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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Texto - "Negócio de menino" - Rubem Braga

                                     Negócio de menino

Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia:
- Papai me disse que o senhor tem muito passarinho...
- Só tenho três.
- Tem coleira?
- Tenho um coleirinha.
- Virado?
- Virado.
- Muito velho?
- Virado há um ano.

- Canta?
- Uma beleza.
- Manso?
- Canta no dedo.
- O senhor vende?
- Vendo.
- Quanto?
- Dez contos.

Pausa. Depois volta:
- Só tem coleira?
- Tenho um melro e um curió.
- É melro mesmo ou é vira?
- É quase do tamanho de uma graúna.
- Deixa coçar a cabeça?
- Claro. Come na mão...
- E o curió?
- É muito bom curió.
- Por quanto o senhor vende?

- Dez contos.
Pausa.
- Deixa mais barato. . .
- Para você, seis contos.
- Com a gaiola?
- Sem a gaiola.
Pausa.
- E o melro?
- O melro eu não vendo.
- Como se chama?
- Brigitte.
- Uai, é fêmea?
- Não. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.
Pausa.
- O coleira o senhor também deixa por seis contos?
- Deixo por oito contos.
- Com a gaiola?
- Sem a gaiola.
Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro d'água. E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar:
- O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

                          (Rubem Braga, in "200 Crônicas escolhidas")

"Iracema" - José de Alencar
Raul de Leoni - Poemas
"O Rei dos Animais" - Millôr Fernandes
Álvares de Azevedo


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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS I - DERIVAÇÃO

PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS I - DERIVAÇÃO

Os dois principais processos de formação de palavras da língua portuguesa são a derivação e a composição. Existem outros que também serão tratados em um próximo post. Convém lembrar que o Novo Acordo Ortográfico alterou muito mais os processos de derivação do que os de composição, assunto que em seu tempo será também tratado aqui no blog.

DERIVAÇÃO

Formam-se palavras alterando-se outra palavra existente na língua, basicamente pelo acréscimo de afixos, ou seja, prefixos e sufixos à palavra primitiva.

Derivação prefixal ou prefixação – acrescenta-se um prefixo à palavra primitiva ou ao radical.

Ex.: leal – desleal; fazer – refazer.


Observe que, na tirinha acima, a palavra triângulo foi formada através da derivação prefixal: tri + ângulo.

Derivação sufixal ou sufixação – acrescenta-se um sufixo à palavra primitiva, ao radical ou mesmo a uma palavra já derivada.

Ex.: casa – casebre; sapato – sapateiro.


A palavra competitivo, da tirinha acima, foi formada por derivação sufixal.

Perceba o aluno que essa derivação pode gerar substantivos, adjetivos, verbos ou advérbios. Desse modo, o sufixo pode ser classificado em:

a. Nominal - Gera substantivos e adjetivos.

Ex. folha – folhagem; calor – caloroso;

b. Verbal - Gera verbos.

Ex. gota – gotejar; dedo – dedilhar.

c. Adverbial - Gera advérbios.

Ex. rápido – rapidamente; astuto – astutamente.

Derivação prefixal e sufixal – Um prefixo e um sufixo são acrescentados de forma não simultânea à palavra primitiva ou ao radical.

Ex.: leal – deslealdade; feliz – infelizmente.

Derivação parassintética ou parassíntese – Um prefixo e um sufixo são acrescentados simultaneamente à palavra primitiva ou ao radical.

Ex.: ferro – enferrujar; manhã – amanhecer.

A diferença básica da derivação parassintética para a derivação prefixal e sufixal se refere à simultaneidade dos afixos. Na parassintética, caso seja retirado algum afixo, a palavra resultante não existirá na língua portuguesa; já na derivação prefixal e sufixal, caso seja retirado um dos afixos, haverá em uma palavra existente em nossa língua.

Derivação regressiva – Ocorre através da redução de elementos da palavra primitiva.

Ex.: cantar – canto; pular – pulo.

Derivação imprópria – Ocorre a mudança de classe gramatical da palavra, sem alterar sua forma primitiva.


Ex. Estou ouvindo o cantar dos pássaros.

Observe que a palavra cantar é originariamente um verbo, porém está sendo usada na tirinha como um substantivo, ou seja, ocorreu mudança em sua classe gramatical.

por Prof. Maurício Fernandes da Cunha - www.veredasdalingua.blogspot.com.br


Exercícios

1- Forme palavras através da prefixação.

Arrumar =
Ruga =
Círculo =
Delicado =
Ângulo =
Saia =
Fiel =
Feliz =
Pôr =
Correr =
Ligar =
Certeza =

2 - Forme palavras através da sufixação.

Casa=
Chuva=
Espaço =
Folga =
Preguiça =
Monstro =
Ferro =
Ânsia =
Camisa =
Religião =
Ânimo =
Calma =
Jornal =
Vidro =
Início =
Telha =

3 - Forme palavras através da derivação prefixal e sufixal.

Igual =
Feliz =
Flor =
Leal =
Controle =
Respeito =
Tratar =
Preparar =

4 - Forme palavras através da parassíntese.

Tarde =
Ferro =
Alma =
Vermelho =
Manhã =
Funil =
Noite =
Paz =
Cabeça =
Gaiola =
Perna =
Perfeição =

5 - Forme palavras através da derivação regressiva.

Cantar =
Dançar =
Errar =
Cortar =
Debater =
Acertar =
Pular =
Recuar =

6 - Identifique as classes gramaticais dos termos abaixo alterados por derivação imprópria:

a. Não sei o porquê da sua falta.
b. O sertanejo é antes de tudo um  forte.
c. Não quero escutar um ai.
d. O saber é adquirido através de muito estudo.
e. Seu não me deixou muito abalado.

Confira aqui o gabarito:
GABARITO DOS EXERCÍCIOS SOBRE DERIVAÇÃO

Prof. Maurício Fernandes da Cunha

Leia também:
Processos de Formação de Palavras II - Composição e outros processos

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sábado, 27 de agosto de 2011

Texto - "Iracema" - José de Alencar

    Seguem os dois primeiros capítulos de “Iracema”, de José de Alencar, obra clássica do Romantismo brasileiro. O capítulo I é justamente o final da história: a partida de Martim e seu filho Moacir do Ceará. No capítulo II ocorre o encontro entre Martim e Iracema.

CAPÍTULO I

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afoita jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares.
Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares; e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite.
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.

CAPÍTULO II

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

                                      (José de Alencar, in "Iracema")

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Leia também:

Raul de Leoni - Poemas
"O Rei dos Animais" - Millôr Fernandes
Oswald de Andrade
“Negócio de menino” – Rubem Braga

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

RAUL DE LEONI - POEMAS

RAUL DE LEONI - POEMAS

Legenda dos Dias

O Homem desperta e sai cada alvorada

Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;

E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...


(Raul de Leoni)


Ingratidão


Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...


(Raul de Leoni)


História antiga

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem, no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...


(Raul de Leoni)


"Prometeu acorrentado". Peter Paul Rubens
Aos que Sonham

Não se pode sonhar impunemente 
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente…

Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora,
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da Serpente.

Queres sonhar? Defende-te em segredo,
E lembra, a cada instante e a cada dia,
O que sempre acontece e aconteceu:

Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!

(Raul de Leoni)

Sei de Tudo

Anne Bachelier.

Sei de tudo o que existe pelo mundo.
A forma, o modo, o espírito e os destinos.
Sei da vida das almas e aprofundo
O mistério dos seres pequeninos.

Sei da ciência do Espaço, sei o fundo
Da terra e os grandes mundos submarinos,
Sei o Sol, sei o Som e o elo profundo
Que há entre os passos humanos e os divinos.

Sei de todas as cousas, a teoria
Do Universo e as longínquas perspectivas
Que emergem da expressão das cousas vivas.

Sei de tudo e – oh! tristíssima ironia! -
Pelo caminho eterno por que vou,
Eu, que sei tudo, só não sei quem sou…

(Raul de Leoni)


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"Eloquência Singular" - Fernando Sabino
"Iracema" - José de Alencar



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