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terça-feira, 5 de julho de 2016

PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA - UERJ - 2015

PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA - UERJ - 2015



Angeli
Folha de São Paulo, 17/12/2013


QUESTÃO 01 - No cartum, há uma alusão aos “rolezinhos”, manifestações em que jovens, em geral oriundos de periferias, formam grandes grupos para circular dentro de shoppings. Com base no diálogo entre os guardas e nos elementos visuais que compõem o cartum, é
possível inferir uma crítica do cartunista baseada no seguinte fato:

(A) os jovens se descontrolam em grupos muito numerosos
(B) os guardas pertencem à mesma classe social dos jovens
(C) os guardas hesitam no cumprimento de medida repressiva
(D) os jovens ameaçam as atividades comerciais dos shoppings

QUESTÃO 02 - Por meio de aspectos gráficos, o cartum sugere o caráter generalizante que pode ter um preconceito. Um aspecto que aponta para essa generalização é:

(A) o traçado plano do cenário principal
(B) a forma difusa das pessoas ao fundo
(C) o destaque dado ao letreiro do shopping
(D) a nitidez da representação dos dois guardas

O ARRASTÃO

            Estarrecedor, nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em dizer o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de escravos, como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte para o trabalho às quatro e meia das manhãs de todas as semanas, que administra com o marido um ganho de mil e seiscentos reais, que paga pontualmente seus carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros, é baleada em circunstâncias não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no porta-malas de um carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto, pelo asfalto do Rio.
            Não vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos. Mas, antes das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir fora do script, escancarou um real que está acostumado a existir na sombra.
            O marido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse como abriu (por obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais um caso”. Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada1 pela surdez da praxe2, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras.
            É uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas porque destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos surrealistas3), uma cena recalcada4 da consciência nacional, com tudo o que tem de violência naturalizada e corriqueira, tratamento degradante dado aos pobres, estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta transformada em trapalhada transcendental5, além de um índice grotesco de métodos de camuflagem e desaparição de pessoas. Pois assim como Amarildo6 é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Cláudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo.
            O acaso da queda de Cláudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do desaparecimento de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do carnaval de horror que escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.

José Miguel Wisnik - Adaptado de oglobo.globo.com, 22/03/2014.
1 aplainada − nivelada
2 praxe − prática, hábito
3 surrealistas − participantes de movimento artístico do século 20 que enfatiza o papel do inconsciente
4 recalcada − fortemente reprimida
5 transcendental − que supera todos os limites
6 Amarildo − pedreiro desaparecido na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, em 2013, depois de ser detido por policiais

QUESTÃO 03 - No início do texto, ao expressar sua indignação em relação ao tema abordado, o autor apresenta uma reflexão sobre o emprego de adjetivos. Essa reflexão está associada à seguinte ideia:

(A) o fato exige análise criteriosa
(B) o contexto constrói ambiguidade
(C) a linguagem se mostra insuficiente
(D) a violência pede descrição cuidadosa

QUESTÃO 04 - Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos.
Esta frase contém um ponto de vista que se baseia na pressuposição da existência de:

(A) testemunhas omissas do caso
(B) falhas importantes nos processos
(C) segmentos excluídos da população
(D) imparcialidades frequentes nos julgamentos

QUESTÃO 05 - Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada pela surdez da praxe, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras.
Logo após citar a declaração do marido de Cláudia, o autor a explica.
Em relação a essa declaração, a explicação do autor produz o efeito de:

(A) enfatizar seu conteúdo
(B) corrigir sua construção
(C) enumerar seus detalhes
(D) contrapor-se a sua simplicidade

QUESTÃO 06 - É uma imagem verdadeiramente surreal,
Na argumentação desenvolvida pelo autor, a imagem do porta-malas do carro da polícia expressa sentidos ambivalentes em relação à violência. Esses sentidos podem ser definidos como:

(A) achar − perder (B) socorrer − redimir (C) esconder − revelar (D) orientar − desorientar

QUESTÃO 07 - Pois assim como Amarildo é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Cláudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo.
Neste trecho, para aproximar dois casos recentemente noticiados na imprensa, o autor emprega um recurso de linguagem denominado:

(A) antítese (B) negação (C) metonímia (D) personificação

QUESTÃO 08 - Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.
A sequência do emprego dos artigos em “de um Brasil” e “do Brasil” representa uma relação de sentido entre as duas expressões, intimamente ligada a uma preocupação social por parte do autor do texto.
Essa relação de sentido pode ser definida como:

(A) ironia (B) conclusão (C) causalidade (D) generalização

Medo e vergonha

            O medo é um evento poderoso que toma o nosso corpo, nos põe em xeque, paralisa alguns e atiça a criatividade de outros. Uma pessoa em estado de pavor é dona de uma energia extra capaz de feitos incríveis.
            Um amigo nosso, quando era adolescente, aproveitou a viagem dos pais da namorada para ficar na casa dela. Os pais voltaram mais cedo e, pego em flagrante, nosso Romeu teve a brilhante ideia de pular, pelado, do segundo andar. Está vivo. Tem hoje essa incrível história pra contar, mas deve se lembrar muito bem da vergonha.
            Me lembrei dessa história por conta de outra completamente diferente, mas na qual também vi meu medo me deixar em maus lençóis.
            Estava caminhando pelo bairro quando resolvi explorar umas ruas mais desertas. De repente, vejo um menino encostado num muro. Parecia um menino de rua, tinha seus 15, 16 anos e, quando me viu, fixou o olhar e apertou o passo na minha direção. Não pestanejei. Saí correndo. Correndo mesmo, na mais alta performance de minhas pernas.
            No meio da corrida, comecei a pensar se ele iria mesmo me assaltar. Uma onda de vergonha foi me invadindo. O rapaz estava me vendo correr. E se eu tivesse me enganado? E se ele não fosse fazer nada? Mesmo que fosse. Ter sido flagrada no meu medo e preconceito daquela forma já me deixava numa desvantagem fulminante.
            Não sou uma pessoa medrosa por excelência, mas, naquele dia, o olhar, o gesto, alguma coisa no rapaz acionou imediatamente o motor de minhas pernas e, quando me dei conta, já estava em disparada.
            Fui chegando ofegante a uma esquina, os motoristas de um ponto de táxi me perguntaram o que tinha acontecido e eu, um tanto constrangida, disse que tinha ficado com medo. Me contaram que ele vivia por ali, tomando conta dos carros. Fervi de vergonha.
            O menino passou do outro lado da rua e, percebendo que eu olhava, imitou minha corridinha, fazendo um gesto de desprezo. Tive vontade de sentar na guia1 e chorar. Ele só tinha me olhado, e o resto tinha sido produto legítimo do meu preconceito.
            Fui atrás dele. Não consegui carregar tamanha bigorna2 pra casa. “Ei!” Ele demorou a virar. Se eu pensava que ele assaltava, ele também não podia imaginar que eu pedisse desculpas. Insisti: “Desculpa!” Ele virou. Seu olhar agora não era mais de ladrão, e sim de professor. Me perdoou com um sinal de positivo ainda cheio de desprezo. Fui pra casa pelada, igual ao Romeu suicida.

Denise Fraga - folha.uol.com.br, 08/01/2013
1 guia − meio-fio da calçada
2 bigorna − bloco de ferro para confecção de instrumentos

QUESTÃO 09 - No primeiro parágrafo, apresentam-se algumas características do medo, quase todas positivas, mas se omite uma de suas características negativas, tematizada no decorrer do texto. Esta característica negativa do medo é a de:

(A) basear-se em fatos                   (B) ter vergonha do sentimento
(C) reforçar um constrangimento     (D) ser motivado por preconceito

QUESTÃO 10 - A crônica é um gênero textual que frequentemente usa uma linguagem mais informal e próxima da oralidade, pouco preocupada com a rigidez da chamada norma culta. Um exemplo claro dessa linguagem informal, presente no texto, está em:

(A) O medo é um evento poderoso que toma o nosso corpo, (l. 1)
(B) Me lembrei dessa história por conta de outra completamente diferente, (l. 8)
(C) De repente, vejo um menino encostado num muro. (l. 10-11)
(D) ele também não podia imaginar que eu pedisse desculpas. (l. 28)

QUESTÃO 11 - Seu olhar agora não era mais de ladrão, e sim de professor. (l. 29)
A frase deixa subentendida a ideia de que o menino foi capaz de ensinar, pelo exemplo, algo à autora. Esse ensinamento dado pelo menino está ligado à capacidade de:

(A) perdoar (B) desprezar (C) desculpar-se (D) arrepender-se

QUESTÃO 12 - Na última frase da crônica, a autora correlaciona dois episódios. Em ambos, aparece o atributo “pelado(a)”. No entanto, esse atributo tem significado diferente em cada um dos episódios. No texto, o significado de cada termo se caracteriza por ser, respectivamente:

(A) literal e figurado (B) geral e particular (C) descritivo e irônico (D) ambíguo e polissêmico

CANÇÃO DO VER

Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos1 de passarinhos
que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão − como alguém
que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.

Manoel de Barros - Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.

1 arrulos − canto ou gemido de rolas e pombas

QUESTÃO 13 - No poema, o poste é associado à própria vida do eu poético. Nessa associação, a imagem do poste se constrói pelo seguinte recurso da linguagem:

(A) anáfora (B) metáfora (C) sinonímia (D) hipérbole

QUESTÃO 14 - O título Canção do ver reúne duas esferas diferentes dos sentidos humanos: audição e visão. No entanto, no decorrer do poema, a visão predomina sobre a audição. Os dois elementos que confirmam isso são:

(A) o imobilismo do poste e a saudade dos tempos passados
(B) a inclinação do poste e sua adoção pela paisagem natural
(C) a aparência do poste e a suposição do arrulo dos passarinhos
(D) o silêncio do poste e a impossibilidade de transcrição musical

QUESTÃO 15 - Agora ele estava tão verdinho! (v. 4)
De modo diferente do que ocorre em passarinhos, o emprego do diminutivo, no verso acima, contribui para expressar um sentido de:

(A) oposição (B) gradação (C) proporção (D) intensidade

QUESTÃO 16 - A memória expressa pelo enunciador do texto não pertence somente a ele. Na construção do poema, essa ideia é reforçada pelo emprego de:

(A) tempo passado e presente           (B) linguagem visual e musical
(C) descrição objetiva e subjetiva      (D) primeira pessoa do singular e do plural



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