Você tem que me ler
"Duality" - Arthur Brahinskiy. Óleo sobre tela. |
É antropológico: mulher odeia ser mandada. São séculos e
séculos de opressão. Não dê corda, que já cheira a forca. Vale, inclusive, para
a masoquista. Gosta de firmeza, não que alguém diga o que ela deve ou não
fazer. Não seja autoritário. O feminismo não é conversa de sapatão.
Que aconselhe, não emplaque uma
ordem. Que ofereça um palpite, este é despretensioso como um assobio, é soprar
uma melodia e permitir espaço para que ela complete a letra. Finja que está no
chuveiro – menor o risco de se afogar. Fale cantado. Quem canta nunca será um
ditador.
Posso estar plenamente
equivocado, sou tão bonito quanto carro de eletricista, mas mulher aprecia é
sentir saudade. Quando o homem desaparece e ela corre para procurá-lo. São
coisas do cotidiano. Fui percebendo que a conversa com a minha namorada
estragava sempre do mesmo jeito. Havia um método no erro. Uma insistência de
minha parte. Uma frase morse que truncava o entendimento. Depois que
pronunciava aquilo, nada mais funcionava. Da calmaria, ela migrava para um
estado nervoso e impaciente. A transformação de sua atitude me baqueava: O que
foi? Será que perdi algo? Retrocedia para caçar uma gafe. Cansei até captar o
sinal. O homem ainda tenta melhorar sua imagem com o bombril na antena.
Eu dizia “você tem que” a cada
início de diálogo. Impositivo, não agia por mal, era um hábito, buscava
convencer com “você tem que”. Parecia que tinha a solução dos problemas do
mundo. Persuasão é a sedução para quem não tem paciência. Meu caso; não cuidava
da linguagem e depois estranhava o silêncio dela. “Você tem que” é um mandado
de segurança. É atestar que ela não desfruta de condições de conduzir a própria
vida. Virava um segundo pai, determinando suas atitudes. Fugia da cumplicidade,
vinha com os mandamentos e as condicionais de comportamento para que merecesse
a mesada.
O homem não botou na cabeça que a
fragilidade da mulher não é dependência. Ela não precisa ser protegida, e sim
respeitada. Existe uma diferença aguda no tratamento. Depois que ela fica braba
não adianta remendar. Emerge um pânico das cavernas, o receio de ser puxada
pelos cabelos e pelas palavras. Igual é chamá-la de louca no meio de uma
discussão.
Quem não encheu o pulmão para
desabafar “você está louca!”, com aquele grito catártico, que serve como
elevador para todo o prédio? Eu confesso, mais de uma vez. É novamente afirmar
que ela não tem domínio, que nem sabe o que está falando e menosprezar sua
opinião. Pode até ser louca, mas não chame de louca, senão ela não vai
recuperar o juízo. Na história do pensamento, quantas mulheres foram enviadas
para o hospício devido a sua autonomia? Quantas receberam eletrochoque ou
sofreram lobotomia em função da independência de estilo? Significa um joanete
ancestral, um calo antiquíssimo, não pise.
Joana D’Arc não foi uma bruxa.
Assim como vassoura não é para voar, é para varrer qualquer sujeira machista
dentro de casa.
(Fabrício Carpinejar, crônica publicada no jornal “Zero
Hora”, em 04/10/2010)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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É por aí mesmo!
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