Prova de Língua Portuguesa – FEI – 2010 – 2º semestre
Estranhas gentilezas (Ivan Ângelo)
Estão
acontecendo coisas estranhas. Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não
têm o hábito da gentileza. Não é por ruindade, é falta de tempo. Gastam a paciência
nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos mercados, nas salas de espera, nos embates
familiares, e depois economizam com a gente.
Comigo
dá-se o contrário, é o que estou notando de uns dias para cá. Tratam-me com inquietante delicadeza. Já captava aqui e ali sinais
suspeitos, imprecisos, ventinho de asas de borboleta, quase nada. A impressão
de que há algo estranho tomou corpo mesmo foi na semana passada. Um vizinho que
já fora meu amigo telefonou-me desfazendo o engano que nos afastava, intriga de
pessoa que nem conheço e que afinal resolvera esclarecer tudo. Difícil
reconstruir a amizade, mas a inimizade morria ali.
Como
disse, eu vinha desconfiando tenuemente de algumas amabilidades. O episódio do vizinho fez surgir em meu espírito a hipótese
de uma trama, que já mobilizava até pessoas distantes. E as próximas?
Tenho
reparado. As próximas telefonam amáveis, sem motivo. Durante o telefonema fico
aguardando o assunto que estaria embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não
sai. Um número inesperado de pessoas me cumprimenta na rua, com acenos de cabeça. Mulheres, antes esquivas, sorriem transitáveis nas
ruas dos Jardins. Num restaurante caro da Rua Amauri, o maître, com uma
piscadela, fura a demorada fila de executivos à espera e me arruma rapidinho uma mesa para
dois. Um homem de pasta que parecia impaciente à minha frente me cede o último
lugar no elevador. O jornaleiro larga sua banca na Avenida Sumaré e vem ao
prédio avisar-me que o jornal chegou. Os vizinhos de cima silenciam após as 10
da noite.
Caminhões
baixam a luz dos faróis quando cruzam comigo na Via Anhanguera. Motoristas, mesmo mulheres, cedem-me a preferência nas
esquinas. Vendedores de bugigangas nos faróis de trânsito passam direto pelo meu
carro, sem me olhar. Até crianças me cumprimentam cúmplices: oi, tio.
Que está
acontecendo? Quem e por que está querendo me convencer de que as pessoas são um doce? Penso: não são gentilezas, são
homenagens aos meus cabelos brancos, por eu ter aguentado tanto, como se fosse um
atleta de maratona, daqueles retardatários que são mais aplaudidos na chegada que os
vencedores.
A última
manobra: botaram um pintassilgo a cantar para mim na árvore em frente à janela
do meu apartamento de 2º andar.
Que
significa isso? Que querem comigo? Que complô é esse? Que vão pedir em troca de tanta gentileza?
Aguardo,
meio apreensivo, meio feliz.
Interrompo
a crônica nesse ponto, saio para ir ao banco, desço pelas escadas porque alguém
segura o elevador lá em cima, o segurança do banco faz-me esvaziar os bolsos antes de entrar pela porta giratória, enfrento a
fila do caixa, não aceitam cheques de outra pessoa para pagar contas, saio
xingando do banco, atravesso a avenida arriscando a vida entre bólidos, um
caminhão respinga-me a água suja de uma poça, entro no apartamento, sento-me ao
computador e ponho-me de novo a sonhar.
1ª Questão. Em “Estão acontecendo coisas estranhas” (linha
01), há:
(A) sujeito simples (coisas estranhas)
(B) sujeito indeterminado
(C) sujeito implícito
(D) sujeito inexistente
(E) sujeito composto (coisas e estranhas)
2ª Questão. A leitura atenta do texto permite afirmar que:
(A) há predominância de períodos longos, caracterizando
uma linguagem rebuscada e de difícil interpretação.
(B) o fraseado complexo do texto oferece poucos recursos
para que o leitor interprete o texto.
