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sábado, 31 de outubro de 2015

Prova de Língua e Literatura em Língua Portuguesa – Cásper Líbero – 2012

Prova de Língua e Literatura em Língua Portuguesa – Cásper Líbero – 2012



Leia o texto a seguir e responda às questões de 1 a 6:

Ser ou não ser

            Na atualidade, a imagem da juventude está marcada ao mesmo tempo pela ambiguidade e pela incerteza. Digo ambiguidade, pois se, de um lado, a juventude é sempre exaltada na contemporaneidade, cantada que é em prosa e verso pelas potencialidades existenciais que condensaria, por outro a condição jovem caracteriza-se por sua posição de suspensão no espaço social, que se materializa pela ausência de seu reconhecimento social e simbólico.
            Seria em decorrência disso que a incerteza é o que se delineia efetivamente como o futuro real para os jovens, em todos os quadrantes do mundo. É preciso destacar, antes de tudo, que a possibilidade de experimentação foi o que passou a caracterizar a condição da adolescência no Ocidente, desde o final do século 18, quando as idades da vida foram construídas em conjunção com a família nuclear burguesa, em decorrência da emergência histórica da biopolítica.
            Nesse contexto, a adolescência foi delimitada como o tempo de passagem entre a infância e a idade adulta, na qual o jovem podia empreender experiências nos registros do amor e das escolhas profissionais, até que pudesse se inserir no mercado de trabalho e se casar para reproduzir efetivamente as linhas de força da família nuclear burguesa. Desde os anos 1980, no entanto, essa figuração da adolescência entrou em franco processo de desconstrução, por diversas razões.
            Antes de mais nada, pela revolução feminista dos anos 1960 e 70, com a qual as mulheres foram em busca de outras formas sociais de existência, além da condição materna. Em seguida, porque o deslocamento das mulheres da posição exclusivamente materna foi o primeiro combate decisivo contra o patriarcado, que forjou nossa tradição desde a Antiguidade. Finalmente, a construção do modelo neoliberal da economia internacional, em conjunção com seu processo de globalização, teve o poder de incidir preferencialmente em dois segmentos da população, no que tange ao mercado de trabalho. De fato, foram os jovens e os trabalhadores da faixa etária dos 50 anos os segmentos sociais mais afetados pela voragem neoliberal. Com isso, se os primeiros passaram a se inserir mais tardiamente no dito mercado, os segundos passaram a ser descartados para ser substituídos por trabalhadores jovens e mais baratos, pela precariedade que foi então estabelecida no mercado de trabalho.
            Foi em consequência desse processo que o tempo de duração da adolescência se alongou bastante, ficando então os jovens fora do espaço social formal e lançados perigosamente numa terra de ninguém. Assim, graças à ausência de inserção no mercado de trabalho, a juventude foi destituída de reconhecimento social e simbólico, prolongando-se efetivamente, não tendo mais qualquer limite tangível para seu término. Despossuídos que foram de qualquer reconhecimento social e simbólico, aos jovens restaram apenas o corpo e a força física. É por essa trilha que podemos interpretar devidamente a emergência e a multiplicação das formas de violência entre os jovens na contemporaneidade.
            Esse processo ocorre não apenas no Brasil e na América Latina, mas também em escala internacional. Pode-se depreender aqui a constituição de uma cultura agonística* na juventude de hoje. Assim, a violência juvenil transformou-se em delinquência, inserindo-se efetivamente no registro da criminalidade. No Brasil, os jovens de classe média e das elites passaram a atacar gratuitamente certos segmentos sociais com violência. De mulheres pobres confundidas com prostitutas até homossexuais, passando pelos mendigos, a violência disseminou-se nas grandes metrópoles do país.
            Ao fazerem isso, no entanto, seus gestos delinquentes inscrevem-se numa lógica social precisa e rigorosa. Com efeito, tais segmentos sociais representam no imaginário desses jovens a decadência na hierarquia social, sendo, pois, os signos do que eles poderão ser efetivamente no futuro, na ausência do reconhecimento social e simbólico que os marca. A cultura da força empreende-se regularmente em academias de ginástica, onde os jovens cultuam os músculos, não apenas para se preparar para os combates cotidianos da vida real, mas para forjar também um simulacro de força na ausência efetiva de potência, isto é, na ausência de reconhecimento social e simbólico, lançados que estão aqueles no desamparo.
            É nesse registro que se deve inscrever a disseminação do bullying na contemporaneidade. É preciso dizer, no que concerne a isso, que a provocação e a violência entre os jovens e crianças é uma prática social antiga. O que é novo, contudo, é a ausência de uma autoridade que possa funcionar como mediação no combate entre estes e aqueles, o que incrementou bastante a disseminação dessa prática de violência.
            Não obstante tudo isso, a juventude é ainda glorificada como a representação do que seria o melhor dos mundos possíveis. A juventude seria então a condensação simbólica de todas as potencialidades existenciais. Contudo, se fazemos isso é porque não apenas queremos cultivar a aparência juvenil, por meio de cirurgias plásticas e da medicina estética, mas também porque o código de experimentação que caracterizou a adolescência de outrora se disseminou para a idade adulta e para a terceira idade. Constituiu-se assim uma efetiva adolescência sem fim na tradição ocidental, onde se busca pelo desejo a possibilidade de novos laços amorosos e novas modalidades de realização existencial.

