinhos autoriza afirmar que, no mundo
corporativo, o trabalho em equipe é condição essencial para o sucesso
profissional.
(d) A expressão facial e a resposta ambígua do chefe, no segundo
quadrinho, evidenciam que ele não compreendeu a pergunta do funcionário.
(e) O efeito de humor constrói-se a partir da
presença da ironia na resposta do chefe, no segundo quadrinho.
6. A campanha
publicitária “Heróis pela Democracia” lançada, em março deste ano, pelo TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) provocou uma “polêmica linguística”. Para
conscientizar os jovens sobre a importância do voto, foi produzida uma série de
filmes que apresentava o seguinte texto: Heróis
existem. Não desperdice o direito que eles tanto lutaram e conquistaram para
você. Professores apontaram erro de português na propaganda. Para a
W/Brasil (agência responsável pela
criação dos filmes), o texto não apresenta erro algum. Analise atentamente a
frase da propaganda e assinale a alternativa que contém a afirmação correta.
(a) Na frase da propaganda, há um erro no emprego da preposição “para”,
que deveria ser substituída pela preposição “por”.
(b) Admitindo que a frase esteja incorreta, seria possível propor a
seguinte correção: Heróis existem. Não desperdice o direito por que eles tanto
lutaram e que conquistaram para você.
(c) Não há propriamente um erro gramatical, pois pode-se entender que a
palavra “direito” não tem relação sintática com o verbo “lutar”, mas sim com o
infinitivo “conquistaram”, do qual é objeto direto.
(d) Na frase da propaganda, há um erro porque “lutar” e “conquistar”
apresentam regências diferentes, mas foram empregados com o mesmo complemento:
o objeto indireto “para você”.
(e) Para evitar a ambiguidade, bastaria acrescentar uma preposição antes
do pronome relativo “que”.
7. Considere estas
afirmações sobre o poema abaixo:
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro :
Civilização Brasileira, 1998.)
I - O soneto retrata o ciclo da vida, permeado de dor, de sofrimento e
da presença constante e ameaçadora da morte inevitável.
II - O poeta inaugura a temática do Parnasianismo, apresentando imagens
repulsivas, inspiradas na morte e na decomposição da matéria.
III - O amoníaco representa uma metáfora de alma, pois, segundo o poeta,
o homem é composto de corpo (carbono) e alma (amoníaco). No fim da vida, o
corpo (orgânico) apodrece, enquanto a alma (inorgânica) mantém-se viva na
terra.
Está(ão) correta(s):
(a) Apenas I. (b) Apenas II. (c) Apenas III. (d) Apenas I e III. (e)
Apenas II e III.
8. A prosódia trata da
correta pronúncia das palavras, segundo a tonicidade da sílaba.
Observe, a seguir, o
trecho da canção "Não serve pra mim", um antigo sucesso de Roberto
Carlos regravado pelo grupo Ira!. Muitas pessoas têm dúvidas quanto à correta
pronúncia da palavra destacada.
Não quero mais seu amor,
não pense que eu sou ruim.
Vou procurar outro alguém
você não serve pra mim...
Nas palavras abaixo, as sílabas tônicas estão destacadas com letras
maiúsculas. Identifique a única alternativa que apresenta erro de prosódia.
(a) ruBRIca, ruIM, chanceLER.
(b) aVAro, iBEro, liBIdo
(c) gratuIto, puDIco, RUim
(d) caracTEres, forTUIto, reCORde
(e) cartomanCIa, conDOR, cirCUIto
9. Assinale a alternativa
que preenche corretamente as lacunas das frases abaixo.
Ignoramos ......................... o governo não alterou a tabela do
imposto de renda.
O time teve um ....................... desempenho.
Conheci o apartamento ..................... aconteceu aquela tragédia.
(a) por que, mau, onde
(b) porque, mal, onde
(c) porquê, mal aonde
(d) por que, mau, aonde
(e) porque, mau, aonde
Utilize o texto abaixo
para responder aos testes de 10 a 12.
Bolsos
Ganhei uma camiseta. Não tem bolso. Uma camiseta
sem bolso tem sua utilidade limitada à função de vestir – desculpe se pareço
malagradecido. Com o bolsinho, ela serve mais, acrescenta ao vestir o levar
alguma coisa: óculos, cartão, anotação, caneta, talão de cheques, palpite da
Mega-sena.
