RAUL DE LEONI - POEMAS
Legenda dos Dias
O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada...
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...
(Raul de Leoni)
Ingratidão
Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...
Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,
Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...
(Raul de Leoni)
História antiga
No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...
Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...
Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,
E eu sinto, sem, no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...
(Raul de Leoni)
"Prometeu acorrentado". Peter Paul Rubens |
Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente…
Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora,
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da Serpente.
Queres sonhar? Defende-te em segredo,
E lembra, a cada instante e a cada dia,
O que sempre acontece e aconteceu:
Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!
(Raul de Leoni)
Sei de Tudo
Anne Bachelier. |
A forma, o modo, o espírito e os destinos.
Sei da vida das almas e aprofundo
O mistério dos seres pequeninos.
Sei da ciência do Espaço, sei o fundo
Da terra e os grandes mundos submarinos,
Sei o Sol, sei o Som e o elo profundo
Que há entre os passos humanos e os divinos.
Sei de todas as cousas, a teoria
Do Universo e as longínquas perspectivas
Que emergem da expressão das cousas vivas.
Sei de tudo e – oh! tristíssima ironia! -
Pelo caminho eterno por que vou,
Eu, que sei tudo, só não sei quem sou…
(Raul de Leoni)
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