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domingo, 3 de novembro de 2013

Antonio Olinto – Poemas

Antonio Olinto

Soneto de Natal

“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Machado de Assis

Mudaria o Natal ou mudo iria
mudar sempre o menino o mundo em tudo?
Ou fui só quem mudei, e meu escudo
novidadeiro, múltiplo, daria

ao mudadiço mito da alegria
em noite tão mutável jeito mudo?
O homem é mudador, muda de estudo,
de mucama, de verso, pouso, dia,

porque a muda modula esse desnudo
renascimento em palha, e molda e afia
o instrumento da troca, o fim miúdo,

a noite amena erguendo-se em poesia.
Mudei eu sempre sem saber que mudo
ou somente o Natal me mudaria?

(Antonio Olinto)

Teoria do Homem

O começo do homem é o fim do homem 
"Nacer de nuevo". Remedios Varo.
o começo é o fim
o começo é o homem
o homem é o fim
meço o homem pelo fim
o fim é a medida a medida é o começo
a medida é o meio o meio é o medo
o vulto é o vento
o vento bate na bandeira
parece passo na pressa
o passo é a pressa
a pressa é o modo
o modo é o mito
o mito é a meta
o fim é o mito
o mito é o começo
o começo do homem é o fim do homem
o fim do homem é o começo do homem. 

(Antonio Olinto)

Abertura

Noite é chuva, plano é longo.

Hora de abraçar a máquina
medianeira do olho e do objeto
disposta para o módulo dos ritos
através.

Ó câmara de sutis delicadezas,
brandura carda, mansa entrega,
me ensina a reta prontidão
no pegar cada coisa e seu contorno,
me concede a cordura decisiva
da lente caminhando para a imagem
diretamente.

Ferramenta e musa,
vem comigo às estacas do homem
chamado Sousa,
entra na macia resistência da pele
águas adentro
(sabes: somos em aquário,
nele andamos, consistimos,
amamos
refreados de presenças
além do líquido limite:
em aquário somos).
Mulher e fábula,
tira a transparência
das roupas silenciadas,
restaura os rituais
dos mitos cotidianos
passados de fêmea a fêmea,
mãe, irmã, amante,
câmera votiva.

Que importa sejas metal agora,
vidro, foco, olho de máquina,
para a justa visão da coisa vista?

Eia, câmera, comigo
ao plano largo, noite chuva.

(Antonio Olinto)

Infância

"Meninos soltando pipa". Portinari.
Num retrospecto
de que vale?
O menino soltava papagaio
no morro transformado em nova imagem
tão nítida que vai além retângulo,
termina no prelúdio de uma nuvem
e o grito batia longe
na tarde dos bambuais
de que vale?
Sousa já era mas sorria,
tinha o fascínio dos começos,
a fixidez dos olhos sendo
nada e flor.
A voz que subia aflita
(só podia ser da mãe)
talava da noite próxima
e de bichos escondidos
pelo pasto,
no regato,
no caminho,
pela sombra deslizada de repente
de que vale?
Na descida tudo vinha
em gesto nem sempre visto
de papagaio vermelho,
papel de seda rasgado
na maciez do paiol.
Súbito
era noite e um cão latia
alto.

(Antonio Olinto)

Fala do Sousa

O desígnio das coisas
ferido de espera.
Nem poderia ser, como pensais,
de lastro diferente.
Sabeis e guardais remanso.
Vinde à frente do palco
no risco da luz firmada
que os olhos querem vossa fala.
caso inventado mas pende
da mais sólida nuvem.
As tábuas estão aí,
a mesa, o pão, a roupa
e as gentes.
Nas cadeiras que vos olham
a certeza de vossa força.
Traçai o desenho
do que está vindo,
erguei a mão em rito,
fazei objetos.
Agora vejo.
Esse traço é o caminho da moça?
Completai-o que desce um cântico,
não deve ser interrompido.
O desígnio da moça
repousa em nervos de flor.
Riscai outros.
Esse não conheço.
Da que foi mãe?
Parece mais linha sem ponta.
Aonde irá?

(Antonio Olinto)

IV

Faço-me palavra
Ave Palavra,
faço de meu corpo uma árvore em que pouses
faço-me palavra eu também
divido-me nas sílabas necessárias
com tímbales e cânticos
vestir-me-ei por inteiro de palavras
que só existo quando através de ti.
Ave Palavra.

V

A paisagem
Nesse ínterim
esvaziam-se as palavras
inúteis
vindas na enxurrada
em queda no vazio
de listas e sinais.

Sem elas
desaparece o pleno sentido
some ajusta aceitação
de morros e flores
de rios e mares
e ao longo da planície
as palavras renascem
para que delas saia de novo
a paisagem.

"Aproxima-se a tempestade". 1869. Albert Bierstadt.
VI

Trago-te os rios
umedecidos de infância.
Não digas que há esquivanças
neste gesto doado.
Venho com passos naturais,
com piedade, sacrifício,
entregar-te a colheita dos olhos,
o fardo dos claros fracassos.

A pluma capturada
nas realidades sem mistura,
o tenteio do vento
no corpo oferecido as notícias,
a flor presa na mão branca,
o espanto da esposa iniciada,
o passeio exato no jardim —
estão comigo, estas coisas,
nesta verdade do canto,
na quietude dos átrios acalmados.

Trago-te os beijos da criança,
a paisagem ao redor da fazenda,
os brinquedos de barro já com sangue,
os lençóis do justo nascimento.
a mão pousada na madeira,
o sorriso apenas formulado,
a aceitação do gosto recebido,
a alegria das brasas extintas.

Venho dar-te notícias das coisas
esparzidas nos campos lá fora,
entregar-te o resíduo das datas,
o sinal de uma face marcada
para o largo consumo do amor.

(Antonio Olinto)

O crime da máquina

A máquina rodou só
nos trilhos limpos,
foi matar a menina de vermelho.
Bastou um grito para o espanto
fixar-se na tarde.
Desceu gente de longe,
homens pisaram pedras,
mulheres jogaram noites na pressa,
os pais surgiram de súbito.
Um sangue ungia rodas e trilhos,
pedaço de vestido repousava em dormente.
Lanternas acesas na lida em vôo,
foram examinar a máquina,
o freio intacto,
as peças nuas,
a chaminé parada em pânico.
Rodara só
nos trilhos limpos.
Em desvio de falas,
colheram saudades da menina,
assistiram ao desfile das pausas,
contaram casos de nascimento.
A manhã parou na máquina,
os homens trouxeram cadeiras,
fizeram um círculo de vozes,
ergueram pedaços do crime.
Depois, tomaram café,
deram seus votos
e fitaram, em rápida apreensão,
a máquina condenada.
Levaram-na para um desvio,
destruíram os trilhos de um lado e de outro,
fundaram cerca de arame ao redor,
deixaram placa de madeira
com letras em quase cruz.
Quando as outras máquinas passam
nos trilhos mais longe
apitam avisos,
rodam mandadas,
contemplam a cela tênue,
plantas agora buscando as fendas
da quieta locomotiva.

(Antonio Olinto)


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