José
Craveirinha
Sílabas
Sento-me
à máquina. Datilografo.
Vacilam-me
nos dedos as teclas.
Desalinhadas
enfileiram-se as letras.
É
angústia da minha velha máquina
ou
será da fita gasta?
É
que na limpidez do papel
Sobressaem
nubladas
Cinco
letras:
Maria.
(José
Craveirinha)
Memória
dos dois
Ambos
juntos
na mesma memória
Eu
o
Zé que não te esquece.
Tu
a
Maria sempre lembrada.
(José
Craveirinha)
A
nossa casa
Ambição
minha e da Maria
foi termos uma casa nossa
onde nos contarmos os cabelos brancos.
Sonho realizado.
Casa definitiva já temos.
Lote 42.
Talhão 71883.
Fachada pintada a cal.
Classica arquitectura rectangular.
Uma via asfaltada com um único sentido.
Tudo sito no derradeiro bairrismo
que é morar no bairro de Lhanguene.
Pelo menos envelhecer já não é problema.
O resto na altura mais propícia
surgirá por si.
Parece que está por pouco.
Na lista onde eu consto
É injusto que tarde
estarmos juntos.
(José
Craveirinha)
"Prelúcio". Malangatana Valente. |
Mas
nas noites
desparasitadas de estrelas
é que as hienas
atuam.
É
de cinzas
o vestígio das palhotas.
(José
Craveirinha)
Jacarandás de saudade
Tempo
de seus passos vindo
pelo tapete de roxas flores
dos jacarandás enfileirados na rua.
Hoje
é eterno o ontem
da silhueta de Maria
caminhando no asfalto da memória
em nebuloso pé ante pé do tempo.
...
Todo o tempo
colar de missangas ao pescoço
sempre o tempo todo
suruma minha suruma da saudade.
Suruma daquela saudade
das flores dos jacarandás
nos passos de Maria.
Tempo
de seus passos vindo
pelo tapete de roxas flores
dos jacarandás enfileirados na rua.
Hoje
é eterno o ontem
da silhueta de Maria
caminhando no asfalto da memória
em nebuloso pé ante pé do tempo.
...
Todo o tempo
colar de missangas ao pescoço
sempre o tempo todo
suruma minha suruma da saudade.
Suruma daquela saudade
das flores dos jacarandás
nos passos de Maria.
(José
Craveirinha)
A boca
Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.
Alva dentadura
antônima do riso
às escâncaras desde a cilada.
Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.
Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.
Alva dentadura
antônima do riso
às escâncaras desde a cilada.
Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.
(José Craveirinha)
Pablo
picassamente
lembrança
dolorosa gêmea de ti
que o ralo cabelo
(algodão-cinza-e-poeira)
me vai requintando por fora.
Ferida
de memória
tão Pablo Picassamente bem suturada
que poucos podem perceber
onde ela te perpetua.
![]() |
"A sopa". Pablo Picasso. |
dolorosa gêmea de ti
que o ralo cabelo
(algodão-cinza-e-poeira)
me vai requintando por fora.
Ferida
de memória
tão Pablo Picassamente bem suturada
que poucos podem perceber
onde ela te perpetua.
Além da rigidez fatal da tela
e dos agoniados azuis
é de vinagre impressionista
meu sombrio tom de guache.
(José
Craveirinha)
Em casa
Em casa
nenhuma hora coincide
com a hora das refeições.
nenhuma hora coincide
com a hora das refeições.
Chego.
Cedo ou tarde
ou nem sequer aparecendo
ninguém me pergunta onde estive.
Demore ou não demore
ninguém me espera.
Cedo ou tarde
ou nem sequer aparecendo
ninguém me pergunta onde estive.
Demore ou não demore
ninguém me espera.
(José
Craveirinha)
Mesa grande
Dos nossos projetos
de uma mesa maior
mais me lembro
quando sentado no mesmo lugar
aquela mesma exígua mesa
agora é uma mesa grande.
de uma mesa maior
mais me lembro
quando sentado no mesmo lugar
aquela mesma exígua mesa
agora é uma mesa grande.
(José
Craveirinha)
O velho dos vasos
No remanso de água
dos vasos.
Com as sedosas pétalas
contíguas ao teu sono
perfumando à volta.
Ultimamente é o Zeca
quem paga ao velhote
que põe flores
e muda a água.
dos vasos.
Com as sedosas pétalas
contíguas ao teu sono
perfumando à volta.
Ultimamente é o Zeca
quem paga ao velhote
que põe flores
e muda a água.
(José
Craveirinha)
Pressentimento
Espera aí mesmo por mim.
Exilado nos meus versos
vou ter contigo.
Sem falta!
