TEMA DE REDAÇÃO – UNIFESP 2013
Texto 1
Os anos vividos pelo Brasil sob estado de exceção – entre 1964 e 1985 – foram marcados por contínuas violações dos direitos humanos, por parte do Estado e de seus agentes públicos. Revelações recentes e esparsas dão alguma medida do horror dos corpos torturados, dos assassinatos e dos desaparecimentos.
A implantação da Comissão da Verdade, no Brasil, em gesto que segue o já adotado em dezenas de países que passaram por regimes de exceção, poderá vir a ser o marco de uma virada histórica. Para os familiares dos desaparecidos, para os que viveram a experiência da resistência e para o país em seu conjunto. Em especial para as gerações que não viveram – e, espero, não venham a viver – o horror de serem governadas por ditadores. Elas poderão construir suas interpretações próprias a respeito da história recente do país, com base em uma narrativa que retira do silêncio experiências cruciais para o entendimento a respeito do que somos como nação.
(Renata Lessa. Sobre a verdade. Ciência Hoje, junho de 2012. Adaptado.)
Texto 3
O objeto da Comissão da Verdade deve, sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior, que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem
e medo paralisador.
Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.
Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.
Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas, que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.
A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados, mas da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus objetivos corporativos. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos, muito padecimento coletivo.
(Leonardo Boff. 1964: Golpe militar a serviço do golpe de classe. www.jb.com.br. Adaptado.)
Texto 4
Depois de muita expectativa – e com grande exposição na mídia –, foi constituída comissão para “resgatar a verdade histórica” de um período de 42 anos da vida política nacional, objetivando, fundamentalmente, detectar os casos de tortura na luta pelo poder. A História é contada por historiadores, que têm postura imparcial ao examinar os fatos que a conformaram, visto serem cientistas dedicados à análise do passado. Os que ambicionam o poder fazem a História, mas, por dela participarem, não têm a imparcialidade necessária para a reproduzir.
A Comissão da Verdade não conta, em sua composição, com nenhum historiador capaz de apurar, com rigor científico, a verdade histórica da tortura no Brasil, de 1946 a 1988. O primeiro reparo, portanto, que faço à sua constituição é o de que “não historiadores” foram encarregados de contar a História daquele período. Conheço seis dos sete membros da comissão e tenho por eles grande respeito, além de amizade com alguns. Não possuem, no entanto, a qualificação científica para o trabalho que lhes foi atribuído.
O segundo reparo é que estiveram envolvidos com os acontecimentos daquele período. Em debate com o ex-deputado Ayrton Soares, perguntou-me o amigo e colega – que defendia a constituição de comissão para essa finalidade, enquanto eu não via necessidade de sua criação – se eu participaria dela, se fosse convidado. Disse-lhe que não, pois, apesar de ser membro da Academia Paulista de História, estive envolvido nos acontecimentos.
O terceiro reparo é que alguns de seus membros pretendem que a verdade seja seletiva. Tortura praticada por guerrilheiro não será apurada, só a que tenha sido levada a efeito por militares e agentes públicos. O que vale dizer: lança-se a imparcialidade para o espaço, dando a impressão de que guerrilheiro, quando tortura, pratica um ato sagrado; já os militares, um ato demoníaco.
O quarto reparo é que muitos guerrilheiros foram treinados em Cuba, pela mais sangrenta ditadura das Américas no século 20. Um bom número de guerrilheiros não queria, pois, a democracia, mas uma ditadura à moda cubana. Radicalizaram o processo de redemocratização a tal ponto que a imprensa passou a ser permanentemente censurada. Estou convencido de que esse radicalismo e os ideais da ditadura cubana que o inspiraram apenas atrasaram o processo de redemocratização e dificultaram uma solução acordada e não sangrenta.
O quinto aspecto que me parece importante destacar é que, a meu ver, a redemocratização se deveu ao trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se tornou a voz e os pulmões da sociedade.
Por fim, num país que deveria olhar para o futuro, em vez de remoer o passado – tese que levou guerrilheiros, advogados e o próprio governo militar a acordarem a Lei da Anistia, colocando uma pedra sobre aqueles tempos conturbados –, a comissão é inoportuna. Parafraseando Vicente Rao, esta volta ao pretérito parece ser contra o “sistema da natureza, pois para o tempo que já se foi, fará reviver as nossas dores, sem nos restituir nossas esperanças”.
(Ives Gandra Silva Martins. A Comissão da Verdade e a verdade histórica. www.estadao.com.br. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, redija um texto dissertativo, obedecendo à norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
Comissão da Verdade: que verdade alcançar?
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