FUVEST 2005 – 1º FASE – PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
Texto para as questões de 01 a 08
O filme Cazuza – O tempo não pára me
deixou numa espécie de felicidade pensativa. Tento explicar por quê.
Cazuza mordeu a vida com todos os
dentes. A doença e a morte parecem ter-se vingado de sua paixão exagerada de
viver. É impossível sair da sala de cinema sem se perguntar mais uma vez: o que
vale mais, a preservação de nossas forças, que garantiria uma vida mais longa,
ou a livre procura da máxima intensidade e variedade de experiências?
Digo que a pergunta se apresenta “mais
uma vez” porque a questão é hoje trivial e, ao mesmo tempo, persecutória. (...)
Obedecemos a uma proliferação de regras que são ditadas pelos progressos da
prevenção. Ninguém imagina que comer banha, fumar, tomar pinga, transar sem
camisinha e combinar, sei lá, nitratos com Viagra seja uma boa idéia. De fato
não é. À primeira vista, parece lógico que concordemos sem hesitação sobre o
seguinte: não há ou não deveria haver prazeres que valham um risco de vida ou, simplesmente,
que valham o risco de encurtar a vida. De que adiantaria um prazer que, por
assim dizer, cortasse o galho sobre o qual estou sentado?
Os jovens têm uma razão básica para
desconfiar de uma moral prudente e um pouco avara que sugere que escolhamos
sempre os tempos suplementares. É que a morte lhes parece distante, uma coisa com
a qual a gente se preocupará mais tarde, muito mais tarde. Mas sua vontade de
caminhar na corda bamba e sem rede não é apenas a inconsciência de quem pode
esquecer que “o tempo não pára”. É também (e talvez sobretudo) um
questionamento que nos desafia: para disciplinar a experiência, será que temos
outras razões que não sejam só a decisão de durar um pouco mais?
(Contardo
Calligaris, Folha de S. Paulo)
01 - A reação caracterizada como “uma espécie de felicidade pensativa” justifica-se,
no texto, pelo fato de que o filme a que o autor assistiu
a)
convenceu-o de que a experiência das paixões mais radicais não é incompatível
com os “progressos da prevenção”.
b)
convenceu-o de que arriscar a vida não vale a pena porque é prudente nos
pouparmos para viver os “tempos suplementares”.
c)
proporcionou-lhe um exemplo de prazer vital e intenso, ao mesmo tempo em que o
fez refletir sobre o “risco de encurtar a vida”.
d)
proporcionou-lhe um prazer tão intenso que passou a defender a lucidez “de quem
pode esquecer que o tempo não pára”.
e)
proporcionou-lhe um estado de grande satisfação e o fez concluir que é
indefensável a tese da “preservação de nossas forças”.
02 - Considerando-se o contexto, traduz-se corretamente o sentido de uma frase do
texto em:
a)
“Cazuza mordeu a vida com todos os dentes” = Cazuza respondeu com ressentimento
a todas as adversidades da vida.
b)
“(...) uma moral prudente e um pouco avara que sugere que escolhamos sempre os
tempos suplementares” = uma moral rígida e mesquinha que nos incita a um prazer
excessivo.
c)
“Obedecemos a uma proliferação de regras que são ditadas pelos progressos da
prevenção” = Curvamo-nos aos inúmeros preceitos que nos deixam prevenidos em
relação ao progresso.
d)
“(...) cortasse o galho sobre o qual estou sentado” = privilegiasse o meu
instinto de sobrevivência.
e)
“(...) a questão é hoje trivial e, ao mesmo tempo, persecutória” = mesmo
banalizada, a questão preocupa o tempo todo.
03 - Quando o autor pergunta: “para disciplinar a experiência, será que temos outras
razões que não sejam só a decisão de durar um pouco mais?”, ele
a)
refuta a validade das experiências que sejam vividas sem muita disciplina.
b)
desconfia da decisão de quem disciplina uma experiência para fazê-la durar mais
tempo.
c)
considera que prolongar a vida pode ser o único motivo para vivermos com
prudência.
d)
duvida de que a disciplina de uma experiência nos leve à decisão de
prolongarmos a vida.
e)
questiona a idéia de que a experiência é a melhor base para a tomada de
decisões.
04 - Considere as seguintes afirmações:
I.
Os trechos “mordeu a vida com todos os dentes” e “caminhar na corda bamba e sem
rede” podem ser compreendidos tanto no sentido figurado quanto no sentido
literal.
II.
Na frase “De que adiantaria um prazer que (...) cortasse o galho sobre o qual
estou sentado”, o sentido da expressão sublinhada corresponde ao de “se está
sentado”.
III.
Em “mais uma vez”, no início do terceiro parágrafo, o autor empregou aspas para
indicar a precisa retomada de uma expressão do texto.
Está
correto o que se afirma em
a)
I, somente. b)
I e II, somente. c)
II, somente. d)
II e III, somente. e)
I, II e III.
05 - Considere as seguintes frases:
I.
O autor do texto assistiu ao filme sobre Cazuza.
II.
O filme provocou-lhe uma viva e complexa reação.
III.
Sua reação mereceu uma análise.
O
período em que as frases acima estão articuladas de modo correto e coerente é:
a)
Tendo assistido ao filme sobre Cazuza, este provocou o autor do texto numa
reação tão viva e complexa que lhe mereceu uma análise.
b)
Mereceu uma análise, a viva e complexa reação, provocadas pelo filme que o
autor do texto assistiu sobre Cazuza.
c)
A reação que provocou no autor do texto o filme sobre Cazuza foi tão viva e
complexa que mereceu uma análise.
d)
Foi viva e complexa a reação, que aliás mereceu uma análise, provocado pelo
filme sobre Cazuza, que o autor assistiu.
e)
O filme sobre Cazuza que foi assistido pelo autor provocoulhe uma reação viva e
complexa, que a sua análise foi merecida.
6 - Entre as frases “Cazuza mordeu a vida com todos os dentes” e “A doença e a
morte parecem ter-se vingado de sua paixão exagerada de viver” estabelece-se um
vínculo que pode ser corretamente explicitado com o emprego de
a)
desde que. b)
tanto assim que. c)
uma vez que. d)
à medida que. e)
apesar de que.
07 - As opções de vida que se caracterizam pela “preservação de nossas forças” e
pela “procura da máxima intensidade e variedade de experiências” estão
metaforizadas no texto, respectivamente, pelas expressões:
a)
“regras” e “moral prudente”.
b)
“galho” e “corda bamba”.
c)
“dentes” e “rede”.
d)
“prazeres” e “progressos da prevenção”.
e)
“risco de vida” e “tempos suplementares”.
08 - Embora predomine no texto a linguagem formal, é possível identificar nele
marcas de coloquialidade, como as expressões assinaladas em:
a)
“mordeu a vida” e “moral prudente e um pouco avara”.
b)
“sem se perguntar mais uma vez” e “não deveria haver prazeres”.
c)
“parece lógico” e “que não sejam só a decisão”.
d)
“e combinar, sei lá, nitratos” e “a gente se preocupa”.
e)
“que valham um risco de vida” e “(e talvez sobretudo) um questionamento”.
Texto
para as questões de 09 a 15
“Assim,
pois, o sacristão da Sé, um dia, ajudando à missa, viu entrar a dama, que devia
ser sua colaboradora na vida de Dona Plácida. Viu-a outros dias, durante
semanas inteiras, gostou, disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acender os
altares, nos dias de festa. Ela gostou dele, acercaram-se, amaram-se. Dessa
conjunção de luxúrias vadias brotou Dona Plácida. É de crer que Dona Plácida
não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus
dias: ⎯ Aqui estou. Para que me chamastes? E o
sacristão e a sacristã naturalmente lhe responderiam: ⎯
Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal,
ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando, com o
fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada,
amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até
acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num
momento de simpatia”.
(Machado
de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas)
09 - No trecho acima, Brás Cubas reflete sobre a história de Dona Plácida,
reconhecendo a extrema dureza de sua vida. No contexto do livro, esse
reconhecimento revela que Brás Cubas, embora perceba com precisão o desamparo
dos pobres, não faz mais que
a)
procurar remediá-lo com soluções fantasiosas, como a invenção do emplasto, cuja
finalidade era a de eliminar as desigualdades sociais.
b)
declarar sua impotência para saná-lo, tendo em vista a extensão desse problema
na sociedade brasileira do Segundo Reinado.
c)
considerá-lo do ponto de vista de seus próprios interesses, interpretando-o
conforme lhe é mais conveniente.
d)
transformá-lo em recurso retórico, utilizado por ele nos discursos demagógicos
que proferia na Câmara dos Deputados.
e)
interpretá-lo conforme a doutrina do Humanitismo, segundo a qual os sofrimentos
dos indivíduos servem para purgar os pecados cometidos em vidas passadas.
10 - A vida de Dona Plácida, referida no excerto, é muito semelhante à vida de
trabalhos duros e incessantes de Juliana (O primo Basílio), com a diferença de
que a personagem de Eça de Queirós
a)
não mais se fiava no favor dos patrões, passando a arquitetar um plano
astucioso, embora indigno, para emancipar-se.
b)
não era uma agregada, como Dona Plácida, mas uma criada, condição que a tornava
ainda mais desprovida de direitos legais.
c)
pautava sua conduta por uma rígida moral puritana, que a fazia revoltar-se
contra os amores adúlteros da patroa.
d)
tinha menos motivos para revoltar-se, tendo em vista a consideração de que
gozava na casa dos patrões.
e)
não temia miséria nem desamparo e, por isso, enfrentava os patrões de modo
aberto e corajoso.
11 - Tal como narradas neste trecho, as circunstâncias que levam ao nascimento de
Dona Plácida apresentam semelhança maior com as que conduzem ao nascimento da
personagem
a)
Leonardo (filho), de Memórias de um sargento de milícias.
b)
Juliana, de O primo Basílio.
c)
Macunaíma, de Macunaíma.
d)
Augusto Matraga, de Sagarana.
e)
Olímpico, de A hora da estrela.
12 - Consideradas no contexto em que ocorrem, constituem um caso de antítese as
expressões
a)
“disse-lhe alguma graça” - “pisou-lhe o pé”.
b)
“acercaram-se” - “amaram-se”.
c)
“os dedos nos tachos” - “os olhos na costura”.
d)
“logo desesperada” – “amanhã resignada”.
e)
“na lama” – “no hospital”.
13 - Dos verbos no infinitivo que ocorrem na resposta do sacristão e da sacristã, o
único que deve ser entendido, necessariamente, em dois sentidos diferentes é:
a)
“queimar”. b)
“comer”. c)
“andar”. d)
“adoecer”. e)
“sarar”.
14 - A palavra assinalada no trecho “que devia ser sua colaboradora na vida de Dona
Plácida” mantém uma relação sinonímica com a palavra dia(s) em:
a)
“um dia, (...) viu entrar a dama”.
b)
“Viu-a outros dias”.
c)
“ao acender os altares, nos dias de festa”.
d)
“podia dizer aos autores de seus dias”.
e)
“até acabar um dia na lama”.
15 - No trecho “pisou-lhe o pé”, o pronome lhe assume valor possessivo, tal como
ocorre em uma das seguintes frases, também extraídas de Memórias póstumas de
Brás Cubas:
a)
“falei-lhe do marido, da filha, dos negócios, de tudo”.
b)
“mas enfim contei-lhe o motivo da minha ausência”.
c)
“se o relógio parava, eu dava-lhe corda”.
d)
“Procure-me, disse eu, poderei arranjar-lhe alguma coisa”.
e)
“envolvida numa espécie de mantéu, que lhe disfarçava as ondulações do talhe”.
Texto
para as questões 16 e 17
ESCREVO-LHE
ESTA CARTA...
Um
ano depois, programa de alfabetização no Acre apresenta resultados acima da
média e, como prova final, bilhetes comoventes
Repleto de adultos recém-alfabetizados,
o Teatro Plácido de Castro, na capital do Acre, Rio Branco, quase veio abaixo com
a leitura do bilhete escrito pela dona de casa Sebastiana Costa para o marido:
“Manoel, eu fui para aula. Se quiser comida esquente. Foi eu que escrevi.”
Atordoada com os aplausos, a franzina Sebastiana desceu do palco com a cabeça
baixa e os ombros encurvados.
Casada há trinta anos e mãe de oito
filhos, ela só descontraiu um pouco quando a ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, comentou que o bilhete não precisava ser
interpretado
como um desaforo, embora passasse um sentimento de libertação. Alfabetizada
apenas aos dezessete anos, a ministra Marina conhece como poucos o drama
daqueles que não são capazes de decifrar o letreiro de um ônibus ou de rabiscar
uma simples mensagem.
