FUVEST 2006 – 1º FASE – PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
Texto para as questões de 01 a 06
Ele se aproximou e com voz cantante de
nordestino, que a emocionou, perguntou-lhe:
– E se me desculpe, senhorinha, posso
convidar a passear?
– Sim, respondeu atabalhoadamente com
pressa antes que ele mudasse de ideia.
– E, se me permite, qual é mesmo a sua
graça?
– Maca – o quê?
– Bea, foi ela obrigada a completar.
– Me desculpe mas até parece doença,
doença de pele.
– Eu também acho esquisito mas minha mãe
botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano
de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a
nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu
certo – parou um
instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor – pois como o
senhor vê eu vinguei... pois é...
– Também no sertão da Paraíba promessa é questão
de grande dívida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a
chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam
expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa,
com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao
recém-namorado:
– Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o
senhor?
Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva
fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na
chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo.
Clarice
Lispector, A hora da estrela.
01 - Neste excerto, as falas de Olímpico e Macabéa
a)
aproximam-se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher nordestina
e o homem do sul do País.
b)
demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagens, reflexo da
privação econômica de que são vítimas.
c)
beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de
humor e sátira social.
d)
registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios
antagônicos do Bem e do Mal.
e)
suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e
existencial das personagens.
02 - Ao dizer: “(...) promessa é questão de grande dívida de honra”, Olímpico junta,
em uma só afirmação, a obrigação religiosa e o dever de honra. A personagem de Sagarana
que, em suas ações finais, opera uma junção semelhante é
a)
Major Saulo, de “O burrinho pedrês”.
b)
Lalino, de “Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido
pródigo”.
c)
Primo Ribeiro, de “Sarapalha”.
d)
João Mangolô, de “São Marcos”.
e)
Augusto Matraga, de “A hora e vez de Augusto Matraga”.
03 - Considere as seguintes comparações entre a cena do primeiro encontro de Macabéa
e Olímpico, figurada no excerto, e a célebre cena do primeiro encontro de Leonardo
e Maria da Hortaliça (Memórias de um sargento de milícias), a bordo do navio:
I
– Na primeira cena, utiliza-se o diálogo verbal como meio privilegiado de
representação, ao passo que, na segunda, a ausência notória desse diálogo
responde, em grande parte, pelo efeito
expressivo do texto.
II – Em ambas as cenas, a representação da
pobreza vem acompanhada de forte sentimento de culpa que perturba o narrador e
o leva a questionar a validade da própria literatura.
III
– Ambas as cenas são construídas como paródias de modelos literários
consagrados: na primeira, parodiam-se as cenas amorosas do Romantismo; na
segunda, são parodiadas as cenas idílicas dos romances do Realismo.
Está
correto apenas o que se afirma em
a)
I. b)
II. c)
III. d)
I e II. e)
II e III.
04 - No trecho “mas minha mãe botou ele por promessa”, o pronome pessoal foi
empregado em registro coloquial. É o que também se verifica em:
a)
“− E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?”
b)
“− E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?”
c)
“− Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?”
d)
“− Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.”
e)
“− (...) pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...”
05 - No trecho que vai de “Eu também acho
esquisito” a “eu vinguei... pois é...”, o autor se vale, para traduzir o estado
emocional de Macabéa, do seguinte recurso expressivo:
a)
omissão de vírgulas entre orações.
b)
emprego reiterado de frases nominais.
c)
falta de rigor na concordância verbal.
d)
eliminação da maioria dos conectivos entre as orações.
e)
uso de regências verbais inadequadas.
06 - No trecho “Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva”, o segmento
sublinhado pode ser corretamente substituído por: “Sem que nem ao menos se
a)
deem as mãos”.
b) davam as mãos”.
c) deram as mãos”.
d) dessem as mãos”.
e) dariam as mãos”.
b) davam as mãos”.
c) deram as mãos”.
d) dessem as mãos”.
e) dariam as mãos”.
Texto
para as questões de 07 a 09
o
Kramer apaixonou-se por uma corista que se chamava Olga. por algum motivo nunca
conseguiam encontrar-se. ele gritava passando pela casa de Olga, manhãzinha
(ela dormia):
Olga, Olga, hoje estou de folga! mas nunca se viam e penso que ele sabia que se
efetivamente se deitasse com ela o sonho terminaria. sábio Kramer. nunca mais o
vi. Há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados até o
nosso fim. e por isso passíveis de serem sonhados a vida inteira.
Hilda
Hilst, Estar sendo. Ter sido.
Observações:
O
emprego sistemático de minúscula na abertura de período é opção estilística da
autora.
Corista
= atriz/bailarina que figura em espetáculo de teatro musicado.
07 - Na perspectiva do narrador, o Kramer é considerado sábio porque, como um bom
sonhador,
a)
anima-se com a possibilidade de uma feliz e prolongada realização de seu sonho.
b)
percebe que a realização de seu sonho acabaria sendo uma forma de negá-lo.
c)
avalia objetivamente as circunstâncias de que depende a plena realização de seu
sonho.
d)
sabe que os sucessivos adiamentos da realização de seu sonho acabarão por
fazê-lo desistir de sonhar.
e)
acredita que a impossibilidade de realização de um sonho leva a um mais rápido
amadurecimento.
