A
Iara
— Vamos à cachoeira onde mora a Iara —
disse. — Essa rainha das águas costuma aparecer sobre as pedras nas noites de
lua. É muito possível que possamos surpreendê-la a pentear seus lindos cabelos
verdes com o pente de ouro que usa.
— Dizem que é criatura muito perigosa —
murmurou Pedrinho.— Perigosíssima — declarou o Saci. — Todo cuidado é pouco. A
beleza da Iara dói tanto na vista dos homens que os cega e os puxa para o fundo
d’água. A Iara tem a mesma beleza venenosa das sereias. Você vai fazer tudo
direitinho como eu mandar. Do contrário, era uma vez o neto de Dona Benta!...
Pedrinho prometeu obedecer cegamente.
Andaram, andaram, andaram. Por fim,
chegaram a uma grande cachoeira cujo ruído já vinham ouvindo de longe.
— É ali — disse o perneta, apontando. —
É ali que ela costuma vir pentear-se ao luar. Mas você não pode vê-la. Tem de
ficar bem quietinho, escondido aqui atrás desta pedra e sem licença de pôr os
olhos na Iara. Se não fizer assim, há de arrepender-se amargamente. O menos que
poderá acontecer é ficar cego.
Pedrinho prometeu, e de medo de não
cumprir o prometido foi logo tapando os olhos com as mãos.
O Saci partiu, saltando de pedra em
pedra, para logo desaparecer por entre as moitas de samambaias e begônias
silvestres.
Vendo-se só, Pedrinho arrependeu-se de
haver prometido conservar-se de olhos fechados. Já tinha visto o Lobisomem, o
Caipora, o Curupira, a Cuca. Por que não havia de ver a Iara também? O que
diziam do poder fatal de seus encantos certamente que era exagero. Além disso,
poderia usar um recurso: espiar com um olho só. O gosto de contar a toda gente
que tinha visto a famosa Iara valia bem um olho.
Assim pensando, e não podendo por mais
tempo resistir à tentação, fez como o Saci: foi pulando de pedra em pedra, seguindo
o mesmo caminho por ele seguido.
Súbito, estacou, como fulminado pelo
raio. Ao galgar uma pedra mais alta do que as outras, viu, a cinqüenta metros
de distância, uma ninfa de deslumbrante beleza, em repouso numa pedra verde de
limo, a pentear-se com um pente de ouro os longos cabelos verdes cor do mar.
Mirava-se no espelho das águas, que naquele ponto formavam uma bacia de
superfície parada. Em torno dela centenas de vaga-lumes descreviam círculos no
ar; eram a coroa viva da rainha das águas. Jóia bela assim, pensou Pedrinho,
nenhuma rainha da terra jamais possuiu. A tonteira que a vista da Iara causa
nos mortais tomou conta dele. Esqueceu até do seu plano de olhar com um olho
só. Olhava com os dois arregaladíssimos, e cem olhos que tivesse, com todos os
cem olharia.
Enquanto isso, ia o Saci se aproximando
da mãe-d’água, cautelosamente, com infinitos de astúcia para que ela nada
percebesse. Quando chegou a poucos metros de distância, deu um pulo de gato e
nhoque! furtou-lhe um fio de cabelo.
O susto da Iara foi grande. Desferiu um
grito e precipitou-se nas águas, desaparecendo.
(Monteiro Lobato, in “Viagem ao céu e O Saci”)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
"O guardador de rebanhos" — Alberto Caeiro
"Lembrança rural" — Cecília Meireles
Conheça as apostilas de literatura do blog Veredas da Língua. Clique em uma das imagens abaixo e saiba como adquiri-las.
ATENÇÃO: Além das apostilas, o aluno recebe também, GRATUITAMENTE, o programa em Powerpoint: 500 TEMAS DE REDAÇÃO
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário