A morte da tartaruga
"Little boy". Fatemeh Haghnejad. |
Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e
veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga
morta. A mãe disse: ― “Está aí assim há meia hora, chorando que nem maluco. Não
sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo mas ele continua berrando desse
jeito”. O pai examinou a situação e propôs: ― “Olha, Henriquinho. Se a
tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o
pai”. O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai,
pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse: ― “Eu
sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito
dela. Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral.” (Empregou de propósito a
palavra difícil). O menininho parou imediatamente de chorar. “Que é funeral?” O
pai lhe explicou que era um enterro. “Olha, nós vamos à rua, compramos uma
caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois
botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas
de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas,
cantamos o “Happy-Birth-Day-To-You” pra tartaruguinha morta e você assopra as
velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal,
enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia
em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?” O garotinho estava
com outra cara. “Vamos, papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no
céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela”. Saiu correndo. Enquanto o pai se
vestia, ouviu um grito no quintal. “Papai, papai, vem cá, ela está viva!” O pai
correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de
novo, normalmente. “Que bom, hein?” ― disse ― “Ela está viva! Não vamos ter que
fazer o funeral!” “Vamos sim, papai” ― disse o menino ansioso, pegando uma
pedra bem grande ― “Eu mato ela.”
MORAL: O IMPORTANTE NÃO É A MORTE, É O QUE ELA NOS TIRA.
(Millôr Fernandes, in "Fábulas fabulosas")
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