Universidade Mackenzie
– Vestibular 2018 – 2º Semestre – Prova de Língua Portuguesa
Carta do escritor Graciliano Ramos ao pintor Cândido Portinari
Rio – 18 – Fevereiro – 1946
Caríssimo Portinari:
A sua carta chegou muito atrasada, e receio que
esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há
trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos
deformações; contudo as deformações e miséria existem fora da arte e são
cultivadas pelos que nos censuram.
O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústica,
Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejamos
realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão
perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você
mostrou quando almocei no Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu
foi aquela mãe com a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível:
numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa
vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que
faríamos cromos, anjinhos cor-de-rosa, e isto me horroriza.
Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha
amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejássemos a supressão dela, não
lhe parece? Veja como os nossos ricaços em geral são burros. Julgo naturalmente
que seria bom enforcá-los, mas se isto nos trouxesse tranquilidade e
felicidade, eu ficaria bem desgostoso, porque não nascemos para tal sensaboria.
O meu desejo é que, eliminados os ricos de qualquer modo e os sofrimentos
causados por eles, venham novos sofrimentos, pois sem isto não temos arte.
E adeus, meu grande Portinari. Muitos abraços para
você e para Maria.
Graciliano
sensaboria: contratempo, monotonia
Questão nº 01 - Observe as afirmações:
I. A carta apresentada para leitura pertence a um gênero do discurso do domínio
discursivo interpessoal, por isso prevê, em sua própria elaboração, uma
interlocução entre emissor e destinatário, com papéis bem definidos.
II. A carta apresentada para leitura é classificada como um discurso
aberto, dirigido não a um leitor-interlocutor específico, mas a um conjunto de leitores
virtuais com o objetivo de expressar opiniões e denunciar ações negativas.
III. Na carta apresentada para leitura, pode ser assinalada, entre
outras, a presença das funções emotiva (na manifestação de sentimentos do
emissor), conativa (no endereçamento das mensagens ao destinatário) e
referencial (no tratamento de assuntos específicos).
Assinale a alternativa correta.
a) Estão corretas as afirmações I e II.
b) Estão corretas as afirmações I e III.
c) Estão corretas as afirmações II e III.
d) Todas as afirmações estão corretas.
e) Nenhuma das afirmações está correta.
Questão nº 02 - Assinale a alternativa INCORRETA.
a) Como meio de expressão e comunicação que estabelece diálogo a
distância entre interlocutores, a carta deixou de ser uma prática corriqueira
para a maioria das pessoas.
b) Dados que circunscrevem uma carta espacial e temporalmente fazem
parte dos elementos que constituem esse gênero do discurso.
c) Expressões e palavras com função fática estão presentes na estrutura
de uma carta e apresentam a função de estabelecer a interação verbal.
d) Faz parte obrigatoriamente da estrutura de uma carta como gênero o desenvolvimento
de um enredo fictício, com elementos como personagens, tempo, espaço e voz
narrativa.
e) Na carta apresentada para leitura, encontram-se expressões linguísticas
que evidenciam o comprometimento do emissor com as informações que são transmitidas
por escrito.
Questão nº 03 - Depreende-se corretamente do texto que o escritor Graciliano Ramos:
a) compreende a miséria humana e os sofrimentos como motivadores da produção
artística, que não pode ser apenas ornamental.
b) entende que a função da pintura é oferecer as soluções práticas para
o erradicamento da miséria humana.
c) se refere a pinturas que ele mesmo produziu sobre as diferenças
sociais que afetam o povo brasileiro.
d) se dirige ao pintor Portinari com o claro objetivo de propor a
formação de uma política que exclua os ricos da sociedade.
e) escreve ao pintor Portinari para tentar amenizar o remorso que sente
por explorar a miséria humana.
Questão nº 04 - Assinale a alternativa correta.
a) O sufixo de superlativo em caríssimo (linha 03) e a expressão meu
grande (linha 28) indiciam o grau de afetividade que une emissor e
destinatário da carta.
b) O pronome esta (linha 04) pode ser substituído por “essa” sem
prejuízo para o uso correto da norma culta escrita do português brasileiro.
c) A forma do verbo em fixando (linha 05) denota que a ação a que
se faz referência é considerada em seu estado concluído e final.
d) O uso do pronome nossa (linha 20) evidencia que o emissor da
carta delimita de maneira irrefutável sua separação e distância em relação ao
destinatário.
e) Os verbos seríamos (linha 21) e desejássemos (linha 21)
exprimem o sentido de ações que são dadas como certas e realizadas.
Questão nº 05 - Assinale a alternativa correta.
a) A forma pronominal o (linha 5) refere-se ao substantivo trabalho,
presente no período imediatamente posterior ao do emprego do pronome citado.
b) O verbo dizem (linha 06) denota que se está diante de um
sujeito da ação indeterminado, sem uma referência precisa e relativo a
comentários que eram familiares aos interlocutores da carta.
c) É opcional o uso do acento indicador da crase em a mim mesmo (linha
09), de acordo com as regras atuais de ortografia e acentuação.
d) O referente do pronome isto (linha 10) é mencionado
anteriormente ao uso da forma pronominal indicada.
e) A forma pronominal lhe (linha 22) refere-se anaforicamente ao
substantivo dor, presente no início do parágrafo.