(Joel Birman, revista Cult n. 157, maio 2011).

*agonística: relativo a luta, conflito, combate.

1. Assinale a opção correta:

a. Trata-se de um texto que aborda a representação da juventude na literatura e na filosofia contemporâneas.
b. Trata-se de um texto no qual o autor explica a natureza do fenômeno do bullying, desde sua origem na década de 1950.
c. Trata-se de um texto no qual o autor reflete sobre como era ser jovem há 50 anos e como é ser jovem hoje.
d. Trata-se de um texto que analisa o papel da mídia na construção do mito da juventude.
e. Trata-se de um texto que mostra como a juventude é um objeto de desejo da sociedade contemporânea, examinando questões comportamentais, políticas e econômicas.

2. Assinale a opção que identifica corretamente o argumento central do texto:

a. A adolescência é um dos períodos mais turbulentos e potencialmente problemáticos da existência humana.
b. Por causa de sua ausência no mercado de trabalho, a juventude foi destituída de
reconhecimento social e simbólico.
c. A revolução feminista, o neoliberalismo e a globalização deslocaram o lugar do jovem na sociedade atual e criaram o imperativo do desejo sem fim.
d. Lançados de maneira perigosa numa terra de ninguém, os jovens podem apenas dispor de seu corpo e de sua força física.
e. O bullying é um fenômeno tipicamente adolescente e suas causas estão localizadas na ideia de que a juventude é um mito contemporâneo.

3. Assinale a opção cuja frase justifica corretamente o título do texto:

a. A imagem da juventude está marcada ao mesmo tempo pela ambiguidade e pela incerteza.
b. Foram os jovens e os trabalhadores da faixa etária dos 50 anos os segmentos sociais mais afetados pela voragem neoliberal.
c. A violência juvenil transformou-se em delinquência, inserindo-se efetivamente no registro da criminalidade.
d. O código de experimentação que caracterizou a adolescência de outrora se disseminou para a idade adulta e para a terceira idade.
e. A possibilidade de experimentação foi o que passou a caracterizar a condição da adolescência no Ocidente.

4. Assinale a opção que apresenta o significado da palavra “figuração”, conforme ela é empregada no texto:

a. Participação.   b. Apresentação.   c. Dedução.   d. Distinção.   e. Representação.

5. Em “Esse processo ocorre não apenas no Brasil e na América Latina, mas também em escala internacional”, a série “não apenas... mas também” exprime valor de:

a. Oposição.   b. Alternativa.   c. Comparação.   d. Adição.   e. Concessão.

6. O sujeito de “Finalmente, a construção do modelo neoliberal da economia internacional, em conjunção com seu processo de globalização, teve o poder de incidir preferencialmente em dois segmentos da população, no que tange ao mercado de trabalho” é:

a. A construção do modelo neoliberal da economia internacional.
b. A construção do modelo neoliberal da economia internacional em conjunção com seu processo de globalização.
c. O modelo neoliberal da economia internacional em conjunção com seu processo de globalização.
d. Mercado de trabalho.
e. Em conjunção com seu processo de globalização.

