FUVEST 2013 – 1º FASE
– PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
Texto para as questões de 68 a 70
Vivendo e...
Eu sabia fazer pipa e hoje não sei mais.
Duvido que se hoje pegasse uma bola de gude conseguisse equilibrá-la na dobra
do dedo indicador sobre a unha do polegar, quanto mais jogá-la com a precisão
que tinha quando era garoto. (...)
Juntando-se as duas mãos de um determinado
jeito, com os polegares para dentro, e assoprando pelo buraquinho, tirava-se um
silvo bonito que inclusive variava de tom conforme o posicionamento das mãos. Hoje
não sei mais que jeito é esse. Eu sabia a fórmula de fazer cola caseira. Algo
envolvendo farinha e água e muita confusão na cozinha, de onde éramos expulsos sob
ameaças. Hoje não sei mais. A gente começava a contar depois de ver um
relâmpago e o número a que chegasse quando ouvia a trovoada, multiplicado por outro
número, dava a distância exata do relâmpago. Não me lembro mais dos números.
(...)
Lembro o orgulho com que consegui, pela
primeira vez, cuspir corretamente pelo espaço adequado entre os dentes de cima
e a ponta da língua de modo que o cuspe ganhasse distância e pudesse ser
mirado. Com prática, conseguia-se controlar a trajetória elíptica da cusparada
com uma mínima margem de erro. Era puro instinto. Hoje o mesmo feito requereria
complicados cálculos de balística, e eu provavelmente só acertaria a frente da
minha camisa. Outra habilidade perdida.
Na verdade, deve-se revisar aquela antiga
frase. É vivendo e .................... . Não falo daquelas coisas que deixamos
de fazer porque não temos mais as condições físicas e a coragem de antigamente,
como subir em bonde andando – mesmo porque não há mais bondes andando. Falo da
sabedoria desperdiçada, das artes que nos abandonaram. Algumas até úteis. Quem
nunca desejou ainda ter o cuspe certeiro de garoto para acertar em algum alvo
contemporâneo, bem no olho, e depois sair correndo? Eu já.
Luís F. Veríssimo,
Comédias para se ler na escola.
68 A palavra que o
cronista omite no título, substituindo-a por reticências, ele a emprega no
último parágrafo, na posição marcada com pontilhado. Tendo em vista o contexto,
conclui-se que se trata da palavra
a)
desanimando. b) crescendo. c) inventando. d) brincando. e) desaprendendo.
69 Um dos
contrastes entre passado e presente que caracterizam o desenvolvimento do texto
manifesta-se na oposição entre as seguintes expressões:
a)
“precisão” (L. 4) / “fórmula” (L. 10).
b)
“muita confusão” (L. 12) / “distância exata” (L. 16).
c)
“trajetória elíptica” (L. 22) / “mínima margem de erro” (L. 23).
d)
“puro instinto” (L. 23-24) / “complicados cálculos” (L. 24-25).
e)
“habilidade perdida” (L. 26) / “artes que nos abandonaram” (L. 32-33).
70 Considere as
seguintes substituições propostas para diferentes trechos do texto:
I.
“o número a que chegasse” (L. 14-15) = o número a que alcançasse.
II.
“Lembro o orgulho” (L. 18) = Recordo-me do orgulho.
III.
“coisas que deixamos de fazer” (L. 28-29) = coisas que nos descartamos.
IV.
“não há mais bondes” (L. 31) = não existe mais bondes.
A
correção gramatical está preservada apenas no que foi proposto em
a)
I. b) II. c) III. d) II e IV. e) I, III e IV.
Texto para as
questões de 71 a 73
A essência da teoria democrática é a
supressão de qualquer imposição de classe, fundada no postulado ou na crença de
que os conflitos e problemas humanos -
econômicos,
políticos, ou sociais - são solucionáveis pela educação, isto é,
pela cooperação voluntária, mobilizada pela opinião pública esclarecida. Está
claro que essa opinião pública terá de ser formada à luz dos melhores
conhecimentos existentes e, assim, a pesquisa
científica nos campos das ciências naturais e das chamadas ciências sociais
deverá se fazer a mais ampla, a mais vigorosa, a mais livre, e a difusão desses
conhecimentos, a mais completa, a mais imparcial e em termos que os tornem
acessíveis a todos.
Anísio
Teixeira, Educação é um direito. Adaptado.
71 De acordo com o
texto, a sociedade será democrática quando
a)
sua base for a educação sólida do povo, realizada por meio da ampla difusão do
conhecimento.
b)
a parcela do público que detém acesso ao conhecimento científico e político
passar a controlar a opinião pública.
c)
a opinião pública se formar com base tanto no respeito às crenças religiosas de
todos quanto no conhecimento científico.
d)
a desigualdade econômica for eliminada, criando-se, assim, a condição
necessária para que o povo seja livremente educado.
e)
a propriedade dos meios de comunicação e difusão do conhecimento se tornar
pública.
72 No trecho
“chamadas ciências sociais”, o emprego do termo “chamadas” indica que o autor
a)
vê, nas “ciências sociais”, uma panaceia, não uma análise crítica da sociedade.
b)
considera utópicos os objetivos dessas ciências.
c)
prefere a denominação “teoria social” à denominação “ciências sociais”.
d)
discorda dos pressupostos teóricos dessas ciências.
e)
utiliza com reserva a denominação “ciências sociais”.
73 Dos seguintes
comentários linguísticos sobre diferentes trechos do texto, o único correto é:
a)
Os prefixos das palavras “imposição” e “imparcial” têm o mesmo sentido.
b)
As palavras “postulado” e “crença” foram usadas no texto como sinônimas.
c)
A norma-padrão condena o uso de “essa”, no trecho “essa opinião”, pois, nesse
caso, o correto seria usar “esta”.
d)
A vírgula empregada no trecho “e a difusão desses conhecimentos, a mais
completa” indica que, aí, ocorre a elipse de um verbo.
e)
O pronome sublinhado em “que os tornem” tem como referente o substantivo
“termos”.
Texto para as
questões de 74 a 77
V – O samba
À direita do terreiro, adumbra-se* na
escuridão um maciço de construções, ao qual às vezes recortam no azul do céu os
trêmulos vislumbres das labaredas fustigadas pelo vento. (...)
É aí o quartel ou quadrado da fazenda,
nome que tem um grande pátio cercado de senzalas, às vezes com alpendrada
corrida em volta, e um ou dois portões que o fecham como praça d’armas. Em
torno da fogueira, já esbarrondada pelo chão, que ela cobriu de brasido e
cinzas, dançam os pretos o samba com um frenesi que toca o delírio. Não se descreve,
nem se imagina esse desesperado saracoteio, no qual todo o corpo estremece,
pula, sacode, gira, bamboleia, como se quisesse desgrudar-se. Tudo salta, até
os crioulinhos que esperneiam no cangote das mães, ou se enrolam nas saias das raparigas.
Os mais taludos viram cambalhotas e pincham à guisa de sapos em roda do
terreiro. Um desses corta jaca no espinhaço do pai, negro fornido, que não
sabendo mais como desconjuntar-se, atirou consigo ao chão e começou de rabanar
como um peixe em seco. (...)
José
de Alencar, Til.
(*)
“adumbra-se” = delineia-se, esboça-se.
74 Para adequar a
linguagem ao assunto, o autor lança mão também de um léxico popular, como
atestam todas as palavras listadas na alternativa
a)
saracoteio, brasido, rabanar, senzalas.
b)
esperneiam, senzalas, pincham, delírio.
c)
saracoteio, rabanar, cangote, pincham.
d)
fazenda, rabanar, cinzas, esperneiam.
e)
delírio, cambalhotas, cangote, fazenda.
75 Na composição
do texto, foram usados, reiteradamente,
I.
sujeitos pospostos;
II.
termos que intensificam a ideia de movimento;
III.
verbos no presente histórico.
Está
correto o que se indica em
a)
I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I e II, apenas. e) I, II e III.
76 Ao comentar o
romance Til e, inclusive, a cena do capítulo “O samba”, aqui reproduzida,
Araripe Jr., parente do autor e estudioso de sua obra, observou que esses são
provavelmente os textos em que Alencar “mais se quis aproximar dos padrões” de
uma “nova escola”, deixando, neles, reconhecível que, “no momento” em que os
escreveu, “algum livro novo o impressionara, levando-o pelo estímulo até
superfetar* a sua verdadeira índole de poeta”. Alguns dos procedimentos
estilísticos empregados na cena aqui reproduzida indicam que a “nova escola” e
o “livro novo” a que se refere o crítico pertencem ao que historiadores da
literatura chamaram de (*) “superfetar” = exceder, sobrecarregar,
acrescentar-se (uma coisa a outra).
a)
Romantismo-Condoreirismo.
b)
Idealismo-Determinismo.
c)
Realismo-Naturalismo.
d)
Parnasianismo-Simbolismo.
e)
Positivismo-Impressionismo.
77 Considerada no
contexto histórico a que se refere Til, a desenvoltura com que os escravos, no
excerto, se entregam à dança é representativa do fato de que
a)
a escravidão, no Brasil, tal como ocorreu na América do Norte e no Caribe, foi
branda.
b)
se permitia a eles, em ocasiões especiais e sob vigilância, que festejassem a
seu modo.
c)
teve início nas fazendas de café o sincretismo das culturas negra e branca, que
viria a caracterizar a cultura brasileira.
d)
o narrador entendia que o samba de terreiro era, em realidade, um ritual
umbandista disfarçado.
e)
foi a generalização, entre eles, do alcoolismo, que tornou antieconômica a
exploração da mão de obra escrava nos cafezais paulistas.
78 Em Viagens na
minha terra, assim como em
a)
Memórias de um sargento de milícias, embora se situem ambas as obras no
Romantismo, criticam-se os exageros de idealização e de expressão que ocorrem
nessa escola literária.
b)
A cidade e as serras, a preferência pelo mundo rural português tem como
contraponto a ojeriza às cidades estrangeiras – Paris, em particular.
c)
Vidas secas, os discursos dos intelectuais são vistos como “a prosa vil da
nação”, ao passo que a sabedoria popular “procede da síntese transcendente,
superior e inspirada pelas grandes e eternas verdades”.
d)
Memórias póstumas de Brás Cubas, a prática da divagação e da digressão exerce
sobre todos os valores uma ação dissolvente, que culmina, em ambos os casos, em
puro niilismo.
e)
O cortiço, manifestam-se, respectivamente, tanto o antibrasileirismo do
escritor português quanto o antilusitanismo do seu par brasileiro, assim como o
absolutismo do primeiro e o liberalismo do segundo.
Texto para as
questões 79 e 80
Ata
Acredito que o mau tempo haja concorrido
para que os sabadoyleanos* hoje não estivessem na casa de José Mindlin, em São
Paulo, gozando das delícias do cuscuz paulista aqui amavelmente prometido.
Depois do almoço, visita aos livros dialogantes, na expressão de Drummond, não
sabemos se no rigoroso sistema de vigilância de Plínio Doyle, mas de qualquer
forma com as gentilezas das reuniões cariocas. Para o amigo de São Paulo as
saudações afetuosas dos ausentes-presentes, que neste instante todos nos
voltamos para o seu palácio, aquele que se iria desvestir dos ares aristocráticos
para receber camaradescamente os descamisados da Rua Barão de Jaguaribe.
Guarde, amigo Mindlin, para breve o cuscuz
da tradição bandeirante, que hoje nos conformamos com os biscoitos à la Plínio
Doyle.
Rio,
20-11-1976. Signatários: Carlos Drummond de Andrade, Gilberto de Mendonça
Teles, Plínio Doyle e outros.
Cartas
da biblioteca Guita e José Mindlin. Adaptado.
*
“sabadoyleanos”: frequentadores do sabadoyle, nome dado ao encontro de
intelectuais, especialmente escritores, realizado habitualmente aos sábados, na
casa do bibliófilo Plínio Doyle, situada no Rio de Janeiro.
79 Da leitura do
texto, depreende-se que
a)
o anfitrião carioca, embora gentil, é cioso de sua biblioteca.
b)
o anfitrião paulista recebeu com honrarias os amigos cariocas, que visitaram a
sua biblioteca.
c)
os cariocas não se sentiram à vontade na casa do paulista, a qual, na verdade,
era uma mansão.
d)
os cariocas preferiram ficar no Rio de Janeiro, embora a recepção em São Paulo
fosse convidativa.
e)
o fracasso da visita dos cariocas a São Paulo abalou a amizade dos bibliófilos.
80 As expressões
“ares aristocráticos” e “descamisados” relacionam-se, respectivamente,
a)
aos “sabadoyleanos” e a Plínio Doyle.
b)
a José Mindlin e a seus amigos cariocas.
c)
a “gentilezas” e a “camaradescamente”.
d)
aos signatários do documento e aos amigos de São Paulo.
e)
a “reuniões cariocas” e a “tradição bandeirante”.
81 Leia o seguinte
texto.
O autor pensava estar romanceando o
processo brasileiro de guerra e acomodação entre as raças, em conformidade com
as teorias racistas da época, mas, na verdade, conduzido pela lógica da ficção,
mostrava um processo primitivo de exploração econômica e formação de classes,
que se encaminhava de um modo passavelmente bárbaro e desmentia as ilusões do romancista.
Roberto
Schwarz. Adaptado.
Esse
texto crítico refere-se ao livro
a)
Memórias de um sargento de milícias. b)
Til.
c)
O cortiço.
d) Vidas secas. e) Capitães da
areia.
82 Em quatro das
alternativas abaixo, registram-se alguns dos aspectos que, para bem
caracterizar o gênero e o estilo das Memórias póstumas de Brás Cubas, o crítico
J. G. Merquior pôs em relevo nessa obra de Machado de Assis. A única
alternativa que, invertendo, aliás, o juízo do mencionado crítico, aponta uma
característica que NÃO se aplica à obra em questão é:
a)
ausência praticamente completa de distanciamento enobrecedor na figuração das
personagens e de suas ações.
b)
mistura do sério e do cômico, de que resulta uma abordagem humorística das
questões mais cruciais.
c)
ampla liberdade do texto em relação aos ditames da verossimilhança.
d)
emprego de uma linguagem que evita chamar a atenção sobre si mesma,
apagando-se, assim, por detrás da coisa narrada.
e)
uso frequente de gêneros intercalados - por exemplo,
cartas ou bilhetes, historietas etc. - embutidos no conjunto da obra global.
83 Os momentos
históricos em que se desenvolvem os enredos de Viagens na minha terra, Memórias
de um sargento de milícias e Memórias póstumas de Brás Cubas (quanto a este
último, em particular no que se refere à primeira juventude do narrador) são,
todos, determinados de modo decisivo por um antecedente histórico comum – menos
ou mais imediato, conforme o caso. Trata-se da
a)
invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas.
b)
turbulência social causada pelas revoltas regenciais.
c)
volta de D. Pedro I a Portugal.
d)
proclamação da independência do Brasil.
e)
antecipação da maioridade de D. Pedro II.
Texto para as
questões 84 e 85
Morro da Babilônia
À
noite, do morro
descem
vozes que criam o terror
(terror
urbano, cinquenta por cento de cinema,
e
o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
[geral).
Quando
houve revolução, os soldados se espalharam
[no
morro,
o
quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns,
chumbados, morreram.
O
morro ficou mais encantado.
Mas
as vozes do morro
não
são propriamente lúgubres.
Há
mesmo um cavaquinho bem afinado
que
domina os ruídos da pedra e da folhagem
e
desce até nós, modesto e recreativo,
como
uma gentileza do morro.
Carlos
Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.
84 Leia as
seguintes afirmações sobre o poema de Drummond, considerado no contexto do
livro a que pertence:
I.
No conjunto formado pelos poemas do livro, a referência ao Morro da Babilônia -
feita no título do texto - mais as menções ao Leblon e ao Méier, a Copacabana,
a São Cristóvão e ao Mangue, - presentes em outros poemas -,
sendo todas, ao mesmo tempo, espaciais e de classe, constituem uma espécie de
discreta topografia social do Rio de
Janeiro.
II.
Nesse poema, assim como ocorre em outros textos do livro, a atenção à vida
presente abre-se também para a dimensão do passado, seja ele dado no registro
da história ou da memória.
III.
A menção ao “cavaquinho bem afinado”, ao cabo do poema, revela ter sido nesse
livro que o poeta finalmente assumiu as canções da música popular brasileira
como o modelo definitivo de sua lírica, superando, assim, seu antigo vínculo
com a poesia de matriz culta ou erudita.
Está
correto o que se afirma em
a)
I, apenas. b) I e II, apenas. c) III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e
III.
85 Guardadas as
diferenças que separam as obras a seguir comparadas, as tensões a que remete o
poema de Drummond derivam de um conflito de
a)
caráter racial, assim como sucede em A cidade e as serras.
b)
grupos linguísticos rivais, de modo semelhante ao que ocorre em Viagens na
minha terra.
c)
fundo religioso e doutrinário, como o que agita o enredo de Til.
d)
classes sociais, tal como ocorre em Capitães da areia.
e)
interesses entre agregados e proprietários, como o que tensiona as Memórias
póstumas de Brás Cubas.
GABARITO:
68
– E 69 – D 70 – B
71 – A 72 – E 73 – D
74 – C 75 – E 76 – C
77 – B 78
– A 79 – A 80 – B
81 – C 82 – D 83 – A
84 – B 85 – DFUVEST 2016 – 1º Fase – PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
FUVEST 2015 – 1º Fase – PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
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