Reunião de mães
Na reunião de pais só havia mães.
Eu me sentiria constrangido em meio a tanta mulher, por mais simpáticas me
parecessem, e acabaria nem entrando - se não pudesse logo distinguir,
espalhadas no auditório, duas ou três presenças masculinas que partilhariam de
meu ressabiado zelo paterno.
"When teacher´s back is turned". Taanmann Jacob. |
Sentei-me numa das últimas filas,
para não causar espécie à seleta assembléia de progenitoras. Uma delas fazia
tricô, e várias conversavam, já confraternizadas de outras reuniões. O
Padre-Diretor tomou assento à mesa, cercado de professoras, e deu início à
sessão.
Eu viera buscar Pedro Domingos
para levá-lo ao médico, mas desta vez cabia-me também participar antes da
reunião. Afinal de contas andava mesmo precisando de verificar pessoalmente a
quantas o menino andava.
O. Padre-Diretor fazia
considerações gerais sobre o uniforme de gala a ser adotado. A gravatinha é
azul? perguntou uma das mães. Meia três - quartos? - perguntou outra. E o
emblema no bolsinho? - perguntou uma terceira. Outra ainda, à minha frente,
quis saber se tinha pesponto - mas sua pergunta não chegou a ser ouvida.
Invejei-lhes a desenvoltura. Tive
vontade de perguntar também alguma coisa, para tornar mais efetivo meu
interesse de pai - mas temi aquelas mães todas voltando a cabeça, curiosas e
surpreendidas, ante uma destoante voz de homem, meio gaguejante talvez de
insegurança. Poderia também não ser ouvido - e se isso me acontecesse eu
sumiria na cadeira. Além do mais, não me ocorria nada de mais prático para
perguntar senão o que vinha a ser pesponto.
Acabei concluindo que tanta
perguntação quebrava um pouco a solene compostura que devíamos manter, como
responsáveis pelo destino de nossos filhos. E dispensei-me de intervir,
passando a ouvir a explanação do Padre-Diretor:
– Chegamos agora ao ponto que
interessa: o quinto ano. Depois de cuidadosa seleção, foi dividido em três
turmas - a turma 14, dos mais adiantados; a turma 13, dos regulares; e a turma
12, dos atrasados, relapsos, irrequietos, indisciplinados. Os da 13 já não são
lá essas coisas, mas os da 12 posso assegurar que dificilmente irão para
frente, não querem nada com estudo.
Fiquei atento: em qual delas
estaria o menino? Pensei que o Diretor ia ler a lista de cada turma - o meu
certamente na 14. Não leu, talvez por consideração para com as mães que tinham
filhos na 12. Várias, que já sabiam disso, puseram-se a falar ao mesmo tempo:
não era culpa delas; levavam muito dever para casa, não se habituavam com o
semi-internato. Uma - a do tricô, se não me engano - chegou mesmo a se queixar
do ensino dirigido, que a seu ver não estava dando resultado. Outra disse que
tinha três filhos, faziam provas no mesmo dia, como prepará-los de uma só vez?
O Padre-Diretor sacudiu a cabeça, sorrindo com simpatia – não posso nem ao
menos lastimar que a senhora tenha tanto filho. E voltou a falar nos relapsos,
um caso muito sério. Não vai esse Padre dizer que meu filho está entre eles,
pensei. Irrequieto, indisciplinado. Ah, mas ele havia de ver comigo: entre os
piores!
E por que não? Quietinho, muito
bem mandado, filhinho do papai, maria-vai-com-as-outras ele não era mesmo não.
Desafiei o auditório, acendendo um cigarro: ninguém tinha nada com isso.
Criança ainda, na idade mesmo de brincar e não levar as coisas tão a sério. O
curioso é que não me parecesse assim tão vadio - jogava futebol na rua,
assistia à televisão, brincava de bandido, mas na hora de estudar o rapazinho
estudava, então eu não via? Quem sabe se procurasse ajudá-lo, dar uma mãozinha.
. Mas essas coisas que ele andava estudando eu já não sabia de cor, tinha de
aprender tudo de novo. Outro dia, por exemplo, me embatucou perguntando se eu
sabia como se chamam os que nascem na Nova Guiné. Ninguém sabe isso, meu filho,
respondi gravemente. Ah, não sabe? Pois ele sabia: guinéu! Não acreditei, fui
olhar no dicionário para ver se era mesmo. Era. Talvez estivesse na turma 13,
bem que sabia lá uma coisa ou outra, o danadinho.
Agora o Diretor falava na comida
que serviam ao almoço. Da melhor qualidade, mas havia um problema os meninos
se recusavam a comer verdura, ele fazia questão que comessem, para manter dieta
adequada. No entanto, algumas mães não colaboravam. Mandavam bilhetinhos
pedindo que não dessem verdura aos filhos.
Eis algo que eu jamais soube
explicar: por que menino não gosta de verdura? Quando menino eu também não
gostava.
Pedem às mães que mandem
bilhetinhos e não é só isso: usam qualquer recurso para não comer verdura. Hoje
mesmo me apareceu um com um bilhete da mãe dizendo: não obrigar meu filho a
comer verdura. Só que estava escrito com a letra do próprio menino.
Chegada era a hora de levá-lo ao
médico - uma professora amiga foi buscá-lo para mim.
– Meu filho - perguntei, ansioso, assim que
saímos:
– Em que turma você está? Na 12
ou na 13?
– Na 14 - ele respondeu,
distraído. Respirei com alívio: e nem podia ser de outra maneira, não era isso
mesmo?
– Fico satisfeito de saber -
comentei apenas.
Ele não perdeu tempo:
– Então eu queria te pedir um
favor – aproveitou logo – que você mandasse ao Padre-Diretor um bilhete dizendo
que eu não posso comer verdura.
(Fernando Sabino, in “A vitória da infância”)
Leia também:
Virgínia Victorino - Poemas
"Navegar é preciso" - Fernando Pessoa
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