PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA - UERJ - 2015
Angeli
Folha de São Paulo, 17/12/2013
QUESTÃO 01 - No cartum, há uma
alusão aos “rolezinhos”, manifestações em que jovens, em geral oriundos de periferias,
formam grandes grupos para circular dentro de shoppings. Com base no diálogo
entre os guardas e nos elementos visuais que compõem o cartum, é
possível inferir uma crítica do
cartunista baseada no seguinte fato:
(A) os jovens se descontrolam em
grupos muito numerosos
(B) os guardas pertencem à mesma
classe social dos jovens
(C) os guardas hesitam no
cumprimento de medida repressiva
(D) os jovens ameaçam as
atividades comerciais dos shoppings
QUESTÃO 02 - Por meio de aspectos
gráficos, o cartum sugere o caráter generalizante que pode ter um preconceito. Um
aspecto que aponta para essa generalização é:
(A) o traçado plano do cenário
principal
(B) a forma difusa das pessoas ao
fundo
(C) o destaque dado ao letreiro
do shopping
(D) a nitidez da representação
dos dois guardas
O ARRASTÃO
Estarrecedor,
nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em dizer
o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de
escravos, como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte
para o trabalho às quatro e meia das manhãs de todas as semanas, que administra
com o marido um ganho de mil e seiscentos reais, que paga pontualmente seus
carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros, é baleada em circunstâncias
não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no porta-malas de um
carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto, pelo
asfalto do Rio.
Não
vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as
vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são
ouvidos. Mas, antes das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir
fora do script, escancarou um real que está acostumado a existir na sombra.
O
marido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse
como abriu (por obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais
um caso”. Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada1 pela surdez da
praxe2, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras.
É
uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas
porque destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos
surrealistas3), uma cena recalcada4 da consciência nacional, com tudo o que tem
de violência naturalizada e corriqueira, tratamento degradante dado aos pobres,
estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta transformada em trapalhada transcendental5,
além de um índice grotesco de métodos de camuflagem e desaparição de pessoas.
Pois assim como Amarildo6 é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito
tempo, Cláudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se
ou não, como o verso e o reverso do mesmo.
O
acaso da queda de Cláudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do
desaparecimento de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do
carnaval de horror que escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um
Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no
carro alegórico do Brasil.
José Miguel Wisnik - Adaptado de
oglobo.globo.com, 22/03/2014.
1 aplainada − nivelada
2 praxe − prática, hábito
3 surrealistas − participantes de
movimento artístico do século 20 que enfatiza o papel do inconsciente
4 recalcada − fortemente
reprimida
5 transcendental − que supera
todos os limites
6 Amarildo − pedreiro
desaparecido na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, em 2013, depois de ser
detido por policiais
QUESTÃO 03 - No início do texto,
ao expressar sua indignação em relação ao tema abordado, o autor apresenta uma
reflexão sobre o emprego de adjetivos. Essa reflexão está associada à seguinte
ideia:
(A) o fato exige análise
criteriosa
(B) o contexto constrói
ambiguidade
(C) a linguagem se mostra
insuficiente
(D) a violência pede descrição
cuidadosa
QUESTÃO 04 - Todas as vozes terão
que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos.
Esta frase contém um ponto de
vista que se baseia na pressuposição da existência de:
(A) testemunhas omissas do caso
(B) falhas importantes nos
processos
(C) segmentos excluídos da
população
(D) imparcialidades frequentes
nos julgamentos
QUESTÃO 05 - Ele está dizendo:
seria uma morte anônima, aplainada pela surdez da praxe, pela invisibilidade,
uma morte não questionada, como tantas outras.
Logo após citar a declaração do
marido de Cláudia, o autor a explica.
Em relação a essa declaração, a
explicação do autor produz o efeito de:
(A) enfatizar seu conteúdo
(B) corrigir sua construção
(C) enumerar seus detalhes
(D) contrapor-se a sua
simplicidade
QUESTÃO 06 - É uma imagem
verdadeiramente surreal,
Na argumentação desenvolvida pelo
autor, a imagem do porta-malas do carro da polícia expressa sentidos ambivalentes em
relação à violência. Esses sentidos podem ser
definidos como:
(A) achar − perder (B) socorrer − redimir (C) esconder − revelar (D) orientar − desorientar
QUESTÃO 07 - Pois assim como
Amarildo é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Cláudia é
aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso
e o reverso do mesmo.
Neste trecho, para aproximar dois
casos recentemente noticiados na imprensa, o autor emprega um recurso de
linguagem denominado:
(A) antítese (B) negação (C)
metonímia (D) personificação
QUESTÃO 08 - Aquele carro é o
carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que
não se transforme no carro alegórico do Brasil.
A sequência do emprego dos
artigos em “de um Brasil” e “do Brasil” representa uma relação de sentido entre
as duas expressões, intimamente ligada a uma preocupação social por parte do autor
do texto.
Essa relação de sentido pode ser
definida como:
(A) ironia (B) conclusão (C)
causalidade (D) generalização
Medo e vergonha
O
medo é um evento poderoso que toma o nosso corpo, nos põe em xeque, paralisa
alguns e atiça a criatividade de outros. Uma pessoa em estado de pavor é dona
de uma energia extra capaz de feitos incríveis.
Um
amigo nosso, quando era adolescente, aproveitou a viagem dos pais da namorada
para ficar na casa dela. Os pais voltaram mais cedo e, pego em flagrante, nosso
Romeu teve a brilhante ideia de pular, pelado, do segundo andar. Está vivo. Tem
hoje essa incrível história pra contar, mas deve se lembrar muito bem da
vergonha.
Me
lembrei dessa história por conta de outra completamente diferente, mas na qual
também vi meu medo me deixar em maus lençóis.
Estava
caminhando pelo bairro quando resolvi explorar umas ruas mais desertas. De
repente, vejo um menino encostado num muro. Parecia um menino de rua, tinha
seus 15, 16 anos e, quando me viu, fixou o olhar e apertou o passo na minha
direção. Não pestanejei. Saí correndo. Correndo mesmo, na mais alta performance
de minhas pernas.
No
meio da corrida, comecei a pensar se ele iria mesmo me assaltar. Uma onda de
vergonha foi me invadindo. O rapaz estava me vendo correr. E se eu tivesse me
enganado? E se ele não fosse fazer nada? Mesmo que fosse. Ter sido flagrada no
meu medo e preconceito daquela forma já me deixava numa desvantagem fulminante.
Não
sou uma pessoa medrosa por excelência, mas, naquele dia, o olhar, o gesto,
alguma coisa no rapaz acionou imediatamente o motor de minhas pernas e, quando
me dei conta, já estava em disparada.
Fui
chegando ofegante a uma esquina, os motoristas de um ponto de táxi me
perguntaram o que tinha acontecido e eu, um tanto constrangida, disse que tinha
ficado com medo. Me contaram que ele vivia por ali, tomando conta dos carros.
Fervi de vergonha.
O
menino passou do outro lado da rua e, percebendo que eu olhava, imitou minha
corridinha, fazendo um gesto de desprezo. Tive vontade de sentar na guia1 e
chorar. Ele só tinha me olhado, e o resto tinha sido produto legítimo do meu
preconceito.
Fui
atrás dele. Não consegui carregar tamanha bigorna2 pra casa. “Ei!” Ele demorou
a virar. Se eu pensava que ele assaltava, ele também não podia imaginar que eu
pedisse desculpas. Insisti: “Desculpa!” Ele virou. Seu olhar agora não era mais
de ladrão, e sim de professor. Me perdoou com um sinal de positivo ainda cheio
de desprezo. Fui pra casa pelada, igual ao Romeu suicida.
Denise Fraga - folha.uol.com.br,
08/01/2013
1 guia − meio-fio da calçada
2 bigorna − bloco de ferro para
confecção de instrumentos
QUESTÃO 09 - No primeiro
parágrafo, apresentam-se algumas características do medo, quase todas
positivas, mas se omite uma de suas características negativas, tematizada no
decorrer do texto. Esta característica negativa do medo é a de:
(A) basear-se em fatos (B) ter vergonha do sentimento
(C) reforçar um constrangimento (D) ser motivado por preconceito
QUESTÃO 10 - A crônica é um
gênero textual que frequentemente usa uma linguagem mais informal e próxima da
oralidade, pouco preocupada com a rigidez da chamada norma culta. Um exemplo
claro dessa linguagem informal, presente no texto, está em:
(A) O medo é um evento poderoso
que toma o nosso corpo, (l. 1)
(B) Me lembrei dessa história por
conta de outra completamente diferente, (l. 8)
(C) De repente, vejo um menino
encostado num muro. (l. 10-11)
(D) ele também não podia imaginar
que eu pedisse desculpas. (l. 28)
QUESTÃO 11 - Seu olhar agora não
era mais de ladrão, e sim de professor. (l. 29)
A frase deixa subentendida a
ideia de que o menino foi capaz de ensinar, pelo exemplo, algo à autora. Esse
ensinamento dado pelo menino está ligado à capacidade de:
(A) perdoar (B) desprezar (C)
desculpar-se (D) arrepender-se
QUESTÃO 12 - Na última frase da
crônica, a autora correlaciona dois episódios. Em ambos, aparece o atributo “pelado(a)”.
No entanto, esse atributo tem significado diferente em cada um dos episódios. No
texto, o significado de cada termo se caracteriza por ser, respectivamente:
(A) literal e figurado (B) geral e particular (C) descritivo e irônico (D) ambíguo e polissêmico
CANÇÃO DO VER
Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente
brincava de pique
e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e
borboletas.
Eu quis filmar o abandono do
poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se
pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em
árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir
arrulos1 de passarinhos
que um dia teriam cantado entre
as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a
ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o
chão − como alguém
que procurasse o chão para
repouso.
Tivemos saudades de nós.
Manoel de Barros - Poesia
completa. São Paulo: Leya, 2010.
1 arrulos − canto ou gemido de
rolas e pombas
QUESTÃO 13 - No poema, o poste é
associado à própria vida do eu poético. Nessa associação, a imagem do poste se
constrói pelo seguinte recurso da linguagem:
(A) anáfora (B) metáfora (C)
sinonímia (D) hipérbole
QUESTÃO 14 - O título Canção do
ver reúne duas esferas diferentes dos sentidos humanos: audição e visão. No
entanto, no decorrer do poema, a visão predomina sobre a audição. Os dois
elementos que confirmam isso são:
(A) o imobilismo do poste e a
saudade dos tempos passados
(B) a inclinação do poste e sua
adoção pela paisagem natural
(C) a aparência do poste e a
suposição do arrulo dos passarinhos
(D) o silêncio do poste e a
impossibilidade de transcrição musical
QUESTÃO 15 - Agora ele estava tão
verdinho! (v. 4)
De modo diferente do que ocorre
em passarinhos, o emprego do diminutivo, no verso acima, contribui para
expressar um sentido de:
(A) oposição (B) gradação (C)
proporção (D) intensidade
QUESTÃO 16 - A memória expressa pelo enunciador do texto
não pertence somente a ele. Na construção do poema, essa ideia é reforçada pelo
emprego de:
(A) tempo passado e presente (B) linguagem visual e musical
(C) descrição objetiva e
subjetiva (D) primeira pessoa do singular e
do plural
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