CARLOS PENA FILHO – O POETA DO AZUL
- Nasceu em Recife, em 1929, e faleceu na mesma cidade, em 1960, aos 31 anos, vítima de acidente de carro.
- Formou-se em Direito pela Universidade de Recife. Foi poeta, advogado e jornalista.
- Obra de tons simbolistas, carregada de musicalidade, ritmo e plasticidade.
- Em sua obra, destacam-se as cores, o movimento, o jogo de luzes e sombras, as imagens pictóricas.
- Forte predominância da cor azul em seus poemas, daí alguns críticos o chamarem de “O Poeta do Azul”.
- Entre seus temas, destacam-se ainda o mar, o lirismo confessional e a cidade de Recife.
- Obras: “O tempo da busca” (1952), “Memórias de Boi Serapião” (1956), “A vertigem lúcida” (1958), “Livro geral (1959)”.
Assim o poeta dedicava a sua obra “Livro geral” a sua esposa Tânia:
“Tânia: recebe este livro
agora mesmo composto
na face azul do teu rosto,
ilha de sal e de areias
azuis como as nossas veias”
agora mesmo composto
na face azul do teu rosto,
ilha de sal e de areias
azuis como as nossas veias”
(Carlos Pena Filho)
Quando da morte do autor, Manuel Bandeira expressou seu pesar, lembrando a predileção do autor pelo azul:
"Escrevo esse nome, e estou certo de que o inscrevo na eternidade. Pois me parece impossível que as presentes e as futuras gerações esqueçam o poeta encantador, tão cedo e tão tragicamente desaparecido. Como Mallarmé, tinha o poeta pernambucano a obsessão do azul: a sua bela Maria Tânia lhe parecia ‘bela e azul’, na rosa que ele amou via, nos seios da rosa, dois bêbedos marujos ‘desesperados, sós, raros, azuis’, há uma orgia de azul no ‘Soneto do desmantelo azul’, onde acaba nascendo um sol vertiginosamente azul".
Jorge Amado prestou-lhe bela homenagem:
“Eras frágil de carne e osso, tão leve na balança, um vento mais forte podia te arrastar como uma folha de árvore ou um pedaço roto de poema. Por isso talvez sempre me deste a ideia de um anjo por amor perdido nas ruas do Recife. Mas como eras denso de vida por dentro, como eras tão homem e tão povo, tão pernambucano e universal!”
E o sociólogo Gilberto Freyre o compara a um pintor de palavras:
“É característico de Carlos Pena Filho ter dado a alguns de seus poemas títulos que confirmam nele o artista pictórico a servir-se por vezes de palavras como se serviria de tintas. A escrever, pintando com palavras.”
"Bailarinas Azuis". Edgar Degas, Pastel 1899. |
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vestiginosamente azul. Azul.
(Carlos Pena Filho)
Para Fazer um Soneto
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere um instante ocasional
neste curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Ai, adote uma atitude avara
se você preferir a cor local
não use mais que o sol da sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não procure o cinza e esta vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse
antes, deixe levá-lo a correnteza
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza
ponha tudo de lado e então comece.
(Carlos Pena Filho)
A Solidão e Sua Porta
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
(Carlos Pena Filho)
Soneto
Por seres bela e azul é que te oferto
a serena lembrança desta tarde:
tudo em torno de mim vestiu um ar de
quem não te tem mas te deseja perto.
O verão que fugiu para o deserto
onde, indolente e sem motivos, arde,
deixou-nos este leve e vago e incerto
silêncio que se espalha pela tarde.
Por seres bela e azul e improcedente
é que sabes que a flor, o céu e os dias
são estados de espírito, somente,
como o leste e o oeste, o norte e o sul.
Como a razão por que não renuncias
Carlos também
embora sem
flores nem aves
vinho nem naves,
eu te remeto
este soneto
para saberes,
se o acaso o leres,
que existe alguém
no mundo, cem
anos após
que não vaiou
e nem magoou
teu albatroz.
(Carlos Pena Filho, in “Livro Geral”)
Poema De Natal
— Sino, claro sino,
tocas para quem?
— Para o Deus menino
que de longe vem.
— Pois se o encontrares
traze-o ao meu amor.
— E que lhe ofereces,
velho pecador?
- Minha fé cansada,
meu vinho, meu pão,
meu silêncio limpo,
minha solidão.
(Carlos Pena Filho)
Soneto raspado das telas de Aloísio Magalhães
Aquém do sonho e além dos movimentos
uma nesga de azul perdeu as asas.
Quem a invadir, invade os próprios ventos
que varrem mares e entram pelas casas.
Às vezes, penso: não tem dor nem mágoas
quem se ofertou a tão alegre ofício,
mas a mulher que mora atrás do início,
diz: são meus estes céus, minhas as águas
que dormem neste chão, minhas as cores
que apascentam teus olhos e que vêm
de mim e vão das nuvens ou das flores.
Mas só pode ir além dos movimentos,
onde, serena, habito há muito, quem
pela nesga de azul entrar nos ventos.
(Carlos Pena Filho)
Soneto oco
Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.
De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.
Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.
Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.
(Carlos Pena Filho)
Soneto da Busca
Eu quase te busquei entre os bambus
para o encontro campestre de janeiro
porém, arisca que és, logo supus
que há muito já compunhas fevereiro.
Dispersei-me na curva como a luz
do sol que agora estanca-se no outeiro
e assim também, meu sonho se reduz
de encontro ao obstáculo primeiro.
Avançada no tempo, te perdeste
sobre o verde capim, atrás do arbusto
que nasceu para esconder de mim teu busto.
Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou
e a face que na rua não passou.
(Carlos Pena Filho)
Testamento do homem sensato
Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: “Ele era assim...”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em voo se arremeda,
deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.
(Carlos Pena Filho)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere um instante ocasional
neste curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Ai, adote uma atitude avara
se você preferir a cor local
não use mais que o sol da sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não procure o cinza e esta vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse
antes, deixe levá-lo a correnteza
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza
ponha tudo de lado e então comece.
(Carlos Pena Filho)
A Solidão e Sua Porta
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
(Carlos Pena Filho)
"Nostalgia". Josef Kote. |
Por seres bela e azul é que te oferto
a serena lembrança desta tarde:
tudo em torno de mim vestiu um ar de
quem não te tem mas te deseja perto.
O verão que fugiu para o deserto
onde, indolente e sem motivos, arde,
deixou-nos este leve e vago e incerto
silêncio que se espalha pela tarde.
Por seres bela e azul e improcedente
é que sabes que a flor, o céu e os dias
são estados de espírito, somente,
como o leste e o oeste, o norte e o sul.
Como a razão por que não renuncias
ao privilégio de ser bela e azul.
(Carlos Pena Filho)
A Charles Baudelaire Carlos também
embora sem
flores nem aves
vinho nem naves,
eu te remeto
este soneto
para saberes,
se o acaso o leres,
que existe alguém
no mundo, cem
anos após
que não vaiou
e nem magoou
teu albatroz.
(Carlos Pena Filho, in “Livro Geral”)
Poema De Natal
— Sino, claro sino,
tocas para quem?
— Para o Deus menino
que de longe vem.
— Pois se o encontrares
traze-o ao meu amor.
— E que lhe ofereces,
velho pecador?
- Minha fé cansada,
meu vinho, meu pão,
meu silêncio limpo,
minha solidão.
(Carlos Pena Filho)
Soneto raspado das telas de Aloísio Magalhães
Aquém do sonho e além dos movimentos
uma nesga de azul perdeu as asas.
Quem a invadir, invade os próprios ventos
que varrem mares e entram pelas casas.
Às vezes, penso: não tem dor nem mágoas
quem se ofertou a tão alegre ofício,
mas a mulher que mora atrás do início,
diz: são meus estes céus, minhas as águas
que dormem neste chão, minhas as cores
que apascentam teus olhos e que vêm
de mim e vão das nuvens ou das flores.
Mas só pode ir além dos movimentos,
onde, serena, habito há muito, quem
pela nesga de azul entrar nos ventos.
(Carlos Pena Filho)
Soneto oco
Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.
De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.
Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.
Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.
(Carlos Pena Filho)
"Kiss by the window". 1892. Munch. |
Eu quase te busquei entre os bambus
para o encontro campestre de janeiro
porém, arisca que és, logo supus
que há muito já compunhas fevereiro.
Dispersei-me na curva como a luz
do sol que agora estanca-se no outeiro
e assim também, meu sonho se reduz
de encontro ao obstáculo primeiro.
Avançada no tempo, te perdeste
sobre o verde capim, atrás do arbusto
que nasceu para esconder de mim teu busto.
Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou
e a face que na rua não passou.
(Carlos Pena Filho)
Testamento do homem sensato
Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: “Ele era assim...”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em voo se arremeda,
deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.
(Carlos Pena Filho)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
"O crime do açougueiro" - Mário Prata
Conheça as apostilas de literatura do blog Veredas da Língua. Clique em uma das imagens abaixo e saiba como adquiri-las.
ATENÇÃO: Além das apostilas, o aluno recebe também, GRATUITAMENTE, o programa em Powerpoint: 500 TEMAS DE REDAÇÃO
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário