O salto
"O beijo". Andre Kohn. |
A
gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa
num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns
palitos sobre o prato — pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil
afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas
entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente — você acabou
de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem
sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e
a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.
Passos
improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa
cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o
que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de
seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes,
camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o
nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas — mãos dadas no cinema, uma
poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um
sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com
tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço.
Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando
pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os
dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das
pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez,
céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde
deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente,
gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?
Tudo
que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o
espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se
tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte — quem sabe, dê certo? Não
é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa
esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer
do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas
solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos
voando. Não temos como saber se vai dar certo — o verdadeiro encontro só se dá
ao tirarmos os pés do chão –, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para
dar o salto.
(Antonio Prata, 23/12/2008)
"A descoberta do mundo" — Clarice Lispector
"O livro da solidão" — Cecília Meireles
"Rigoletto de lança-perfume" — Nelson Rodrigues
"Baú de ossos" — Pedro Nava
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De vez em quando a gente dá uns saltos desses e se estabaca no chão.rsrs
ResponderExcluirO importante é não perder a esperança, em nome do... Amor!
Vdd margarety concordo o sofr
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