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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

JORGE DE LIMA - POEMAS

JORGE DE LIMA


– Nasceu em União dos Palmares (AL), em 1895, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 1953.
– Formou-se em Medicina. Trabalhou como médico, professor, escritor e pintor, tendo ainda passado um curto período na vida política.
– Iniciou como poeta parnasiano, aderindo ao Modernismo posteriormente.
– Descendente de senhores de engenho; poesia carregada pela presença do escravo negro.
–Escreveu diversos poemas em que exprime a cultura negra, a religiosidade, o misticismo.
– A princípio, utiliza uma linguagem coloquial, tornando-se extremamente sofisticada com o passar dos anos.
– Poeta de difícil classificação, marcado pela multiplicidade; elaborava poesias em constante mutação, por vezes hermética, abrangendo estilos contrastantes.
– A partir de “Tempo e eternidade”, obra escrita em conjunto com Murilo Mendes, volta-se à estética surrealista e, principalmente, à religião cristã.

Sobre ele escreve Alfredo Bosi, em “História concisa da literatura brasileira”:

"...embora organicamente lírico, isto é, enraizado na própria afetividade, mesmo quando aparente dispersar-se em notações pitorescas, em ritmos folclóricos, em glosas dos grandes clássicos. É importante ressalvar esse ponto, porque sem a sua inteligência poderiam soar gratuitas as mutações de tema e de forma que marcam a linguagem de Jorge de Lima, poeta sucessivamente regional, negro, bíblico e hermético."


Jorge de Lima via a poesia como um dom, como afirmou em 1958:

“Há poetas que fazem da poesia um acontecimento lógico, um exercício escolar, uma atividade dialética. Para mim a Poesia será sempre uma revelação de Deus, dom, gratuidade, transcendência, vocação.”


Poema XXVI – Canto I de Invenção de Orfeu

Qualquer que seja a chuva desses campos
Devemos esperar pelos estios;
E ao chegar os serões e os fiéis enganos
Amar os sonhos que restarem frios.

Porém se não surgir o que sonhamos
E os ninhos imortais forem vazios,
Há de haver pelo menos por ali
Os pássaros que nós idealizamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde
E julga tê-los em seus próprios bicos,
E ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,
Possa mirar-se as asas depenadas
E contentar-se com as secretas penas.

(Jorge de Lima)

O acendedor de lampiões 

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!


(Jorge de Lima)

Essa negra fulô

 (fragmento)

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

(...)

Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!

(Jorge de Lima)



A mão enorme

Dentro da noite, da tempestade,
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.

(Jorge de Lima)

A Verdade

Esta planta pequena e encontradiça em flora
no vale, na rechã, nos barrocais, na areia...
E da grota à eminência ela nasce e vigora,
de saúde, verdor, de clorofila, cheia...

E, na treva do abismo ela germina, embora.
Mas, em busca da luz, ei-la a subir! Anseia!
Busca mais luz! E cresce... e se transforma! E agora
é um arbusto! E depois, em árvore frondeia!

Eu às vezes comparo esta planta à Verdade...
Ofuscai-a, vereis: faz-se doutrina, templo...
Derribá-la, vencê-la e dar-lhe fim, quem há de?

— "Um mito — vós direis — que deve ser desfeito"...
"Este caso — medito — em muita gente é exemplo:
Esta planta — é a verdade; a treva — o preconceito".

(Jorge de Lima)

Lamparina

Põe azeite na tua lamparina
Para que a treva eterna se retarde.
A tarde há de ensombrar a tua sina
E a Morte é indefectível como a tarde.

Observa: a sua luz não tem o alarde,
Que as combustões de súbito confina.
O fogaréu indômito ilumina,
Mas, quase sempre, em dois instantes arde.

A lamparina, entanto, muito calma,
— Luz pequenina, que parece uma alma,
Que à Grande Luz celestial se eleva —,

Espera nesse cândido transporte,
Que, extinto sendo o azeite, chegue a Morte,
Que a luz pequena para a Grande leva.

(Jorge de Lima)

Zumbi

Em meu torrão natal — Imperatriz —,
nas serras da Barriga e da Juçara,
um homem negro, muito negro, quis
mostrar ao mundo que tinha alma clara.

E tem o sonho que Platão sonhara: —
que um sonho nobre não possui matiz.
(O sol d'Egina é o mesmo sol do Saara,
da Senegâmbia, de qualquer país).

Em mil seiscentos e noventa e sete,
galgam o topo da montanha a pique,
os homens brancos de Caetano e Castro.

E o negro herói que não se curva e inflete,
faz-se em pedaços para que não fique
com os homens brancos, o seu negro rastro...

(Jorge de Lima)

Dor

Dor é vida. Se vivo é porque sofro e sinto.
O primeiro vagido é um hino ao sofrimento
E o olhar do moribundo é o último lamento.
— Ambos vêm do sofrer e têm o mesmo instinto!

A Dor é sempre o eterno e gigantesco plinto
Que sustém Prometeu olhando o firmamento.
Que depois se fez cruz e tornou-se em assento
De quem sonha e comunga este trágico absinto.

Fez Jesus ser um Deus e Dante ser poeta,
Produziu o Evangelho e os versos de Lucano,
Fez Tolstoi — novo Cristo e fez Moisés — profeta!

Do nascer da criança ao desabrochar da flor,
Do núcleo de uma ameba ao coração humano
Procurai que achareis a palpitar — a Dor!

(Jorge de Lima)

Olhar

Eu sei que atrás do seu olhar havia
um outro olhar como uma chama escrava:
Sob o olhar de Raquel o olhar de Lia
no pórtico das órbitas velava.

Quando às vezes Raquel o olhar cravava
em alguém ou a alguém Raquel seguia
eram os olhos da irmã o que se via,
era o olhar da pastora que ali estava.

Debruça-se o pastor no olhar do filho.
Que é que via nos olhos que fitava?
Nos olhos bem-amados que é que via?

Por certo de Raquel o estranho brilho.
Mas atrás desse brilho bruxuleava
o olhar de Lia, Lia, sempre Lia.

(Jorge de Lima)

Velho tema — A saudade 
"Leitora à janela". Vermeer.

Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente?
— Chama que já passou mas que assim mesmo é chama...
A Saudade, eu a sinto infinda, confidente.
Que de longe me acena e me fascina e chama...

Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente:
Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama...
..Um segredo de amor que se desfaz e mente...
Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama?

Olhos postos ao léu, altívagos, à toa,
Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente
Te ficaste gozando uma saudade boa?

Se vês que em teu passado uma saudade adeja,
— Faze que uma saudade a ti seja o presente!
— Faze que tua morte uma saudade seja!

(Jorge de Lima)


O relógio...

Relógio, meu amigo, és a Vida em Segundos...
Consulto-te: um segundo! E quem sabe se agora,
Como eu próprio, a pensar, pensará doutros mundos
Alma que filosofa e investiga e labora?

Há de a morte ceifar somas de moribundos.
O relógio trabalha... E um sorri e outro chora,
Nas cavernas, no mar ou nos antros profundos
Ou no abismo que assombra e que assusta e apavora...

Relógio, meu amigo, és o meu companheiro,
Que aos vencidos, aos réus, aos párias e ao morfético
Tem posturas de algoz e gestos de coveiro...

Relógio, meu amigo, as blasfêmias e a prece,
Tudo encerra o segundo, insólito — sintético:
A volúpia do beijo e a mágoa que enlouquece!

(Jorge de Lima)

Os poetas

Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados,
pois eles vivem no âmbito intranqüilo
em que se agitam seres ignorados.

No meio de desertos habitados
só eles é que entendem o sigilo
dos que no mundo vivem sem asilo
parecendo com eles renegados.

Eles possuem, porém, milhões de antenas
distribuídas por todos os seus poros
aonde aportam do mundo suas penas.

São os que gritam quando tudo cala,
são os que vibram de si estranhos coros
para a fala de Deus que é sua fala.

(Jorge de Lima)

Sei teu grito profundo

Sei teu grito profundo, e não me animo 
"Cristo risorgente". Tintoretto.

a cortar a raiz que a Ti me embasa.
Em mão mais primitiva não me arrimo
devo-Te tudo, origem, patas e asas.

Permite que eu revele história e limo
sem desobedecer a Tua casa.
Nazareno dos lagos, lume primo,
atende à pobre enguia de águas rasas.

Se desses versos outro lume alar-se
misturado com os Teus em joio e trigo,
sete vezes por sete me perdoa.


Ó Desnudado, é meu todo o disfarce
em revelar os tempos que persigo
- na vazante maré com inversa proa.

(Jorge de Lima)

Fome

Vinte séculos de revolução
e inda há fome do pão que é a poesia.
Quando tento saciá-la, tento em vão:
é meu ritmo perene, noite e dia.

Cristo, quero escutar Teu coração:
pendo a cabeça e escuto-o. Essa agonia
de fazer o poema, essa paixão,
na Última Ceia começou. Seria,

um de nós... um de nós era suspeito,
um de nós entre os doze Te trairia.
E sob o peso dessa suspeição,

repousei a cabeça no Teu peito.
E esse ritmo de vida que eu ouvia
era o ritmo de fome deste pão.

(Jorge de Lima)

Vereis que o poema cresce independente

Vereis que o poema cresce independente
E tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas,
Algas e peixes lívidos sem dentes,
Veleiros mortos, coisas imprecisas,

Coisas neutras de aspecto suficiente
A evocar afogados, Lúcias, Isas,
Celidônias... Parai sombras e gentes!
Que este poema é poema sem balizas.

Mas que venham de vós perplexidades
Entre as noites e os dias, entre as vagas
E as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...

Qualquer poema é talvez essas metades:
Essas indecisões das coisas vagas
Que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.

(Jorge de Lima, in “Livro de sonetos”, 1949)


Epiciclo

Alma, sê forte; corpo, sê robusto!
Nesse conflito atávico e instintivo
Sê como o gênio que possante e altivo
Constrói antes de morto o próprio busto!

Refreia o teu instinto e o doma a custo
Da dor — da grande dor de seres vivo...
Eu quero! — esse presente indicativo
Otávio a conjugá-lo fez-se Augusto...

Mas nunca concretizes teu ideal!
Um ideal realizado é um transparente
Fruto que ao ser provado sabe mal!

O artista é como o Errático do mito:
Onde pensa que é o fim, surge-lhe à frente
A estrada interminável do Infinito!

(Jorge de Lima)

Manuel Alegre – Poemas
“Causa secreta” – Machado de Assis
Adélia Prado – Poemas
“Ostra feliz não faz pérola” – Rubem Alves


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4 comentários:

  1. Adorei, mas adorei mesmo, "O acendedor de lampiões" !!
    Obrigado por nos oferecer tão forte e sensível poesia!

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  2. E que dizer de "Epiciclo"?...
    Maravilhoso, simplesmente!!

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  3. Obrigado pela visita, meu caro Carlos. Jorge de Lima é sempre encanto e mistério. Um poeta que merece ser mais difundido. Grande abraço!

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