(C) os longos parágrafos são uma estratégia do autor para
que o leitor preste atenção aos significados textuais.
(D) o texto não apresenta a variante linguística culta.
(E) há predominância de períodos curtos, caracterizando
uma linguagem ágil e de interpretação direta.
3ª Questão. Observe as frases:
a) “Eles falam muito.”
b) “O professor não falou uma só palavra ao aluno.”
c) “O candidato fala inglês.”
Sobre os usos do verbo falar, é possível afirmar:
I. Dependendo do contexto em que ocorre, pode se
apresentar como transitivo direto, bitransitivo ou intransitivo.
II. Independente do contexto, será sempre um verbo
intransitivo.
III. Em nenhum contexto precisa de complementos verbais.
(A) Todas as afirmativas estão corretas.
(B) Apenas a afirmativa I está correta.
(C) Apenas a afirmativa II está correta.
(D) Apenas a afirmativa III está correta.
(E) Apenas as afirmativas I e III estão corretas.
4ª Questão. A ocorrência dos verbos ao longo do texto se
dá prioritariamente em que modo verbal?
(A) subjuntivo (B) imperativo (C) particípio (D)
indicativo (E) gerúndio
5ª Questão. Sobre o narrador do texto, é possível afirmar:
(A) Trata-se de um jovem bastante crítico para a sua
idade.
(B) Trata-se de um homem de mais idade, que pensa sobre o comportamento
das pessoas nas grandes cidades.
(C) Trata-se de uma mulher de mais idade, que não se
conforma com o comportamento dos jovens da atualidade.
(D) Trata-se de um jornalista que está colhendo dados para
a crônica que publica semanalmente em jornal de grande circulação.
(E) Trata-se de um homem de mais idade, que não pratica gentilezas
com o próximo, porque não as recebe.
6ª Questão. A frase “Sabe-se que as pessoas nas grandes
cidades não têm o hábito da gentileza” (linhas 01-02) pressupõe que:
(A) existem pessoas de apenas um tipo, o das cidades
grandes.
(B) o comportamento das pessoas que vivem nas grandes
cidades é semelhante ao dos que vivem fora delas.
(C) o comportamento das pessoas se altera de acordo com o contexto
em que vivem.
(D) o comportamento das pessoas não se altera e é sempre
constante.
(E) o comportamento das pessoas se altera constantemente
sem motivo aparente.
7ª Questão. Trata-se de um texto prioritariamente:
(A) descritivo. (B) dissertativo. (C) opinativo. (D)
narrativo. (E) lírico.
8ª Questão. A observação atenta sobre os aspectos
estéticos e temáticos de “Estranhas gentilezas” permite afirmar que se trata de
um texto:
(A) contemporâneo. (B) romântico. (C) realista. (D)
barroco. (E) árcade.
9ª Questão. Sobre a crônica, gênero em que se apresenta o
texto “Estranhas gentilezas”, de Ivan Ângelo, é possível afirmar que:
I. Como sugere a origem da palavra (“Cronos” é o deus
grego do tempo), trata de temas do cotidiano.
II. Não precisa estar comprometida com a verdade, como a
notícia deve estar.
III. Surge nos periódicos, sendo publicada em diversos
jornais.
IV. Está ultrapassada e não é mais publicada em jornais de
grande circulação.
(A) Todas as afirmativas estão corretas.
(B) Apenas as afirmativas I e III estão corretas.
(C) Apenas as afirmativas II e IV estão corretas.
(D) Apenas as afirmativas I, II e III estão corretas.
(E) Apenas as afirmativas III e IV estão corretas.
10ª Questão. Ivan Ângelo é do mesmo período literário que:
(A) Machado de Assis (B) Gil Vicente (C) Castro Alves (D) José de Alencar (E) Ferreira Gullar
11ª Questão. Respeitando a construção de sentidos do
texto, a observação do cronista em “Tratam-me com inquietante delicadeza”
(linhas 05-06) deve-se ao fato de que:
(A) a gentileza se espalha com rapidez entre a população
das grandes cidades e isso o incomoda.
(B) a gentileza que lhe é dispensada o inquieta, porque as
pessoas parecem estar interessadas na influência que ele tem sobre a opinião
pública.
(C) a gentileza que lhe é dispensada causa surpresa porque
contraria o comportamento geral das pessoas das grandes cidades.
(D) qualquer ato generoso é mal interpretado socialmente.
(E) há uma trama contra o cronista, que cresce
visivelmente, ameaçando sua integridade física e moral.
12ª Questão. Em “Caminhões baixam a luz dos faróis quando
cruzam comigo na Via Anhanguera” (linha 23), a conjunção em destaque
imprime à frase sentido de:
(A) lugar. (B) oposição. (C) consequência. (D) causa. (E)
tempo.
13ª Questão. Sobre o foco narrativo, o ângulo a partir do
qual a história é narrada corresponde à:
(A) terceira pessoa do plural.
(B) primeira pessoa do singular.
(C) terceira pessoa do singular.
(D) primeira pessoa do plural.
(E) segunda pessoa do singular.
14ª Questão. Em “Como disse, eu vinha desconfiando tenuemente
de algumas amabilidades” (linha 11), o termo em destaque poderia ser substituído
sem alterar o sentido da frase por:
(A) declaradamente. (B) ingenuamente. (C) francamente.(D) tranquilamente. (E) ligeiramente.
15ª Questão. A justificativa para a ocorrência de “z” em
“gentilezas” é a mesma de:
(A) beleza. (B) gozado. (C) cozinha. (D) azedo. (E)
sozinho.
16ª Questão. O desenvolvimento do texto apresenta clara
oposição entre duas realidades distintas, explicitadas na composição do último
parágrafo, e que podem ser assim sintetizadas:
(A) de início, há a realidade factual; ao final, há o
devaneio do cronista.
(B) de início, há o devaneio do cronista, o qual
gradativamente vai se concretizando em sua vida diária.
(C) repentinamente, o devaneio do cronista se interrompe e
ele enfrenta as tensas relações sociais.
(D) gradativamente, o cronista toma consciência das
relações sociais tensas que permeiam a vida nas cidades grandes.
(E) repentinamente, as relações sociais tensas se
transformam em um universo pontuado pela solidariedade e gentileza.
17ª Questão. Em “são homenagens aos meus cabelos brancos”
(linhas 28-29), verifica-se a construção de uma metonímia (do grego, metonymía,
“emprego de um nome por outro”), figura de linguagem baseada na proximidade de
ideias entre palavras que apresentam algum tipo de relação. No caso da frase
citada, tal relação ocorre porque:
(A) a causa é entendida pelo efeito.
(B) o efeito é a causa.
(C) o continente é entendido pelo seu conteúdo.
(D) o autor é entendido por sua obra.
(E) o símbolo é entendido pela coisa simbolizada.
18ª Questão. Em “Os vizinhos de cima silenciam após as
10 da noite” (linhas 21- 22), o termo em destaque é:
(A) complemento nominal (B) locução adverbial (C) complemento verbal
(D) sujeito (E) oração subordinada adverbial
19ª Questão. Em “Difícil reconstruir a amizade, mas a
inimizade morria ali” (linhas 10-11), o conectivo estabelece relação de:
(A) adição de ideias. (B) explicação. (C) oposição de ideias.
(D) proporção de ideias. (E) complementaridade.
20ª Questão. O ditado popular que melhor dialoga com a
primeira parte do texto é:
(A) Cuidado, que o santo é de barro.
(B) Antes tarde do que nunca.
(C) A pensar morreu um burro.
(D) Quando o milagre é demais, o santo desconfia.
(E) A união faz a força.
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