O pôr-do-sol no Peloponeso
Agora
que as férias acabaram e todo mundo está voltando com as malas cheias de
narrativas fantásticas, devo advertir que é necessário desconfiar. Desconfiar
sempre, como dizem em Minas. Porque se há um lado de revelação e encantamento,
a viagem é quando o ser humano entra em total desamparo. Fica tão exposto e
frágil quanto um recém-nascido. Por isto, toda vez que vejo um turista com aquele
olhar de santo paspalhão pedindo socorro e informações, tenho ímpetos de
acolhê-lo em minha casa, dar-lhe sopa quente, cobertor e cantar-lhe uma canção
de ninar.
"Amanhecer". 1944. Juan Miró. |
Por
exemplo: seu eu dissesse que vi o pôr-do-sol no Peloponeso as pessoas iam ficar
imediatamente mortas de inveja. Ah, o pôr-do-sol no Peloponeso! Ah, a Grécia! Os
mitos! Uma lua-de-mel entre ilhas mágicas! Um Peloponeso na minha vida, era
tudo o que eu precisava!
Mentira.
Eu lhes digo o que é um pôr-do-sol no Peloponeso.
Primeiro
alguém lhe conta num belíssima cartão-postal vindo da Grécia que está num navio indo da Itália para a
Grécia. E descreve tantas e tais maravilhas, que você já não quer mais nada,
senão vender terreno e ações, fazer dívida e pegar aquele navio com a pessoa
amada.
Foi
o que fiz. A companhia de turismo nos dizia que desceríamos de trem em
Brindisi, sul da Itália, e a estação era em frente ao cais. Não era. E chovia.
E até descermos as malas os taxias acabaram. Andando na chuva com malas
consegui um.
Chegamos
ao porto. Não se entrava logo no navio. Subíamos e descíamos prédios carregando
malas, carimbando passaportes, até chegar na escada do navio. Chovia. E havia
uma fila. E chovia. E havia três andares para subir de escadas. Nenhum
funcionário para subir as malas. Ao contrário. A fila não andava. Porque em
cada andar havia um funcionário com uma mesinha para recarimbar documentos.
Enfim,
chega-se ao convés. E toda a procurar a cabine. Acho que tinha dois metros
quadrados. Se um abrisse a mala ou o armário, o outro tinha que sair da cabine.
Mas o que é isto para quem vai ver o pôr-do-sol no Peloponeso? Enfrenta-se tudo
e uma enorme fila no restaurante-bandejão, porque o pequeno restaurante, que é melhor,
tem horário certo e já fechou.
Mas
o peloponeso, Delfos, Atenas, Corinto, Homero, Macedônia e Beócio nos esperam.
Beócios estamos nós vendo o tombadilho coalhado de estudantes dormindo pelo chão.
E, como chovia, se amontoavam como num navio de imigrantes. Mesmo assim,
apagamos. Mas não se sabe por que, às cinco da manhã marinheiros aflitos batem
em nossa porta, anunciando ilhas,
que nenhum sonolento quer ver.
Até depois do almoço não há novidades
no front. Mas começam a avisar por alto-falante que todos os passageiros tinham
que se dirigir às três da tarde para o convés esquerdo para o desembarque. E
como exigem que evacuemos a cabine começamos a subir e descer escada com malas
até chegar ao convés. Ia-se desembarcar em Patras. A multidão que ali estava
acumulada com mochilas e malas parecia estar filmando o desembarque do Exodus
na Palestina. E ali permanecemos, como sardinhas, para nada, duas horas em pé,
sem poder voltar para dentro do navio, sem poder descer.
E começa o entardecer no Peloponeso. Lá
pelas seis apenas descemos ao trambolhões com malas. Andaremos quinhentos
metros, com malas, atravessando todo
o cais. E como a fila para trocar
moedas gregas é grande, e passam os turistas em grupo na frente, perderemos o
trem para Atenas. E como não há mais táxi, andaremos um quilômetro. Agora sei
que são a Maratona e os Doze Trabalhos de Hércules. Enfim, famintos e desolados,
descolamos um ônibus tardiamente para Atenas. Aí um grego gentil me promete um belíssimo
hotel, que era tudo o que precisávamos. Claro, em Antenas o chofer nos levou
para uma pocilga, pois ganhava para isto. E às duas da manhã mudei para uma
pocilga melhor, até poder no dia seguinte começar uma viagem realmente
encantatória, inigualável, inesquecível.
Mas por enquanto estou com a mulher no
convés do navio olhando para o porto de Patras, num vento frio safado. Eu,
desoladíssimo, olho para ela, magnânima, compreensiva e generosa aponta para o horizonte
e diz irônica: "Olha, o pôr-do-sol no Peloponeso!".
Olhei e vi. Era realmente o pôr-do-sol
no Peloponeso.
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Mário Faustino – Poemas
"O craque sem idade" – Nelson Rodrigues
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