Brinquedos
incendiados
Uma noite houve um
incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram consumidos os seus
brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos um por um, de tanto
mirá-los nos mostruários – uns, pendentes de longos barbantes; outros, apenas
entrevistos em suas caixas. Ah! Maravilhosas bonecas louras, de chapéus de
seda! Pianos cujos sons cheiravam a metal e verniz! Carneirinhos lanudos, de
guizo ao pescoço! Piões zumbidores! – e uns bondes com algumas letras escritas
ao contrário, coisa que muito nos seduzia – filhotes que éramos, então, de M.
Jordain, fazendo a nossa poesia concreta antes do tempo.
"Oceane". Jeannette Guichard-Bunel |
Às vezes, num
aniversário, ou pelo Natal, conseguíamos receber de presente alguns bonequinhos
de celuloide, modestos cavalinhos de lata, bolas de gude, barquinhos sem
possibilidade de navegação... – pois aquelas admiráveis bonecas de seda e filó,
aqueles batalhões completos de soldados de chumbo, aquelas casas de madeira com
portas e janelas, isso não chegávamos a imaginar sequer para onde iria.
Amávamos os brinquedos sem esperança nem inveja, sabendo que jamais chegariam
às nossas mãos, possuindo-os apenas em sonho, como se para isso, apenas,
tivessem sido feitos.
Assim, o bando que
passava, de casa para a escola e da escola para casa, parava longo tempo a
contemplar aqueles brinquedos e lia aqueles nítidos preços, com seus cifrões e
zeros, sem muita noção do valor – porque nós, crianças, de bolsos vazios, como
namorados antigos, éramos só renúncia e amor. Bastava-nos levar na memória
aquelas imagens e deixar cravadas nelas, como setas, os nossos olhos.
Ora, uma noite, correu
a notícia de que o bazar incendiara. E foi uma espécie de festa fantástica. O
fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas pelo
bairro todo. As crianças queriam ver o incêndio de perto, não se contentavam
com portas e janelas, fugiam para a rua, onde brilhavam bombeiros entre jorros
d’água. A elas não interessavam nada peças de pano, cetins, cretones,
cobertores, que os adultos lamentavam. Sofriam pelos cavalinhos e bonecas, os
trens e palhaços, fechados, sufocados em suas grandes caixas. Brinquedos que
jamais teriam possuído, sonhos apenas da infância, amor platônico.
O incêndio, porém,
levou tudo. O bazar ficou sendo um fumoso galpão de cinzas.
Felizmente, ninguém tinha
morrido – diziam em redor. Como não tinha morrido ninguém? , pensavam as
crianças. Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos amorosos das crianças,
ali deixados.
E começávamos a
pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos.
Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós brinquedos que somos,
talvez de anjos distantes!
(Cecília Meireles)
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"O carnaval e o menino" — Carlos Heitor Cony
"Baú de ossos" — Pedro Nava
"Herbarium" — Lygia Fagundes Telles
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qual é a linguagem
ResponderExcluirdigo ela é curta e direta próxima ao leitor
ResponderExcluirpika meu fio
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