TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO
– 2017 – 1º Semestre
Produza
um texto dissertativo-argumentativo — com cerca de 25 linhas e título sugestivo
—, discorrendo sobre se é possível (recomendável, viável, desejável) — ou
não — responder às agressões do mundo contemporâneo com afeto. Os
trechos a seguir têm por objetivo ajudá-lo a desenvolver suas próprias ideias
acerca do assunto. Esses trechos — assim como os da prova de Português e
Literatura — podem ser reproduzidos, em parte, na sua redação, mas em forma de
DISCURSO INDIRETO ou de PARÁFRASE, com menção às devidas fontes. NÃO ASSINE.
1. Trecho
adaptado do artigo “O afeto no tempo” (2005)1 , do psicanalista Carlos Pinto
Corrêa
Afeto é
a adesão por outrem, designando um estado moral — bom ou mau. É, também, uma
disposição de alma: agrado e desagrado; emoção (amizade, amor, ira, paixão). Na
filosofia, entendem-se como afeto, em seu senso comum, as emoções positivas que
se referem a pessoas e que não têm o caráter dominantemente totalitário da
paixão. Enquanto as emoções podem se referir a pessoas e coisas, os afetos são
emoções que acompanham algumas relações interpessoais, das quais fica excluída
a dominação pela paixão. Daí a temporalidade indicada pelo adjetivo afetuoso
que traduz atitudes como a bondade, a benevolência, a inclinação, a devoção, a
proteção, o apego, a gratidão, a ternura, etc. Segundo o filósofo italiano
Nicola Abbagnano (1901-1990), a palavra “afeição” é usada, filosoficamente, em
sua maior extensão e generalidade: designa toda condição que consiste em
“sofrer uma ação, sendo influenciado ou modificado por ela”. Implica, portanto,
uma ação sofrida. Diz-se que um metal é afetado pelo ácido, e que alguém tem
uma afecção pulmonar, mas as palavras afeto e paixão são reservadas aos
humanos. [...] O homem moderno parece viver uma espécie de
contradição
com o tempo, uma disputa em que as horas são, ao mesmo tempo, amigas e
inimigas. Com isso, o tempo perde sua suposta condição de objetividade,
tornando-se um ponto de incidência de suas reações afetivas. O tempo que passa,
o difícil dia que se finda, a marca atenuada ou culposa do passado, a
implacável incisão do presente, ou o campo de incertezas do futuro, são marcas
de uma adjetivação clara em que falar do tempo sugere sempre uma conotação de bom,
mau, produtivo, triste, alegre. O afeto incide sobre o tempo vivido
transformando-o e tornando-o um atributo (com qualidades que não pertencem à
sua essência). Estados diferentes de afeto são responsáveis pela percepção
alterada do tempo. Já se definiu a angústia como uma concentração de tempo.
Palavras, ocorrências, dificuldades a resolver, o trabalho e afetos diferentes,
muitas vezes coisas toleráveis a seu tempo, se reúnem em um espaço de tempo
impossível à consciência. De outra forma, a relação entre afeto e percepção
subjetiva do tempo é uma vivência comum a todos nós. A lentidão do tempo de
sofrimento e de espera e o tédio imobilizador do relógio fazem contraponto aos
momentos felizes, ao encontro com o prazer, quando tudo passa tão depressa.
2. Trecho
adaptado da entrevista — “Entre o afeto e a agressão, como nos relacionamos?”2 —
com Maria Rita Bicalho Kehl, publicada na edição 327, de junho de 2002, do
“Jornal Mundo Jovem”
Costumamos
usar a palavra cordial num sentido afetivo, simpático, doce. Entretanto, é um
termo que foi usado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda para definir um
modo de dominação próprio da cultura brasileira. Ele usa esse termo no seu
sentido bem radical mesmo: cordial, no dicionário, é aquilo que é do coração.
Assim, dizer que, no Brasil, a cultura é cordial não tem nada a ver com o
cordial no sentido de simpático, bonzinho, mas no sentido de guiado pelo
coração. E isso significa que as relações podem ser muito afetuosas, ou muito
sedutoras, mas que também podem ser muito violentas, muito agressivas. Estou
fazendo esse percurso só para chegar à atualidade, no início do século XXI,
porque a gente tem a impressão, ainda hoje, de que se vivia num país cordial,
no sentido do senso comum dessa palavra, e que, de décadas para cá, o país se
tornou violento. De repente acabou a cordialidade nas relações interpessoais?
Subitamente, todos nos tornamos agressivos? Tenho a impressão de que não. O que
nós vemos hoje é consequência da cordialidade na cultura brasileira. Nunca se
estabeleceu um modo de livre negociação entre as classes, em que as que são
exploradas, como acontece em qualquer lugar do mundo, tivessem uma certa
dignidade, uma certa possibilidade de apresentar as suas reivindicações, de se
fazer ouvir, de se fazer respeitar. Todos estão sempre esperando aparecer um
favor daqui, uma proteção dali, um jeitinho. E enquanto isso não vai
acontecendo, o outro modo de se impor é pela violência. Vivemos o limite da
cordialidade com uma cultura impregnada, ao mesmo tempo, de sedução afetiva e
de violência. São as duas faces da moeda.
1 Disponível
em: <http://www.cbp.org.br/rev2806.htm>. Acesso em: 31 jul. 2016.
2 Disponível
em:
<http://www.mundojovem.com.br/entrevistas/edicao-327-entrevista-entre-o-afeto-e-a-agressao-como-nos-relacionamos>.
Acesso em:
31 jul. 2016.
3. Trecho
de palestra da escritora Adélia Prado, publicada na revista “Ecológico”
(28/10/2013)3
“Quando
falo em ética e poesia, estou falando de dois fenômenos humanos que nascem,
como diria Guimarães Rosa, da ‘terceira margem da alma’, que é onde brota a
criação artística e onde se estabelece em nós a sensibilidade. O senso moral e
o senso estético da beleza não são uma invenção do homem, mas uma descoberta.
Acredito que, para fazer e consumir poesia, assim como para tratar um doente, é
absolutamente necessário considerar os afetos. Sou afetada em minha vida e
aquilo que me faz feliz ou infeliz não é uma coisa que eu sei, mas algo que
sinto. Do ponto de vista acadêmico, posso ser o melhor da turma, o que detém
mais títulos, mas se eu não tiver o olhar, uma atenção real para o outro, todo
o meu saber científico não vai trabalhar em função da cura. As nossas doenças e
dificuldades nascem nesse lugar onde eu me faço pessoa e, para existir de modo
feliz, eu preciso ser amada e amar.”
3 Disponível
em: <http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=71&secao=1121&mat=1213>.
Acesso em: 30 jul. 2016.
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