08 - Considere as seguintes afirmações:
I
– Kramer apaixonou-se por uma corista.
II
– Kramer e a corista jamais se encontraram.
III
– Talvez Kramer julgasse ter sido melhor assim.
As
afirmações acima estão articuladas de modo coerente e correto no seguinte
período:
a)
Talvez Kramer tenha julgado ter sido melhor que ele e a corista por quem se
apaixonou jamais se houvessem encontrado.
b)
Muito embora Kramer se apaixonou por uma corista, jamais se encontraram, mesmo
porque ele julgaria ter sido melhor assim.
c)
Jamais se encontraram Kramer e a corista por quem se apaixonou, pois talvez
Kramer julgava que é melhor ser assim.
d)
Quando se apaixonou por uma corista, ainda que ambos jamais se encontraram,
Kramer talvez tenha achado que assim seria melhor.
e)
Desde que Kramer se apaixonou e julgou melhor assim, ele e a corista jamais
teriam se encontrado.
09 - No trecho “há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados
até o nosso fim.”, o recurso de estilo que NÃO ocorre é a
a)
redundância. b)
inversão. c)
gradação. d)
metáfora. e)
enumeração.
10 - A televisão tem de ser vista ...... um prisma crítico, principalmente as
telenovelas, ..... audiência é significativa. Temos de procurar saber .....
elas prendem tanto os telespectadores.
Preenchem
de modo correto as lacunas acima, respectivamente,
a)
a nível de/ as quais a/ por que.
b)
sobre/ que/ porquê.
c)
sob/ cuja/ por que.
d)
em nível de/ cuja a/ porque.
e)
sob/ cuja a/ porque.
11 - Os verbos estão corretamente empregados apenas na frase:
a)
No cerne de nossas heranças culturais se encontram os idiomas que as transmitem
de geração em geração e que assegurem a pluralidade das civilizações.
b)
Se há episódios traumáticos em nosso passado, não poderemos avançar a não ser
que os encaramos.
c)
Estresse e ambiente hostil são apenas alguns dos fatores que possam desencadear
uma explosão de fúria.
d)
A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua
própria especialidade e que tome consciência de seus próprios limites.
e)
O que hoje talvez possa vir a tornar-se uma técnica para prorrogar a vida, sem
dúvida amanhã possa vir a tornar-se uma ameaça.
Texto
para a questão 12
Noite
de S. João para além do muro do meu quintal.
Do
lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque
há S. João onde o festejam.
Para
mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um
ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E
um grito casual de quem não sabe que eu existo.
Alberto
Caeiro, Poesia.
12 - Considerando-se este poema no contexto das tendências dominantes da poesia de
Caeiro, pode-se afirmar que, neste texto, o afastamento da festa de São João é
vivido pelo eu-lírico como
a)
oportunidade de manifestar seu desapreço pelas festividades que mesclam
indevidamente o sagrado e o profano.
b)
ânsia de integração em uma sociedade que o rejeita por causa de sua
excentricidade e estranheza.
c)
uma ocasião de criticar a persistência de costumes tradicionais, remanescentes
no Portugal do Modernismo.
d)
frustração, uma vez que não experimenta as emoções profundas nem as reflexões
filosóficas que tanto aprecia.
e)
reconhecimento de que só tem realidade efetiva o que corresponde à experiência
dos próprios sentidos.
Texto
para a questão 13
PROFUNDAMENTE
Quando
ontem adormeci
Na
noite de São João
Havia
alegria e rumor
Estrondos
de bombas luzes de Bengala
Vozes
cantigas e risos
Ao
pé das fogueiras acesas.
No
meio da noite despertei
Não
ouvi mais vozes nem risos
(...)
Onde
estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E
riam
Ao
pé das fogueiras acesas?
– Estavam todos
dormindo
Estavam
todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando
eu tinha seis anos
Não
pude ver o fim da festa de São João
Porque
adormeci
Hoje
não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha
avó
Meu
avô
Totônio
Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde
estão todos eles?
– Estão todos
dormindo
Estão
todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Manuel
Bandeira, Libertinagem
13 - No conhecido poema de Bandeira, aqui parcialmente reproduzido, a experiência do
afastamento da festa de São João
a)
é de ordem subjetiva e ocorre, primordialmente, no plano do sonho e da
imaginação.
b)
reflete, em chave saudosista, o tradicionalismo que caracterizou a geração
modernista de 1922.
c)
se dá predominantemente no plano do tempo e encaminha uma reflexão sobre a
transitoriedade das coisas humanas.
d)
assume feição abstrata, na medida em que evita assimilar os dados da percepção
sensível, registrados pela visão e pela audição.
e)
é figurada poeticamente segundo o princípio estético que prevê a separação
nítida de prosa e poesia.
Texto
para as questões 14 e 15
Um
homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros
ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu.
Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio
para conhecer o calor. E o oposto. Sentir a
distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa
viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz
ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos
faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente
ir ver.
Amyr
Klink, Mar sem fim.
14 - A repetição de “precisa viajar” acentua, no contexto, o valor daquelas experiências
que
a)
se traduzem na exploração de nossa plena capacidade imaginativa.
b)
concretizam o aprendizado das diferenças que formam a identidade pessoal.
c)
ratificam a convicção de quem julga conhecer o que apenas imaginou.
d)
acabam comprovando a importância de se viver tudo o que se planejou.
e)
reforçam a simplicidade do prazer de um cotidiano sem surpresas.
15 - Na frase “que nos faz professores e doutores do que não vimos”, o pronome
sublinhado retoma a expressão antecedente
a)
“para lugares”. b)
“o mundo”. c)
“um homem”. d)
“essa arrogância”. e)
“como o imaginamos”.
16 - Costuma-se reconhecer que tanto O primo Basílio quanto as Memórias póstumas de
Brás Cubas possuem notável conteúdo de crítica social. Apesar das muitas
diferenças que separam os dois romances, em ambos essa crítica
a)
fundamenta-se em minuciosa análise das relações sociais e tem como finalidade
propor soluções construtivas para os problemas detectados.
b)
dá a ver um conjunto de personagens que, com raras exceções, têm como traços
mais marcantes a inconsistência, a pretensão, a veleidade e outras características
semelhantes, figurando assim uma sociedade globalmente medíocre.
c)
assume a forma do romance de tese, próprio da estética realista, no qual se
procura validar um conjunto de hipóteses científicas, verificando-se sua pertinência
na vida social das personagens.
d)
visa a demonstrar o prejuízo que o excesso de leituras romanescas pode trazer à
formação moral dos indivíduos, em particular quando interfere na educação das
mulheres, matrizes da família.
e)
incide principalmente sobre as mazelas sociais derivadas da persistência da
escravidão em um contexto já moderno, no qual ela não mais se justifica.
Texto
para as questões de 17 a 20
É
impossível colocar em série exata os fatos da infância porque há aqueles que já
acontecem permanentes, que vêm para ficar e doer, que nunca mais são
esquecidos, que são sempre trazidos tempo afora, como se fossem dagora. É a carga.
Há os outros, miúdos fatos, incolores e quase sem som − que mal se deram, a
memória os atira nos abismos do esquecimento. Mesmo próximos eles viram logo
passado remoto. Surgem às vezes, na lembrança, como se fossem uma
incongruência. Só aparentemente sem razão, porque não há associação de idéias
que seja ilógica. O que assim parece, em verdade, liga-se e harmoniza-se no
subconsciente pelas raízes subterrâneas − raízes lógicas! − de que emergem os
pequenos caules isolados − aparentemente ilógicos! só aparentemente! − às vezes
chegados à memória vindos do esquecimento, que é outra função ativa dessa mesma
memória.
Pedro
Nava, Baú de ossos.
17 - Ao analisar os processos da memória, o autor manifesta a convicção de que
a)
os fatos que não são lembrados com constância cairão para sempre nos abismos do
esquecimento.
b)
é mais dolorosa a lembrança de fatos que pareciam para sempre esquecidos do que
a dos fatos que não saem da memória.
c)
os fatos que pareciam inteiramente esquecidos podem de repente surgir na
memória com o aspecto de uma associação imprópria.
d)
é mais prazerosa a memória assídua de fatos da infância do que a memória de
fatos ocorridos mais recentemente.
e)
os fatos que, quando vividos, pareciam extravagantes costumam ser depois
lembrados como inteiramente lógicos.
18 - A expressão “O que assim parece” tem, no contexto, o sentido de
a)
o que aparenta ser uma pura lembrança.
b)
o que aparenta ser uma associação de idéias.
c)
o que parece harmonizado no subconsciente.
d)
o que parece uma incongruência.
e)
o que aparece como se fosse lógico.
19 - O que Pedro Nava afirma no final do texto ajuda a compreender o título do livro
Esquecer para lembrar, de Carlos Drummond de Andrade, título que contém
a)
um paradoxo apenas aparente, já que designa uma das operações próprias da
memória.
b)
uma contradição insuperável, justificada apenas pelo valor poético que alcança.
c)
uma explicação para a dificuldade de se organizar de modo sistemático os fatos
lembrados.
d)
uma fina ironia, pois a antítese entre os dois verbos dá a entender o inverso
do que nele se afirma.
e)
uma metáfora, já que o tempo do esquecimento e o tempo da lembrança não podem
ser simultâneos.
20 - O valor sintático-semântico do vocábulo sublinhado no trecho “Há os outros,
(...) que mal se deram”, corresponde ao do mesmo termo em:
a)
Vou aceitar o cargo, apesar de falar mal o português.
b)
Meu livro foi mal acolhido pelos críticos de plantão.
c)
Mal sabia eu o que me esperava atrás daquela porta.
d)
Em público, ela mal olha para mim.
e)
Mal entrei em casa, o telefone tocou.
GABARITO
11 – D 12 – E 13 – C 14 – B 15 – D 16 – B 17 – C 18 – D 19 – A 20 – E
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FUVEST 2003 – 1º
Fase – PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
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