PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA - UERJ - 2010
FILME
Berenice não gostava de ir ao cinema, de
modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta;
não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se
sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o
verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
05 o sábado, dia que habitualmente o pai,
homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia
fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado,
finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de
joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um
homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
10 da filha que o acompanhasse (viúvo
desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada
disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao
cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos.
Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
15 os olhos, mantendo-os assim durante
toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar
a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando,
naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR - In:
Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
Questão 01 - Em certo momento do texto, percebe-se a
introdução da fala das personagens mesclada à fala do narrador. A presença do
diálogo nesta narrativa tem como principal efeito:
(A) marcar a aceleração
do tempo
(B) evidenciar o conflito
entre as personagens
(C) promover a
alternância do foco narrativo
(D) assinalar a
sequenciação dos elementos do enredo
Questão 02 - Berenice não gostava de
ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. (l. 1)
O período acima pode ser reescrito,
mantendo-se seu sentido original, da seguinte forma:
(A) Como Berenice não
gostava de ir ao cinema, o pai a levava à força.
(B) Quando Berenice não
gostava de ir ao cinema, o pai a levava à força.
(C) Enquanto o pai a
levava à força, Berenice não gostava de ir ao cinema.
(D) À proporção que o pai
a levava à força, Berenice não gostava de ir ao cinema.
Questão 03 - Por fim, aprendeu a se
proteger. (l. 13)
A forma de proteção
desenvolvida por Berenice reforça um traço temático central do texto.
A palavra que melhor
define esse traço é:
(A) submissão (B) intolerância (C) dissimulação (D) incomunicabilidade
Questão 04 - À medida que se
aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa; (l. 6) A expressão grifada
contribui para a construção da tensão narrativa, porque está relacionada com:
(A) a passagem do tempo (B) a complicação
crescente
(C) o desfecho surpreendente (D) a evolução da personagem
(C) o desfecho surpreendente (D) a evolução da personagem
Questão 05 - Era de outro filme que
estava falando, naturalmente. (l. 19) Neste trecho, o termo em
destaque cumpre a função de:
(A) afirmar ponto de
vista (B) projetar ideia de
modo
(C) revelar sentimento
oculto (D) expressar sentido
reiterativo
COM BASE NO TEXTO
ABAIXO, RESPONDA ÀS QUESTÕES DE NÚMEROS 6 a 8.
www2.uol.com.br/laerte/tiras/overman
Questão 06 - No contexto,
a comparação entre o primeiro e o último quadrinho produz humor. A produção de
humor se deve ao seguinte recurso:
(A) destaque de uma
situação embaraçosa (B) demonstração de uma
atitude caricatural
(C) desconstrução de uma
expectativa do leitor (D) negação de uma
característica do personagem
Questão 07 - ... mal posso acreditar
que acabo de inventá-la! Tendo em vista o conjunto
dos efeitos verbais e não verbais expressos no último quadrinho, pode-se dizer
que o conectivo mal contribui para exprimir
sentido de:
(A) horror e descrença (B) dor e desesperança (C) surpresa e desencanto (D) constatação e
desespero
Questão 08 - Para melhor
compreensão da tira, o leitor precisa reconhecer alguns elementos implícitos. O
fragmento que torna mais evidente essa necessidade é:
(A) “Minha inimiga mais
terrível... a LOUVA DEUSA!”
(B) “Uma assassina fria e
cruel!”
(C) “... os que
sobrevivem ao seu ataque... têm inveja dos que morrem!”
(D) “... seus poderes são
sobre-humanos!!”
COM BASE NO TEXTO
ABAIXO, RESPONDA ÀS QUESTÕES DE NÚMEROS 9 A 13.
Existe sempre um conceito por trás do que
faço, só que nem sempre a montagem se completa. Os
conceitos se escondem no subconsciente.
Ziguezagues que atordoam.
Quando o xadrez funciona, o conceito é
formado por encaixes eliminando a importância exagerada que
poderia ser dada a certas fotos mais
formais.