Bolsos das calças não servem para essas coisas,
quebram ou entortam os óculos, deformam ou racham cartões de plástico, partem
canetas ou elas nos espetam, amarrotam o volante da loteria, são difíceis de
alcançar enquanto estamos dirigindo um automóvel. No bolsinho da camiseta essas
coisas se acomodam bem. Sentado no carro, onde enfiar rapidinho o tíquete do
estacionamento do shopping para procurar a vaga? Li no jornal que um homem
escapou da morte porque uma caneta no bolso da camisa desviou a bala destinada
ao coração. Não digo que bolsinhos e seu conteúdo sejam um bom escudo, estou só
lembrando o caso, de passagem.
Gosto de bolsos. O homem que inventou as calças
jeans no século XIX, Levi Strauss, foi previdente. Imaginou que os homens do
futuro, nós, sem paletós nem coletes, iríamos ficar com a vida complicada se
não tivéssemos bolsos suficientes, pois iríamos ter muita miudeza para levar
conosco, e bolou logo cinco bolsos. Imaginem os jeans sem eles: não teriam
pegado.
Houve um tempo, sim, em que os homens citadinos
tinham, na soma das roupas que vestiam, muito mais bolsos, e curiosamente era
um tempo em que talvez carregassem menos coisas consigo. Bolsos tinham um
sinônimo até mais usado: algibeiras. As roupas masculinas somavam uma dezena
deles, ou mais. Vamos contar. Nas calças, pelo menos dois laterais e dois
traseiros. São quatro. Usavam coletes: estes tinham dois bolsinhos na barriga e
um do lado esquerdo do peito. São sete. Usavam paletós: duas algibeiras maiores
dos lados, um bolsinho no lado esquerdo do peito, onde ia o lencinho fino, mero
detalhe elegante, e pelo menos dois maiores internos, no forro, um de cada
lado. São mais cinco, com sete: doze. Doze bolsos.
E que levavam esses homens, na época dos coletes?
Relógio de bolso, caixinha de rapé, um ou dois charutos, moedas, eventualmente
óculos, lenço, lápis ou caneta-tinteiro, algum papel... – algo mais? Consta na
cultura geral da língua que nos bolsos dos coletes se levavam soluções mágicas
para os problemas, sacadas criativas em que ninguém tinha pensado. Dizia-se com
alguma admiração para alguém que apresentava uma solução inesperada: "Essa
você tirou do bolso do colete". Também se tirava desse bolsinho algum nome
salvador para resolver um impasse político. Donde se conclui que os coletes
tinham bolsos para neles se levarem surpresas.
Para que mesmo os antigos precisariam de tantos
bolsos? Não havia talão de cheques, cartão do banco, cartão de crédito, cartão
do convênio médico, cartão de refeição, passe do ônibus, Carteira Nacional de
Habilitação, cartão do seguro, RG, CPF, telefone celular, chaveiro cheio, iPod,
pen drive, boletos bancários, óculos de sol... Livros de bolso só foram
inventados mais tarde, e nunca ouvi dizer que alguém levasse livro no bolso.
Houve uma época, recente, em que tentaram habituar
os homens a usar bolsas a tiracolo. Não deu certo. As fotos da época, anos da
década de 1970, mostram homens desajeitados com aquela tira de couro
atravessada no peito, senhores de paletó e gravata com aquele sacolão pendurado
do lado. A bolsa prejudica a agilidade do homem, atrapalha a corrida, estorva a
reação dos muito machos a provocações, tchê.
Por que fizeram as roupas das mulheres sem bolsos?
Desde o começo os inventores da moda pensaram na mulher para vender bolsas. Só
a mulher teria coragem de pagar mais de 20.000 reais por uma delas.
(Ivan Angelo, Veja SP, 06.09.2007)
10. Assinale a
alternativa em que a palavra “bolso” exerce a mesma função sintática que nesta
frase: “Uma camiseta sem bolso tem sua utilidade limitada”.
(a) “Bolsos das calças não servem para essas coisas.”
(b) “Gosto de bolsos”.
(c) “Para que mesmo os antigos precisariam de tantos bolsos?”
(d) “Livros de bolso só foram inventados mais tarde.”
(e) “Nunca ouvi dizer que alguém levasse livro no bolso.”
11. Transpondo
corretamente para a voz ativa a oração “...nos bolsos dos coletes se levavam
soluções mágicas para os problemas...”, obtém-se:
(a) Soluções mágicas para os problemas eram levadas nos bolsos dos
coletes.
(b) Levavam nos bolsos dos coletes soluções mágicas para os problemas.
(c) Nos bolsos dos coletes, soluções mágicas para os problemas foram
levadas.
(d) Levava-se, nos bolsos dos coletes, soluções mágicas para os
problemas.