(Revista
ISTOÉ)
16 - O bilhete escrito por Sebastiana Costa tem linguagem simples, mas nem por isso
o que dizem suas palavras deixa de conotar um significado mais profundo,
a)
apontado pelo redator do texto, num comentário pessoal, em tom opinativo.
b)
indicado no comentário feito pela ministra do Meio Ambiente.
c)
esclarecido tão logo irrompem os intensos aplausos do público.
d)
evidenciado pela expressão corporal de Sebastiana, ao descer do palco.
e)
relacionado ao fato de o público ser composto por adultos recém-alfabetizados.
17 - O título “Escrevo-lhe esta carta...”
a)
contém ironia, uma vez que o bilhete citado no texto não é propriamente uma
carta.
b)
resulta de um procedimento intertextual, pois retoma uma expressão freqüente na
linguagem das cartas.
c)
refere-se também ao texto do autor da reportagem, redigido por ele como se
fosse uma carta.
d)
termina com reticências para deixar subentendido o sarcasmo do autor da
reportagem.
e)
imita a variedade lingüística que caracteriza o bilhete reproduzido na
reportagem.
Texto
para as questões de 18 a 20
Sim,
que, à parte o sentido prisco, valia o ileso gume do vocábulo pouco visto e
menos ainda ouvido, raramente usado, melhor fora se jamais usado. Porque,
diante de um gravatá, selva moldada em jarro jônico, dizer-se apenas drimirim
ou amormeuzinho é justo; e, ao descobrir, no meio da mata, um angelim que atira
para cima cinqüenta metros de tronco e fronde, quem não terá ímpeto de criar um
vocativo absurdo e bradá-lo – Ó colossalidade! – na direção da altura?
(João
Guimarães Rosa, “São Marcos”, in Sagarana)
prisco
= antigo, relativo a tempos remotos.
gravatá
= planta da família das bromeliáceas.
18 - Neste excerto, o narrador do conto “São Marcos” expõe alguns traços de estilo
que correspondem a características mais gerais dos textos do próprio autor,
Guimarães Rosa. Entre tais características só NÃO se encontra
a)
o gosto pela palavra rara.
b)
o emprego de neologismos.
c)
a conjugação de referências eruditas e populares.
d)
a liberdade na exploração das potencialidades da língua portuguesa.
e)
a busca da concisão e da previsibilidade da linguagem.
19 - Comparando-se as concepções relativas à natureza presentes no excerto de
Guimarães Rosa com as que se manifestam nos poemas de Alberto Caeiro,
verifica-se que, em Rosa, ......., ao passo que, em Caeiro, ....... .
Mantida
a sequência, os espaços pontilhados podem ser preenchidos corretamente pelo que
está em:
a)
a observação da natureza provoca um desejo de nomeação e até de invenção
linguística / o ideal seria o de que os elementos da natureza valessem por si
mesmos, sem nome nenhum.
b)
a natureza é pura exterioridade, desprovida de alma / ela é um ente animado,
dotado de interioridade e personalidade.
c)
a natureza vale por seus aspectos estéticos e simbólicos / ela tem valor
prático e utilitário, ou seja, é valorizada na medida em que, transformada pela
técnica, serve para suprir as necessidades humanas.
d)
a relação com a natureza é pessoal e até íntima / a natureza apresenta caráter
hostil e, mesmo, ameaçador.
e)
a natureza é misteriosa e indecifrável / ela é portadora de uma mensagem
mística que o homem deve decifrar servindo-se dos instrumentos da Razão.
20
Devo registrar aqui uma alegria. É
que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que
era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve
êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em
Maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma
verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o resto, o zé-povinho
sonha com fome de tudo. E quer mas sem direito algum, pois não é?
(Clarice
Lispector, A hora da estrela)
Considerando-se
no contexto da obra o trecho sublinhado, é correto afirmar que, nele, o
narrador
a)
assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar
no restante da narrativa.
b)
reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante
dos fogos de artifício.
c)
hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao
espetáculo.
d)
adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e
cobrando sua superação.
e)
retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a
na direção da ironia.
GABARITO
11 –A 12 – D 13 –A 14 –D 15 –E 16 – B 17 – B 18 –E 19 – A 20 – E
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