Não são acasos felizes, pois, desde o
começo de um projeto, uma ideia já existe; apenas ela é flexível e
se deixa impregnar pela existência das
pessoas fotografadas. O interessante é fazer a matéria externa
vibrar em toda sua força de maneira que
seja espelho de minhas intenções, sem deixar de ser espelho
da vida. CORAÇÃO ESPELHO DA CARNE.
Edward Weston diz nos “Notebooks”
que “a câmera deve ser usada para documentar a vida”. Documentar
no sentido íntegro, não o bater chapa
automático de algum acontecimento mais importante histórico
ou socialmente, porém o documento de vida.
Diria que revelar essa vida, essa força, é o essencial,
pois de qualquer forma documento sempre
será a foto tomada. Ele continua: “rendendo a verdadeira
substância da coisa em si, seja ela aço
polido ou carne palpitante”.
MIGUEL RIO BRANCO
(fotógrafo) - Notes on the tides. Rio de Janeiro: Sol
Gráfica , 2006.
Questão 09 - de maneira que seja
espelho de minhas intenções, sem deixar de ser espelho da vida. (l. 7-8). O significado
essencial do fragmento destacado acima também pode ser observado em:
(A) Os conceitos se
escondem no subconsciente. (l. 1-2)
(B) Quando o xadrez
funciona, o conceito é formado por encaixes (l. 3)
(C) pois, desde o começo
de um projeto, uma ideia já existe; (l. 5)
(D) e se deixa impregnar
pela existência das pessoas fotografadas. (l. 5-6)
Questão 10 - O autor
afirma que o processo da criação artística parte de um conceito. No texto, o sentido dado
à palavra “conceito” se opõe a:
(A) subconsciente (l. 2) (B) fotos (l. 4) (C) acasos (l. 5) (D) pessoas (l. 6)
Questão 11 - “rendendo a verdadeira substância da coisa em
si, seja ela aço polido ou carne palpitante”. (l. 12-13) O emprego do
conectivo grifado, no contexto, explica-se porque:
(A) revela ideias
excludentes entre si (B) expressa fatos em
sequência cronológica
(C) representa
acontecimentos em simultaneidade (D) enfatiza a existência
de mais de uma alternativa
Questão 12 - Existe sempre um
conceito por trás do que faço, só que nem sempre a montagem se completa. (l. 1) Em relação ao que
foi dito anteriormente, o uso da expressão destacada tem o valor de:
(A) realce (B) ressalva (C) exclusão (D) contestação
Questão 13 - O texto
apresenta algumas figuras de estilo, como, por exemplo, a metáfora. O par de vocábulos com
emprego metafórico está indicado em:
(A) ziguezagues (l. 2) - xadrez (l. 3) (B) subconsciente (l. 2) - espelho (l. 7)
(C) matéria (l. 6) - carne (l. 8) (D) substância (l. 13) - aço (l. 13)
COM BASE NO TEXTO
ABAIXO, RESPONDA ÀS QUESTÕES DE NÚMEROS 14 e 15.
Não-coisa
O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?
A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes
(...)
No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.
O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura – e iluminá-la.
Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
– essa voz somos nós.
Ferreira Gullar - Cadernos de literatura
brasileira. São Paulo: Instituto
Moreira Salles, 1998.
Questão 14 - A primeira
estrofe expõe ideias no campo da metalinguagem, já que apresenta concepções
acerca da própria linguagem poética. Os versos que mais se
aproximam dessas ideias são:
(A) Uma fruta uma flor /
um odor que relume... (l. 5-6)
(B) sem permitir, porém,
/ que perca a transparência (l. 25-26)
(C) é torná-la aparência
/ pura - e iluminá-la. (l. 31-32)
(D) Toda coisa tem peso:
/ uma noite em seu centro. (l. 33-34)
Questão 15 - O poema
sugere que o saber está relacionado à experiência. Essa relação encontra-se
expressa principalmente nos seguintes versos:
(A) Como dizer o sabor, /
seu clarão seu perfume? (l. 7-8)
(B) A linguagem dispõe /
de conceitos, de nomes (l. 13-14)
(C) mas o gosto da fruta
/ só o sabes se a comes (l. 15-16)
(D) já que a coisa é
fechada / à humana consciência. (l. 27-28)
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