GOMES LEAL
- António Duarte Gomes Leal nasceu em Lisboa, em 1848, e faleceu na mesma cidade, em 1921.
- Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não o concluiu.
- Levou uma vida boêmia e desregrada, mas converteu-se ao catolicismo ao final da vida. Poeta de triste destino, morreu pobre e na miséria, vivendo de caridade alheia.
- Poesia oscilante entre três escolas literárias da segunda metade do séc. XX: o Romantismo, o Simbolismo e o Parnasianismo. Foi considerado ainda um precursor do Modernismo.
- Fez poemas de quase todos os tipos, inspirados em diversas tendências literárias.
- Poesia de cunho social, retratando a miséria e o desalento dos mais necessitados.
- Poesia satírica em que ironizava a corte, o clero, a burguesia e os costumes do povo português. Foi detido e cumpriu pena na prisão do Limoeiro por críticas ao rei D. Luís.
- Poesia romântica em que exaltava o amor e idealizava a mulher.
- Trabalhou ainda outros temas, como a religiosidade, o ocultismo, o pessimismo e a vida boêmia noturna de Portugal.
Ele se definia como sendo um poeta de três faces:
A um corpo perfeito
Nenhum corpo mais lácteo e sem defeito,
Mais róseo, escultural, ou feminino,
Pode igualar-se ao seu branco e divino
Imóvel, nu, sobre o comprido leito! -
Nada se lhe iguala! - O ferro do assassino
Podia, hoje, matá-la, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
Daquele corpo sem rival, perfeito.
Por isso é muito altiva e apetecida.
E o gozo sensual de a ver vencida
Há-de ser forte, estranho, singular...
Como o das coisas dignas de castigo
– ou qual amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d´um altar.
Mais róseo, escultural, ou feminino,
Pode igualar-se ao seu branco e divino
Imóvel, nu, sobre o comprido leito! -
Nada se lhe iguala! - O ferro do assassino
Podia, hoje, matá-la, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
Daquele corpo sem rival, perfeito.
Por isso é muito altiva e apetecida.
E o gozo sensual de a ver vencida
Há-de ser forte, estranho, singular...
Como o das coisas dignas de castigo
– ou qual amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d´um altar.
(Gomes Leal)
A jovem Miss
Ela é tão loura, lírica, franzina,
tão mimosa, quieta e virginal
como uma bela virgem dum missal,
toda dourada e preciosa e fina!
Não há graça mais casta e feminina
do que a dela! Seu riso angelical
cria em nós todo um mundo de moral,
melhor que tudo o que Platão ensina!
Por isso e pela sua castidade,
deve ser gozo intenso, na verdade,
sentir fundir-se em nós seus olhos régios!
E o gozo de a beijar trêmula, amante,
deve ser quase estranho e semelhante
ao de fazer terríveis sacrilégios!
tão mimosa, quieta e virginal
como uma bela virgem dum missal,
toda dourada e preciosa e fina!
Não há graça mais casta e feminina
do que a dela! Seu riso angelical
cria em nós todo um mundo de moral,
melhor que tudo o que Platão ensina!
Por isso e pela sua castidade,
deve ser gozo intenso, na verdade,
sentir fundir-se em nós seus olhos régios!
E o gozo de a beijar trêmula, amante,
deve ser quase estranho e semelhante
ao de fazer terríveis sacrilégios!
(Gomes Leal)
Cantiga do Campo
Por que andas tu mal comigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas
Vais cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noites claras!
Os que andam na descamisa
Gabam a viola tua,
Que, às vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.
E falam com tristes vozes
Do teu amor singular
Àquela casa onde coses,
Com varanda para o mar.
Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!
E andar contigo, ó meu pomo,
Exposto às chuvas e aos sóis!
E uma noite morrer como
Se morrem os rouxinóis!
Morrer chorando, num choro
Que mais as magoas consola,
Levando só o tesouro
Da nossa triste viola!
Por que andas tu mal comigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Por que andas tu mal comigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas
Vais cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noites claras!
Os que andam na descamisa
Gabam a viola tua,
Que, às vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.
E falam com tristes vozes
Do teu amor singular
Àquela casa onde coses,
Com varanda para o mar.
Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!
E andar contigo, ó meu pomo,
Exposto às chuvas e aos sóis!
E uma noite morrer como
Se morrem os rouxinóis!
Morrer chorando, num choro
Que mais as magoas consola,
Levando só o tesouro
Da nossa triste viola!
Por que andas tu mal comigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
(Gomes Leal)
DE NOITE
Ele vinha da neve, dos trabalhos
violentos, custosos, da enxada,
cantando a meia voz, pelos atalhos.
violentos, custosos, da enxada,
cantando a meia voz, pelos atalhos.
A mulher, loura, infeliz, resignada,
cosia junto à luz. O rijo vento
batia contra a porta mal fechada.
Ao pé, havia um Cristo, um ramo bento
e uma estampa a Virgem, colorida,
cheia de mágoa, olhando o firmamento…
e uma estampa a Virgem, colorida,
cheia de mágoa, olhando o firmamento…
Portinari. "Duas mulheres e duas crianças". |
Uma banca de pinho, mal sustida,
vacilante aos pés: um candeeiro,
companheiros daquela negra vida.
companheiros daquela negra vida.
O homem, alto, pálido, trigueiro,
entrou. Tinha as feições queimadas, duras,
dos que andam com a enxada, o dia inteiro.
entrou. Tinha as feições queimadas, duras,
dos que andam com a enxada, o dia inteiro.
A mulher abraçou-o. As linhas puras
do seu rosto contavam já tristezas
de grandes e secretas amarguras.
do seu rosto contavam já tristezas
de grandes e secretas amarguras.
Tinha chorado muito as estreitezas
daquela vida assim!… Talvez sonhado
um dia com palácios e riquezas!
daquela vida assim!… Talvez sonhado
um dia com palácios e riquezas!
Ele deitou-se a um canto, fatigado
de erguer-se, alta manhã, todos os dias,
mal voavam as pombas do telhado.
de erguer-se, alta manhã, todos os dias,
mal voavam as pombas do telhado.
Lá fora, nuvens grossas e sombrias
no pesado horizonte. Ele assim esteve
– as noites eram ásperas e frias -
no pesado horizonte. Ele assim esteve
– as noites eram ásperas e frias -
Ela cobriu-o duma manta leve,
esburacada, velha. No telhado
ouvia-se cair, sonora, a neve.
esburacada, velha. No telhado
ouvia-se cair, sonora, a neve.
Ela então meditou no seu passado;
no seu primeiro beijo, nas lembranças,
talvez, do seu vestido de noivado,
no seu primeiro beijo, nas lembranças,
talvez, do seu vestido de noivado,
e nas tardes das eiras, e das danças
às estrelas, e aquela vez primeira
que a rosa lhe furtou das longas tranças;
às estrelas, e aquela vez primeira
que a rosa lhe furtou das longas tranças;
e aquela tarde, junto da amoreira,
que trocaram as mãos; e na janela;
e quando olhavam juntos; a ribeira;
que trocaram as mãos; e na janela;
e quando olhavam juntos; a ribeira;
e quando era tímida e singela…
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Lá fora, dava o vento nos caixilhos;
não brilhava no céu nem uma estrela.
não brilhava no céu nem uma estrela.
E, àquela hora da noite, por que trilhos
andariam no mundo – ela cismava –
nas misérias, talvez, sem rumo, os filhos!…
andariam no mundo – ela cismava –
nas misérias, talvez, sem rumo, os filhos!…
Ele, na manta velha, ressonava.
(Gomes Leal)
Aqui, leitor sossegado,
- Velho burguês de outras eras! -
Depõe o livro de lado
- Não leias estas quimeras!
Não corras esta carteira
Meu velho amigo sem dentes!
Enquanto geme a lareira
- Sonha em mortos parentes!
Mas vós, amigos dos sonhos,
Doces, místicas violetas,
Castos selvagens tristonhos,
E solitários poetas,
Que amais as tristes paisagens
E as coisas misteriosas,
A longa chuva, as viagens,
E as melodias nervosas,
Nas longas noites de outono,
Que o vento varre a poeira,
E a chuva bate... – sem sono ! –
Folheai esta carteira.
(Gomes Leal)
O Selvagem
Gomes Leal |
Eu não amo ninguém. Também no mundo
Ninguém por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais calado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e mudo,
- Passividade estúpida das Cousas.
Fechei, de há muito, o livro do Passado
Sinto em mim o desprezo do Futuro,
E vivo só comigo, amortalhado
N'um egoísmo bárbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos cruéis indiferentes,
Meu peito é um covil, onde, às escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguém me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua...
Ninguém por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais calado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e mudo,
- Passividade estúpida das Cousas.
Fechei, de há muito, o livro do Passado
Sinto em mim o desprezo do Futuro,
E vivo só comigo, amortalhado
N'um egoísmo bárbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos cruéis indiferentes,
Meu peito é um covil, onde, às escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguém me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua...
(Gomes Leal, in "Claridades do Sul")
Eu tenho ouvido as sinfonias das plantas.
Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
enquanto o mar produz o monstro azulejado
e Deus, em cima, faz as verdes primaveras.
Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
e erro como estrangeiro ou homem doutras eras,
talvez por um contrato irônico lavrado
que fiz e já não sei noutras sutis esferas.
A espada da Teoria, o austero Pensamento,
não mataram em mim o antigo sentimento,
embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...
E obedecendo ainda a meus velhos amores,
procuro em toda a parte a música das cores,
– e nas tintas da flor achei a Melodia.
(Gomes Leal)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
"A borboleta preta" - Machado de Assis
"Receita padrão de adultério" - Carlos Heitor Cony
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