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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO – POEMAS

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO


Estátua falsa

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distância.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...

(Mário de Sá-Carneiro)

Último Soneto

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste... 
– Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

(Mário de Sá-Carneiro)

Além-tédio

Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida, 
"Hopes and fears". Charles West Cope.
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

(Mário de Sá-Carneiro)

O Pajem

Sozinho de brancura, eu vago – Asa
De rendas que entre cardos só flutua...
– Triste de Mim, que vim de Alma pra rua,
E nunca a poderei deixar em casa...

(Mário de Sá-Carneiro)

O Recreio

Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...

– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...

– Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...

Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...

– Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...

(Mário de Sá-Carneiro)

O Fantasma

O que farei na vida – o Emigrado
Astral após que fantasiada guerra,
Quando este Oiro por fim cair por terra,
Que ainda é Oiro, embora esverdinhado?

(De que Revolta ou que país fadado?)
– Pobre lisonja, a gaze que me encerra...
Imaginária e pertinaz, desferra
Que força mágica o meu pasmo aguado?

A escada é suspeita e é perigosa:
Alastra-se uma nódoa duvidosa
Pela alcatifa – os corrimões partidos...

– Tapam com rodilhas o meu norte,
– As formigas cobriram minha Sorte,
– Morreram-me meninos nos sentidos...

(Mário de Sá-Carneiro)


O amor

Mote

Amor é chama que mata, 
"Secret Kiss". Georges Barbier
Sorriso que desfalece,
Madeixa que desata,
Perfume que esvaece.

(popular)

Glosas

Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.

Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.

(Mário de Sá-Carneiro)

Escavação

Numa ânsia de ter alguma cousa, 
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.

Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar...

Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
- Onde existo que não existo em mim?

Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bocas esmagadas -
Tudo outro espasmo que princípio ou fim... 

(Mário de Sá Carneiro, in “Dispersão”)


Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

(Mário de Sá Carneiro)

"Salomé". Gaston Bussiere.
Salomé

Insônia roxa. A luz a virgular-se em medo, 
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua...
Ela dança, ela range. A carne, álcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segredo.

Tudo é capricho ao seu redor, em sombras fátuas...
O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou...
Tenho frio... Alabastro!... A minh' Alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...

Ela chama-me em Íris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecoa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me...

Mordoura-se, a chorar – há sexos no seu pranto...
Ergo-me em som, oscilo e parto, e vou arder-me
Na boca imperial que humanizou um Santo...

(Mário de Sá-Carneiro)

"Tormento não tem idade" - Moacyr Scliar

www.veredasdalingua.blogspot.com.br

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