Questão nº 06 – Observe as seguintes
afirmações:
I. Contudo (linha 07) denota sentido de acréscimo, de adição.
II. Quando (linha 13) denota sentido de temporalidade.
III. Pois (linha 27) denota sentido de explicação.
Assinale a alternativa correta.
a) Estão corretas as afirmações I e II.
b) Estão corretas as afirmações I e III.
c) Estão corretas as afirmações II e III.
d) Todas as afirmações estão corretas.
e) Nenhuma das afirmações está correta.
Texto para as questões de 07 a 09
3 de Maio
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é descoberta
Das coisas que eu nunca vi
Oswald de Andrade
Questão nº 07 – Assinale a alternativa correta.
a) O poema é uma radical defesa da oralidade literária, pois o verso Das
coisas que eu nunca vi (v.3) é entendido pelo leitor como “Das coisas que eu
nunca li”.
b) A referência à infância no primeiro verso e o próprio título do poema
afastam
qualquer possibilidade de metalinguagem.
c) A crítica elitista contra modos de pensamento inovadores assume em “3
de
Maio” uma acentuada expressão.
d) A ausência de complexidade formal do poema impede-o de ser
considerado
um exemplar típico da primeira fase modernista.
e) A poesia nos propõe uma visão renovada da experiência do mundo,
revelando
facetas daquilo que não estava evidente em um primeiro olhar.
Questão nº 08 – Assinale a alternativa correta
sobre a vida e a obra do poeta Oswald de Andrade (1890-1954).
a) Dedicou-se exclusivamente à feitura de poemas líricos ao longo de sua
extensa obra literária.
b) A paródia é um recurso usado em sua poesia, como atesta o poema
“Canto
do regresso à pátria”.
c) Aderiu tardiamente ao movimento modernista por ter se assumido como
seguidor das ressalvas ao modernismo formuladas por Monteiro Lobato.
d) Escreveu os seguintes romances de realismo social engajado: O
Quinze e
Vidas Secas.
e) Demonstrou em sua poesia um desinteresse pela nossa cultura e pelo
português brasileiro, preferindo emular fielmente as vanguardas
francesas.
Questão nº 09 – Segundo Alfredo Bosi, no seu
livro História concisa da literatura: “Paralelamente às obras e nascendo
com o desejo de explicá-las e justificá-las, os modernistas fundavam revistas e
lançavam manifestos que iam delimitando os subgrupos, de início apenas
estéticos, mas logo portadores de matizes ideológicos mais ou menos precisos”.
A partir dessas considerações, assinale a alternativa correta.
I. A prática da escrita de manifestos se conecta exclusivamente aos
movimentos de vanguarda latino-americanos, pois as vanguardas europeias
preferiram, no lugar do manifesto, o uso de longos tratados estéticos.
II. Klaxon, publicada no ano de 1922 em São Paulo, e Estética,
lançada em 1924 no Rio de Janeiro, foram duas revistas que contribuíram para o
debate modernista ao longo da década de 1920.
III. Os “Manifesto da poesia Pau-Brasil” e “Manifesto antropófago”
contêm importantes diretrizes do grupo modernista formado ao redor da ação cultural
de Oswald de Andrade e Mário de Andrade.
a) Estão corretas as afirmativas I e II.
b) Estão corretas as afirmativas I e III.
c) Estão corretas as afirmativas II e III.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
Texto para as questões 10 e 11
Fragmento do poema do poeta mineiro Murilo Mendes (1901-1975).
O pastor pianista
Soltaram os pianos na planície deserta
Onde as sombras dos pássaros vêm beber.
Eu sou o pastor pianista,
Vejo ao longe com alegria meus pianos
Recortarem os vultos monumentais
Contra a lua.
Murilo Mendes
Questão nº 10 – Observe as afirmações.
I. O tema da música, frequente na poesia de Murilo Mendes, é trabalhado
nos versos acima sob influência do surrealismo.
II. Os versos revelam ecos da poesia cerebral e racionalista do poeta pernambucano
João Cabral de Melo Neto.
III. Pode-se afirmar que a poesia de Murilo Mendes é multifacetada, pois
em diferentes poemas há tanto uma perspectiva de denúncia social como também
diálogos com o experimentalismo da poesia concreta.
Assinale a alternativa correta.
a) Estão corretas as afirmações I e II.
b) Estão corretas as afirmações I e III.
c) Estão corretas as afirmações II e III.
d) Todas as afirmações estão corretas.
e) Nenhuma das afirmações está correta.
Questão nº 11 – Seria possível compararmos o
fragmento do poema “O pastor pianista” com:
a) a poesia parnasiana de Olavo Bilac e de Alberto Oliveira, pela
presença da temática da arte pela arte.
b) os cenários sertanejos e a representação do conflito entre indivíduo
e natureza, como presentes em Vidas secas, de Graciliano Ramos.
c) o indianismo e as metáforas de mestiçagem, como encontrados no
romance Iracema, de José de Alencar.
d) o poema-piada e a desconstrução com efeito de humor da temática do
amor, característicos da obra de Oswald de Andrade.
e) o jogo poético entre os planos físico e onírico, como recorrente na
obra de Jorge de Lima.
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