(e) Eram levados nos bolsos dos coletes soluções mágicas para os
problemas.
12. Baseando-se em seus
conhecimentos gramaticais, marque V (verdadeiro) ou
F (falso) para as
afirmações a seguir.
( ) O travessão usado no primeiro parágrafo tem a função de introduzir
um aposto que se refere à utilidade de vestir camisas sem bolso.
( ) Em “... quebram ou entortam os óculos...”, ambos os verbos são
formados pelo processo de derivação parassintética.
( ) Embora a gramática normativa indique que advérbios apresentem apenas
os graus comparativo e superlativo, é comum, na linguagem informal, o uso de
advérbios no diminutivo como em “...enfiar rapidinho o tíquete...”
A sequência correta é
(a) V, F, V (b) F, V, F (c) F, F, V (d) V, V, V (e) V, V, F
Utilize o texto abaixo
para responder aos testes de 13 a 15.
Os meninos sumiam-se numa curva do caminho. Fabiano
adiantou-se para alcançá-los. Era preciso aproveitar a disposição deles, deixar
que andassem à vontade. Sinhá Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos
filhos. Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco
dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a
cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito.
E a conversa recomeçou. Agora Fabiano estava meio
otimista. Endireitou o saco da comida, examinou o rosto carnudo e as pernas
grossas da mulher. Bem. Desejou fumar. Como segurava a boca do saco e a coronha
da espingarda, não pôde realizar o desejo. Temeu arriar, não prosseguir na
caminhada. Continuou a tagarelar, agitando a cabeça para afugentar uma nuvem
que, vista de perto, escondia o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia.
Os pés calosos, duros como cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam
meses. Ou não caminhariam? Sinhá Vitória achou que sim. [...] Por que haveriam
de ser sempre desgraçados, fugindo no mato como bichos? Com certeza existiam no
mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos, como bichos? Fabiano
respondeu que não podiam.
–– O mundo é grande.
Realmente para eles era bem pequeno, mas afirmavam
que era grande –– e marchavam, meio confiados, meio inquietos. Olharam os
meninos que olhavam os montes distantes, onde havia seres misteriosos. Em que
estariam pensando? zumbiu Sinhá Vitória. Fabiano estranhou a pergunta e rosnou
uma objeção. Menino é bicho miúdo, não pensa. Mas Sinhá Vitória renovou a
pergunta –– e a certeza do marido abalou-se. Ela devia ter razão. Tinha sempre
razão. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando crescessem.
–– Vaquejar, opinou Fabiano.
Sinhá Vitória, com uma careta enjoada, balançou a
cabeça negativamente, arriscando-se a derrubar o baú de folha. Nossa Senhora os
livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que ideia! Chegariam a uma terra
distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios
secos, espinhos, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca
mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram
bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe,
adotariam costumes diferentes.
(RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1996. p. 120-122.)
13. A respeito desse
trecho do romance de Graciliano Ramos, é correto afirmar:
(a) O narrador faz uma crítica ao trabalhador rural nordestino,
representado pelo protagonista Fabiano, que não tem ambição e conforma-se com a
sua insignificância.
(b) As palavras e os pensamentos de Fabiano evidenciam sua
inconformidade com a
opressão social e apontam para seu desejo de reformar a sociedade
agrária à custa da luta armada.
(c) As reflexões de Sinhá Vitória revelam que, no drama dos retirantes
que fogem da seca, há espaço para o sonho de dias melhores.
(d) Fabiano e Sinhá Vitória consideram fundamental a imersão dos meninos
no mundo urbano, longe da hostilidade do sertão.
(e) Na narrativa, a família, por mais privações que enfrente, não se
abala, já que conta com a mais profunda fé religiosa.
14. A presença do
discurso indireto livre é constante em “Vidas Secas”. Esse tipo de discurso
ocorre de modo evidente em
(a) “Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido
alguns anos”.
(b) “Como segurava a boca do saco e a coronha da espingarda, não pôde
realizar o desejo”.
(c) “–– O mundo é grande”.
(d) “Mas Sinhá Vitória renovou a pergunta”.
(e) “Então eles eram bois para morrer tristes por falta de espinhos?”
15. Ocorre oração sem
sujeito em
(a) “Era preciso aproveitar a disposição deles...”.
(b) “Por que haveriam de ser sempre desgraçados?”
(c) “Com certeza existiam no mundo coisas extraordinárias”.
(d) “... onde havia seres misteriosos”.
(e) “Vaquejar, que ideia!”
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