Fatec
– Prova de Língua Portuguesa - 1º Semestre – 2015
Leia
o texto para responder às questões de números 50 a 53.
Felicidade
Clandestina - Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de
cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme,
enquanto nós todas ainda éramos achatadas. (...) Mas possuía o que qualquer
criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. (...)
Ela toda era pura vingança, chupando
balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos
imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo
exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem
notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe
emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de
começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me
que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era
um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente
acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte
e que ela o emprestaria. (...)
No dia seguinte fui à sua casa,
literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não
me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o
livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu
recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas
ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia
seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o
amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí
nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O
plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte
lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para
ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse
no dia seguinte. (...) E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. (...) Eu ia
diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o
livro esteve comigo ontem, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a
outra menina. (...)
Até que um dia, quando eu estava à
porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe.
Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de
sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada
de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato
de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha
e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você
nem quis ler! (...)
Foi então que, finalmente se
refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai
emprestar
o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.”
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo
o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu
estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada.
Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar.
(...) Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. (...) Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina
para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia
orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. (...)
(http://tinyurl.com/veele-contos Acesso em: 27.08.14. Adaptado)
Questão 50 - De acordo com a leitura do texto,
pode-se afirmar que a narradora-personagem,
(A) para
conseguir um livro emprestado, mentia para a colega e fazia falsas promessas.
(B) para
conseguir um livro emprestado, ia à casa da colega a fim de humilhá-la.
(C) para
recuperar um livro emprestado, humilhava a colega, que não se importava.
(D) para
conseguir um livro emprestado, era humilhada pela colega, porém não desistia.
(E) para
recuperar um livro emprestado, procurou a mãe de uma colega, dona de livraria.
Questão 51 - Considerando as informações do texto, é
correto afirmar que a narradora-personagem possuía
(A) o desejo de
ler, mas não tinha condições de comprar o livro de Monteiro Lobato.
(B) o livro de
Monteiro Lobato, mas não o emprestava para suas amigas de colégio.
(C) uma
felicidade clandestina de emprestar os livros de Monteiro Lobato à amiga.
(D) uma colega
que gostava de emprestar os livros de Monteiro Lobato para ela.
(E) uma livraria
com obras de diversos autores, mas preferia ler as de Monteiro Lobato.
Questão 52 - Observe o trecho do texto: “e assim recebi
o livro na mão(...)”
Ao passar a
oração sublinhada nesse trecho para a voz passiva analítica, teremos:
(A) O livro era
recebido por mim.
(B) O livro é
recebido por mim.
(C) O livro será
recebido por mim.
(D) O livro foi
recebido por mim.
(E) O livro
seria recebido por mim.
Questão 53 - Leia este fragmento: “Eu estava
estonteada, e assim recebi o livro na mão.” A função sintática do termo
destacado nesse período é
(A) complemento
nominal. (B) objeto indireto. (C) objeto direto. (D) sujeito. (E) aposto.
Questão 54 - O escritor, dramaturgo e
poeta Ariano Suassuna morreu em 2014, aos 87 anos. Membro da Academia
Brasileira de Letras (ABL), esse autor traduziu em suas obras a tradição popular
do Nordeste.
Assinale
a alternativa que apresenta um trecho da obra Auto da Compadecida, de
Ariano Suassuna.
(A) “
SEVERINO
Não
pode ser, João. Eu matei o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e a mulher e
eles morreram esperando por você. Se eu não o matar, vêm-me perseguir de noite,
porque será uma injustiça com eles. (...)”
(http://tinyurl.com/lelivros
Acesso em: 20.08.14. Adaptado)
(B) “Chamava-se
João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e
lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para
João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. (...)”
(http://tinyurl.com/leitura-encantada
Acesso em: 20.08.14. Adaptado)
(C) “Havia
muito que João Romão vivia exclusivamente para essa ideia; sonhava com ela
todas as noites; comparecia a todos os leilões de materiais de construção;
arrematava madeiramentos já servidos; comprava telha em segunda mão; fazia
pechinchas
de
cal e tijolos; acumulados (...)”
(http://tinyurl.com/dominiopub-1
Acesso em: 20.08.14. Adaptado)
(D) “Aplica
esta prova a todos os órgãos e compreendes o meu princípio. Enquanto a
inteligência e a felicidade que dela se tira pela incansável acumulação de noções,
só te peço que compares Renan e o Grillo...”
(http://tinyurl.com/dominiopub-2
Acesso em: 20.08.14. Adaptado)
(E) “Nhá
Tolentina estava ficando rica de vender no arraial pastéis de carne mexida com
ossos de mão de anjinho; dos vinténs enterrados juntamente com mechas de
cabelo, em frente das casas; e do João Mangolô velho de guerra, voluntário do
mato nos tempos do Paraguai (...)”
(http://tinyurl.com/literaturapoeta-1
Acesso em: 20.08.14. Adaptado)GABARITO:
50 - D 51 - A 52 - D 53 - C 54 - A
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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Na questão 51 o gabarito oficial consta opção A)
ResponderExcluirhttp://www.vestibularfatec.com.br/provas-gabaritos/
Onde no texto se remete esta compreensão ao Salário ???
Alguém pode opinar ?
OLA, QUAL É O GABARITO?
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