ENEM 2007 – PROVA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS
Textos para as questões 3 e 4
Texto I
Agora Fabiano conseguia
arranjar as idéias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho
amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado
amarelo não lhe pisava o pé não.
(...) Tinha aqueles
cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrastá-los? Sinha Vitória
dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando
crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados,
machucados por um soldado amarelo.
Graciliano Ramos. Vidas Secas. São
Paulo: Martins, 23.ª ed., 1969, p. 75.
Texto II
Para Graciliano, o
roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para
uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção. É lidando com o
impasse, ao invés de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas,
elaborando uma linguagem, uma estrutura romanesca, uma constituição de narrador
em que narrador e criaturas se tocam, mas não se identificam. Em grande medida,
o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele momento, o
pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto como
um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos
demasiadamente complexos. O que Vidas Secas faz é, com pretenso não
envolvimento da voz que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza humana
de que essas pessoas seriam plenamente capazes.
Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes.
In: Teresa. São Paulo: USP, n.° 2, 2001, p. 254.
Questão 3 – A partir do trecho de Vidas Secas (texto
I) e das informações do texto II, relativas às concepções artísticas do romance
social de 1930, avalie as seguintes afirmativas.
I O pobre, antes tratado de forma exótica e
folclórica pelo regionalismo pitoresco, transforma-se em protagonista privilegiado
do romance social de 30.
II A incorporação do pobre e de outros
marginalizados indica a tendência da ficção brasileira da década de 30 de
tentar superar a grande distância entre o intelectual e as camadas populares.
III Graciliano Ramos e os demais autores da
década de 30 conseguiram, com suas obras, modificar a posição social do
sertanejo na realidade nacional.
É correto apenas o que se afirma em
A I. B II.
C III. D I e
II. E II e III.
Questão 4 – No texto II, verifica-se que o autor utiliza A linguagem predominantemente formal, para problematizar,
na composição de Vidas Secas, a relação entre o escritor e o personagem
popular.
B linguagem inovadora, visto que, sem abandonar
a linguagem formal, dirige-se diretamente ao leitor.
C linguagem coloquial, para narrar
coerentemente uma história que apresenta o roceiro pobre de forma pitoresca.
D linguagem formal com recursos retóricos
próprios do texto literário em prosa, para analisar determinado momento da
literatura brasileira.
E linguagem regionalista, para transmitir
informações sobre literatura, valendo-se de coloquialismo, para facilitar o
entendimento do texto.
Questão 6 – A figura abaixo é parte de uma campanha
publicitária.
NEM SEMPRE É O CRIMINOSO
QUEM VAI PARAR ATRÁS DAS
GRADES
Com Ciência Ambiental, n.o 10, abr./2007.
Essa campanha publicitária relaciona-se
diretamente com a seguinte afirmativa:
A O comércio ilícito da fauna silvestre,
atividade de grande impacto, é uma ameaça para a biodiversidade nacional.
B A manutenção do mico-leão-dourado em jaula é
a medida que garante a preservação dessa espécie animal.
C O Brasil, primeiro país a eliminar o tráfico
do mico-leão-dourado, garantiu a preservação dessa espécie.
D O aumento da biodiversidade em outros países depende
do comércio ilegal da fauna silvestre brasileira.
E O tráfico de animais silvestres é benéfico
para a preservação das espécies, pois garante-lhes a sobrevivência.
Texto para as questões 10 e 11
Álcool, crescimento e pobreza
O lavrador de Ribeirão
Preto recebe em média R$ 2,50 por tonelada de cana cortada. Nos anos 80, esse trabalhador
cortava cinco toneladas de cana por dia. A mecanização da colheita o obrigou a
ser mais produtivo. O corta-cana derruba agora oito toneladas por dia. O
trabalhador deve cortar a cana rente ao chão, encurvado. Usa roupas
mal-ajambradas, quentes, que lhe cobrem o corpo, para que não seja lanhado
pelas folhas da planta. O excesso de trabalho causa a birola: tontura, desmaio,
cãibra, convulsão. A fim de aguentar dores e cansaço, esse trabalhador toma
drogas e soluções de glicose, quando não farinha mesmo. Tem aumentado o número
de mortes por exaustão nos canaviais.
O setor da cana produz
hoje uns 3,5% do PIB. Exporta US$ 8 bilhões. Gera toda a energia elétrica que consome
e ainda vende excedentes. A indústria de São Paulo contrata cientistas e
engenheiros para desenvolver máquinas e equipamentos mais eficientes para as
usinas de álcool. As pesquisas, privada e pública, na área agrícola (cana,
laranja, eucalipto etc.) desenvolvem a bioquímica e a genética no país.
Folha de S. Paulo, 11/3/2007 (com adaptações).
Questão 10
ÁLCOOL: O MUNDO DE OLHO EM NOSSA TECNOLOGIA
— Ah, fico meio encabulado em ter de comer
com a mão diante de tanta gente!
ANGELI Folha de S. Paulo, 25/3/2007.
Confrontando-se as informações do texto com
as da charge acima, conclui-se que
A a charge contradiz o texto ao mostrar que o
Brasil possui tecnologia avançada no setor agrícola.
B a charge e o texto abordam, a respeito da
cana-de-açúcar brasileira, duas realidades distintas e sem relação entre si.
C o texto e a charge consideram a agricultura
brasileira avançada, do ponto de vista tecnológico.
D a charge mostra o cotidiano do trabalhador, e
o texto defende o fim da mecanização da produção da cana-de-açúcar no setor
sucroalcooleiro.
E o texto mostra disparidades na agricultura
brasileira, na qual convivem alta tecnologia e condições precárias de trabalho,
que a charge ironiza.
Questão 14
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o
Oliveira,
[dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
(...)
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 227-8.
A antítese que configura uma imagem da
divisão social do trabalho na sociedade brasileira é expressa poeticamente na
oposição entre a doçura do branco açúcar e
A o trabalho do dono da mercearia de onde veio
o açúcar.
B o beijo de moça, a água na pele e a flor que se
dissolve na boca.
C o trabalho do dono do engenho em Pernambuco,
onde se produz o açúcar.
D a beleza dos extensos canaviais que nascem no
regaço do vale.
E o trabalho dos homens de vida amarga em
usinas escuras.
Questão 19
Antonio Rocco. Os imigrantes, 1910,
Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Um dia, os imigrantes
aglomerados na amurada da proa chegavam à fedentina quente de um porto, num
silêncio de mato e de febre amarela. Santos. — É aqui! Buenos Aires é aqui! —
Tinham trocado o rótulo das bagagens, desciam em fila. Faziam suas necessidades
nos trens dos animais onde iam. Jogavam-nos num pavilhão comum em São Paulo. —
Buenos Aires é aqui! — Amontoados com trouxas, sanfonas e baús, num carro de
bois, que pretos guiavam através do mato por estradas esburacadas, chegavam uma
tarde nas senzalas donde acabava de sair o braço escravo. Formavam militarmente
nas madrugadas do terreiro homens e mulheres, ante feitores de espingarda ao
ombro.
Oswald de Andrade. Marco Zero II – Chão.
Rio de Janeiro: Globo, 1991.
Levando-se em consideração o texto de Oswald
de Andrade e a pintura de Antonio Rocco reproduzida acima, relativos à
imigração européia para o Brasil, é correto afirmar que
A a visão da imigração presente na pintura é trágica
e, no texto, otimista.
B a pintura confirma a visão do texto quanto à imigração
de argentinos para o Brasil.
C os dois autores retratam dificuldades dos imigrantes
na chegada ao Brasil.
D Antonio Rocco retrata de forma otimista a imigração,
destacando o pioneirismo do imigrante.
E Oswald de Andrade mostra que a condição de vida
do imigrante era melhor que a dos ex-escravos.
Antigamente
Acontecia o indivíduo
apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois,
ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença
nefasta era a phtísica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham
assombrações, os meninos, lombrigas (...)
Carlos Drummond de Andrade. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar, p. 1.184.
O texto acima está escrito em linguagem de
uma época passada. Observe uma outra versão, em linguagem atual.
Antigamente
Acontecia o indivíduo
apanhar um resfriado; ficando mal, mandava o próprio chamar o doutor e, depois,
ir à farmácia para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença
nefasta era a tuberculose, feia era a sífilis. Antigamente, os sobrados tinham
assombrações, os meninos, vermes (...)
Comparando-se esses dois textos, verifica-se
que, na segunda versão, houve mudanças relativas a
A vocabulário.
B construções sintáticas.
C pontuação.
D fonética.
E regência verbal.
Textos para as questões 27 e 28
O canto do guerreiro
Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.
Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me;
— Quem há, como eu sou?
Gonçalves Dias.
Macunaíma (Epílogo)
Acabou-se a história e
morreu a vitória. Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na tribo
Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um. Não havia mais ninguém lá.
Aqueles lugares, aqueles campos, furos puxadouros arrastadouros
meios-barrancos, aqueles matos misteriosos, tudo era solidão do
deserto... Um silêncio imenso dormia à beira
do rio Uraricoera. Nenhum conhecido sobre a terra não sabia nem falar da tribo
nem contar aqueles casos tão pançudos. Quem podia saber do Herói?
Mário de Andrade.
Questão 27 – A leitura comparativa dos dois textos acima
indica que
A ambos têm como tema a figura do indígena
brasileiro apresentada de forma realista e heroica, como símbolo máximo do
nacionalismo romântico.
B a abordagem da temática adotada no texto
escrito em versos é discriminatória em relação aos povos indígenas do Brasil.
C as perguntas “— Quem há, como eu sou?” (1.o texto)
e “Quem podia saber do Herói?” (2.o texto) expressam diferentes visões da
realidade indígena brasileira.
D o texto romântico, assim como o modernista,
aborda o extermínio dos povos indígenas como resultado do processo de
colonização no Brasil.
E os versos em primeira pessoa revelam que os indígenas
podiam expressar-se poeticamente, mas foram silenciados pela colonização, como
demonstra a presença do narrador, no segundo texto.
Questão 28 – Considerando-se a linguagem desses dois
textos, verifica-se que
A a função da linguagem centrada no receptor
está ausente tanto no primeiro quanto no segundo texto.
B a linguagem utilizada no primeiro texto é coloquial,
enquanto, no segundo, predomina a linguagem formal.
C há, em cada um dos textos, a utilização de
pelo menos uma palavra de origem indígena.
D a função da linguagem, no primeiro texto,
centra-se na forma de organização da linguagem e, no segundo, no relato de
informações reais.
E a função da linguagem centrada na primeira
pessoa, predominante no segundo texto, está ausente no primeiro.
Questão 29
Há cerca de dez anos,
estimava-se que 11,2% da população brasileira poderiam ser considerados dependentes
de álcool. Esse índice, dividido por gênero, apontava que 17,1% da população
masculina e 5,7% da população feminina eram consumidores da bebida. Quando
analisada a distribuição etária desse consumo, outro choque: a pesquisa
evidenciou que 41,2% de estudantes da educação básica da rede pública
brasileira já haviam feito uso de álcool.
Dados atuais apontam que
a porcentagem de dependentes de álcool subiu para 15%. Estima-se que o país
gaste 7,3% do PIB por ano para tratar de problemas relacionados ao alcoolismo,
desde o tratamento de pacientes até a perda da produtividade no trabalho. A
indústria do álcool no Brasil, que produz do açúcar ao álcool combustível,
movimenta 3,5% do PIB.
Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 28, n.º 4, dez./2006 e Internet: <www.alcoolismo.com.br>
(com adaptações).
A partir dos dados acima, conclui-se que
A o país, para tratar pessoas com problemas
provocados pelo alcoolismo, gasta o dobro do que movimenta para produzir bebida
alcoólica.
B o aumento do número de brasileiros dependentes
de álcool acarreta decréscimo no percentual do PIB gasto no tratamento dessas
pessoas.
C o elevado percentual de estudantes que já consumiram
bebida alcoólica é indicativo de que o consumo do álcool é problema que deve
ser enfrentado pela sociedade.
D as mulheres representam metade da população brasileira
dependente de álcool.
E o aumento na porcentagem de brasileiros dependentes
de álcool deveu-se, basicamente, ao crescimento da indústria do álcool.
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