Exilado nos meus versos
vou ter contigo.
Sem falta!
(José Craveirinha)
Quero
Ser Tambor
Tambor
está velho de gritar
Oh
velho Deus dos homens
deixa-me
ser tambor
corpo
e alma só tambor
só
tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem
flor nascida no mato do desespero
Nem
rio correndo para o mar do desespero
Nem
zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem
mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem
nada!
Só
tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só
tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só
tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só
tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só
tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só
tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh
velho Deus dos homens
eu
quero ser tambor
e
nem rio
e
nem flor
e
nem zagaia por enquanto
e
nem mesmo poesia.
Só
tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só
tambor noite e dia
dia
e noite só tambor
até
à consumação da grande festa do batuque!
Oh
velho Deus dos homens
deixa-me
ser tambor
só
tambor!
(José
Craveirinha)
Grito
Negro
Eu
sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
![]() |
"Mercado de frutas". Malangatana Valente. |
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu
sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu
sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu
sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu
sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
(José
Craveirinha)
Poema
do futuro cidadão
Vim
de qualquer parte
de uma Nação que ainda não existe.
Vim e estou aqui!
de uma Nação que ainda não existe.
Vim e estou aqui!
Não
nasci apenas eu
nem tu nem outro...
mas irmão.
nem tu nem outro...
mas irmão.
Mas
tenho amor para dar às mãos-cheias.
Amor do que sou
e nada mais.
tenho amor para dar às mãos-cheias.
Amor do que sou
e nada mais.
E
tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho dum país que ainda não existe.
tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho dum país que ainda não existe.
Ah!
Tenho meu amor a rodos para dar
do que sou.
Eu!
Homem qualquer
cidadão de uma nação que ainda não existe.
do que sou.
Eu!
Homem qualquer
cidadão de uma nação que ainda não existe.
(José
Craveirinha)
De
profundis
Extenso
dia taciturno de nuvens.
Nas ramadas passarinhos de mágoa
Lacrimejando chilros. Um braçado
Policromo de flores
Perfumado
De profundis
De coroas.
Nas ramadas passarinhos de mágoa
Lacrimejando chilros. Um braçado
Policromo de flores
Perfumado
De profundis
De coroas.
Tão
duro
Assim lacônico
Nosso adeus de rosas, Maria.
Assim lacônico
Nosso adeus de rosas, Maria.
(José
Craveirinha)
O
meu rosto
Logo
pela manhã
dizem-me carrancuda a expressão
da minha face.
![]() |
"Mulher com os braços cruzados". Picasso |
dizem-me carrancuda a expressão
da minha face.
Escarninho
não respondo.
Para
quê as palavras
ante a evidência das rugas?
ante a evidência das rugas?
A
esferográfica escreve
o que sinto
e explícita a face hostil
reduz a mim mesmo
a tristeza do que nos sucede.
o que sinto
e explícita a face hostil
reduz a mim mesmo
a tristeza do que nos sucede.
Depois...
é só passar à máquina.
é só passar à máquina.
(José
Craveirinha)
Fábula
"Menino
gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou
assoprou com força o balão amarelo.
e assoprou
assoprou
assoprou com força o balão amarelo.
Menino
gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!
Meninos
magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos."
e fizeram balõezinhos."
(José
Craveirinha)
Pena
Zangado
acreditas no insulto
e chamas-me negro.
Mas não me chames negro.
Assim não te odeio.
Porque se me chamas negro
encolho os meus elásticos ombros
e com pena de ti sorrio.
acreditas no insulto
e chamas-me negro.
Mas não me chames negro.
Assim não te odeio.
Porque se me chamas negro
encolho os meus elásticos ombros
e com pena de ti sorrio.
(José
Craveirinha)
Segredo
A
noite estava escura
escura e fechada até à beira do mar
escura e fechada estava a noite.
E os langues
olhos dos dois encontraram
no céu o Cruzeiro do Sul Xi-Ronga
e uma poalha de estrelas cobriu confidências
mundos de silêncio
o litúrgico frenesi dos dedos
e o desejo ardente de não ser
mais do que um.
A noite estava escura
E fechada à beira do mar.
Mas o beijo
Dos dois no tempo esquecido
Transformou a noite.
escura e fechada até à beira do mar
escura e fechada estava a noite.
E os langues
olhos dos dois encontraram
no céu o Cruzeiro do Sul Xi-Ronga
e uma poalha de estrelas cobriu confidências
mundos de silêncio
o litúrgico frenesi dos dedos
e o desejo ardente de não ser
mais do que um.
A noite estava escura
E fechada à beira do mar.
Mas o beijo
Dos dois no tempo esquecido
Transformou a noite.
(José
Craveirinha)
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