Miguel Torga - Poeta Imenso, Imenso Poeta!
Um dos meus poetas favoritos. Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que tive o grande prazer da descoberta dos poemas de Miguel Torga. Daquele dia em diante, a fascinação só aumentou. Dono de uma precisão absurda, poeta de autenticidade absoluta, faz uso primoroso do léxico para criar pequenas obras-primas da língua. Espero que vocês se deleitem com a grandeza ímpar desse mestre. Seguem o perfil e alguns poemas.
Um dos meus poetas favoritos. Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que tive o grande prazer da descoberta dos poemas de Miguel Torga. Daquele dia em diante, a fascinação só aumentou. Dono de uma precisão absurda, poeta de autenticidade absoluta, faz uso primoroso do léxico para criar pequenas obras-primas da língua. Espero que vocês se deleitem com a grandeza ímpar desse mestre. Seguem o perfil e alguns poemas.
- Nasceu em São Martinho de Anta, Portugal, em 1907 e faleceu em Coimbra, em 1995.
- Formou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra.
- É considerado um dos maiores escritores portugueses do século XX.
- Obra de grande caráter humanista.
- Escreveu em prosa os “Diários”, que fizeram grande sucesso literário.
- Temas principais de sua poesia: angústia e desespero do mundo, drama da criação poética e a problemática religiosa.
- Poesia telúrica; poeta extremamente apegado a sua terra e a seu povo natal.
- Poesia social, inquieta, reflexiva e libertadora.
Um poema
Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...
(Miguel Torga, in “Diário XIII”)
Violenta o silêncio conformado
Cega com outra luz a luz do dia
Desassossega o mundo sossegado
Ensina a cada alma a sua rebeldia”
(Miguel Torga)
E adias esta urgência?
Prometes-me o futuro, e eu desespero.
O futuro é o disfarce da impotência...
Hoje, aqui, já, neste momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é o desalento...
O desejo é o limite dos mortais.”
(Miguel Torga)
Letreiro
Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuizo.
Não me sei conformar
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuizo.
Não me sei conformar
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
Perenidade
Nenhuma hora é igual à que passou.
Cada fruto que vem cria e promete
Uma doçura que ninguém provou.
Mas a vida deseja
Em cada recomeço o mesmo fim.
E a borboleta, mal desperta, adeja
Pelas ruas floridas do jardim.
Homem novo que vens, olha a beleza!
Olha a graça que o teu instinto pede.
Tira da natureza
O luxo eterno que ela te concede.
(Miguel Torga)
Idílio
Lírica, a tarde cai
Com secura nas folhas;
Lírica, a minha vista vai
A olhar o que tu olhas…
Oliveiras de sonho
A ver nascer a lua…
Liricamente ponho
A minha mão na tua.
(Miguel Torga, in Diário I - 1941)
Ditirambo
“É o amor que me inspira
Amo a vida, esta bela prostituta.
Esta mulher tão pura e dissoluta
No mesmo instante,
Que não dá tréguas a nenhum amante.
Amo a vida, esta bela prostituta.
Esta mulher tão pura e dissoluta
No mesmo instante,
Que não dá tréguas a nenhum amante.
Amo-a, e canto esse gosto renovado
De uma grande paixão sobressaltada.
De um leito de soluços e suspiros
Misturados,
Ergo a voz e celebro
Os sublimados deuses
Que, divinos, me deram
O bem humano que nunca tiveram.”
De uma grande paixão sobressaltada.
De um leito de soluços e suspiros
Misturados,
Ergo a voz e celebro
Os sublimados deuses
Que, divinos, me deram
O bem humano que nunca tiveram.”
"Gosto do mar desesperado
a bramir e a lutar
E gosto de um barco ainda mais ousado
Sobre esta rebeldia a navegar."
(Miguel Torga)
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Pedagogia
Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende…
A vida compra e vende
A perdição,
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
"Meninos pulando carniça". Portinari. |
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende…
A vida compra e vende
A perdição,
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!
Parque infantil
Joga a bola, menino!
Dá pontapés certeiros
Na empanturrada imagem
Deste mundo.
Traça no firmamento
Órbitas arbitrárias
Onde os astros fingidos
Percam a majestade.
Brinca, na eterna idade
Que eu já tive
E perdi,
Quando, por imprudência,
Saltei o risco branco da inocência
E cresci.
(Miguel Torga, in Diário VII -1956)
Contemplação
Num berço de granito,
Com a manta do céu
A cobrir-lhe a nudez,
A minha infância dorme.
Nem bruxas, nem fadas
A velar-lhe o sono.
No mais puro abandono
Do passado,
Respira docemente,
Enquanto eu, inútil enviado
Do presente,
Sobre ela me debruço,
E soluço.
(Miguel Torga, in Diário VIII -1959)
Fado
Não dou paz, nem a tenho.
Os outros vão, e eu venho
Das ilusões...
No meu adeus mais puro transparece
O logro e o tédio do caminho andado...
E o sol dos corações
Arrefece
A cada encontro
Desencontrado.
(Miguel Torga, in Penas do Purgatório -1954)
Confidencial
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitando.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.
(Miguel Torga)
Exortação
“Em nome do teu nome,
Que é viril,
E leal,
E limpo, na concisa brevidade
— Homem, lembra-te bem —!
Sê viril,
E leal,
E limpo, na concisa condição.
Traz à compreensão
Todos os sentimentos recalcados
De que te sentes dono envergonhado;
Que é viril,
E leal,
E limpo, na concisa brevidade
— Homem, lembra-te bem —!
Sê viril,
E leal,
E limpo, na concisa condição.
Traz à compreensão
Todos os sentimentos recalcados
De que te sentes dono envergonhado;
Leva, dourado,
O sol da consciência
Às íntimas funduras do teu ser,
Onde moram
Esses monstros que temes enfrentar.
Os leões da caverna só devoram
Quem os ouve rugir e se recusa a entrar...”
O sol da consciência
Às íntimas funduras do teu ser,
Onde moram
Esses monstros que temes enfrentar.
Os leões da caverna só devoram
Quem os ouve rugir e se recusa a entrar...”
Guerra Civil
É contra mim que luto.
Não tenho outro inimigo.
O que penso,
O que sinto,
O que digo
E o que faço,
É que pede castigo
E desespera a lança no meu braço.
Absurda aliança
De criança
E adulto,
O que sou é um insulto
Ao que não sou;
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou.
(Miguel Torga)
Rendição
Vem, camarada, vem
Render-me neste sonho de beleza!
Vem olhar doutro modo a natureza
E cantá-la também!
Ergue o teu coração como ninguém;
Fala doutro luar, doutra pureza;
Tens outra humanidade, outra certeza:
Leva a chama da vida mais além!
Até onde podia, caminhei.
Vi a lama da terra que pisei
E cobri-a de versos e de espanto.
Mas, se o facho é maior na tua mão,
Vem, camarada irmão,
Erguer sobre os meus versos o teu canto.
Render-me neste sonho de beleza!
"Two Men". Caspar. D. Friedrich |
Vem olhar doutro modo a natureza
E cantá-la também!
Ergue o teu coração como ninguém;
Fala doutro luar, doutra pureza;
Tens outra humanidade, outra certeza:
Leva a chama da vida mais além!
Até onde podia, caminhei.
Vi a lama da terra que pisei
E cobri-a de versos e de espanto.
Mas, se o facho é maior na tua mão,
Vem, camarada irmão,
Erguer sobre os meus versos o teu canto.
(Miguel Torga)
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