Mais burrice,
pessoal
É preciso acreditar
em alguma coisa.
Acreditar, por
exemplo, que o ser humano é o único animal que solta marimbondos de fogo pela
boca. Acreditar, digamos, que a letra de “A Minha Renúncia”, cantada por Nelson
Gonçalves, é da autoria de Jânio Quadros, um verdadeiro retrato do artista
quando sóbrio. Acreditar nas virtudes curativas do chá de boldo, da
ipecacuanha, da casca de batata. Acreditar, piamente, que vai terminar a
matança das baleias, que pulularão nos mares, na entrada do novo milênio, que
se anuncia. Crer, senhores, crer com fé de velhinha polaca. Crer, vá lá, que,
um belo dia, Sócrates (o jogador, não o filósofo) vai ser presidente da
República. Acreditar que existe alguma coisa além da morte, já que, do lado de
cá, tem tanta coisa interessante. Tem que acreditar, não interessa em quê.
Acreditar em cegonha, em Papai Noel. Em coelhinho da Páscoa e em sociedade sem
classes. Crer, com funda fé, na vitória final do bem, do concretismo e das
conquistas fundamentais da tropicália. Sobretudo, acreditar que tudo vai
melhorar, o volume da dívida externa, a qualidade da carne bovina, a ilegível
letra dos médicos, os quilates das pedras preciosas do Abi-Ackel, o espírito
democrático do general Newton Cruz, o direto de esquerda do Maguila, o
liberalismo do Vaticano, o grau de consciência política dos surfistas cariocas.
Acreditar, acreditar em tudo, de preferência.
Sem fé, a gente sai
do juvenihilismo, do Martins Suzuki, o Bruce Lee do jornalismo brasileiro (cada
porrada é um tombo), para se atirar nos braços do veteroceticismo, tão bem
detectado pelo Sérgio Augusto.
Os muito cínicos
que me desculpem, mas fé é fundamental.
E, para ter fé, é
preciso uma boa e corajosa dose de burrice.
O que eu vejo nos
meus colegas da Folha é que todo mundo é inteligente demais. Cruz credo! Até parece que todo
mundo, quando crescer, quer ser Paulo Francis. Ou Deus, pelo menos.
E eu estou aqui
para alertar contra os perigos da inteligência e da lucidez em estado puro.
Eu quero a
inteligência em estado burro.
Inteligência é que
nem droga. Nego começa com um pouquinho, vai vai aumentando a dose. E de
repente, está viciado. Pronto, não acredita mais em nada do que lê, venha donde
vier, dos Upanishads, do livro do Gênesis, do Corão, do Bagavad Ghita, da
Declaração dos Direitos do Homem, do Livro dos Mórmons, do Manifesto Comunista,
do “Diário Oficial”, do “Planeta Diário”.
Inteligência em
estado puro é um perigo. Ela leva ao ceticismo, ao sarcasmo, ao deboche, ao
estado sardônico do Ruy Castro, por exemplo. Tudo é risível porque, sempre, o
rei está nu. E se não estiver?
Semanas atrás,
publiquei aqui mesmo um brado de alerta pedindo “carinhos e ternuras” aos meus
colegas de lucidez. O apelo caiu em ouvidos surdos. Todos, sem exceção,
continuaram sua louca marcha suicida em direção à lucidez, à visão crítica, à
maldita inteligência. Depois, não digam que eu não avisei.
Quanto a mim, tenho
uma fé inquebrantável no fato, indiscutível, de que estou aqui, sentado à
máquina, escrevendo um texto em prol do essencial, aquele componente da
estupidez sem o qual não há vida humana possível, nestes tempos Blade Runner de
pós-tudo e pré-algo.
E essa certeza enche a minha vida de calor e sentido, nesta madrugada,
dispendiosa arquitetura que um passarinho, amigo meu, acaba de liquidar com um
simples pio-pio.(Paulo Leminski)
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Texto fantástico!
ResponderExcluirE nem estávamos vivendo a pandemia...
Abraços,