31. Assinale a opção que caracteriza corretamente os versos do poema Maçã, que integra a coletânea 50 poemas escolhidos pelo autor, de Manuel Bandeira, apresentados a seguir:

Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda
[o cordão placentário
És vermelha como o amor divino
Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente
E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel.

a. Logo à primeira vista, o poema chama a atenção pelo aspecto gustativo. A figura da maçã impõe-se ao leitor, desde o princípio, como um objeto para o paladar.
b. A figura da maçã impõe-se ao leitor, desde o princípio, como um objeto para o olhar. O efeito geral é o de um quadro estático, onde apenas se desloca o olhar e palpita a vida
latente – espécie de natureza morta.
c. A maçã é vista unicamente por fora, mediante comparações em que se distinguem, antes, suas formas por lados opostos; em seguida, a plenitude de sua cor.
d. A maçã é vista unicamente por dentro, até a intimidade das sementes e a latência de vida em seu interior.
e. A maçã é olhada diversas vezes, por partes, no todo e por dentro, até ser situada no tempo histórico, em relação a alguns eventos importantes para o poeta.

32. Assinale a opção que caracteriza corretamente os versos do poema Consoada, que integra a coletânea 50 poemas escolhidos pelo autor, de Manuel Bandeira, apresentados a seguir:

Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

a. À primeira vista, o leitor se encontra diante do mero registro de um momento banal. Trata-se do instante do repousar de um sujeito solitário em seu quarto, numa noite escura e serena, quando tudo parece convidar ao recolhimento e à prolongação do repouso.
b. A matéria do poema parece ter passado por um processo de simplificação para virar poesia. A morte indesejada de um pobre-diabo, logo depois de esbaldar-se, tem, pela natureza do assunto e dos dados escolhidos, o ar da ocorrência banal, contada a seco, sem comentário ou explicação.
c. O poema trata de uma aparição da Morte aos olhos de um sujeito, que, estático, desfruta o momento, impulsionado pelo vislumbre da relação sensorial, intelectual e afetiva que ele estabeleceu até aquele momento com a vida.
d. A musicalidade do poema suscita o livre devaneio diante da Morte: segue o movimento natural do sono, induzindo ao sonho e evocando, através dele, o mito, que religa em imagem os elementos materiais do cotidiano.
e. O poema parece consistir num pequeno quadro da espera de uma ceia ou refeição noturna: um Eu aguarda, com algumas expectativas, a chegada, ao cair da noite, de uma visita esperada. A convidada imaginária, que ele não sabe como tratar, é obviamente a Morte, a que alude apenas de forma oblíqua, mas decide recebê-la com naturalidade.


33. Sobre Laços de família, de Clarice Lispector, é correto afirmar que:

a. A autora trata de uma realidade criada, acidentalmente situada em uma região precisa, através da qual os personagens são vistos como seres fatalmente cercados pela violência e pela desgraça.
b. O conflito espiritual e a introspecção compreendem a tônica dos contos, nos quais os personagens desnudam-se diante do leitor, arrancados que foram de sua dolorosa solidão.
c. A autora articula os problemas sociais do tempo com os grandes e eternos problemas do homem, voltando seus olhos para a burguesia, classe que vive cotidianamente a experiência do ódio, da piedade, da caridade e do egoísmo.
d. Os contos expressam uma visão penetrante das situações familiares, sobre as quais a autora projeta um olhar simultaneamente demorado e instantâneo, procurando captar as reações íntimas das personagens.
e. Contista da linha introspectiva, levando a problemática do homem ao extremo limite, a autora explora enredos de aparência simples, no geral acontecendo no meio do agreste, mas de grande complexidade subjetiva e simbólica.

34. Sobre Laços de família, de Clarice Lispector, é correto afirmar que:

a. O conto “Amor” trata do sentido do espanto de Ana perante o cego. Na narrativa, a palavra diária capta essa apreensão dos atos e das coisas falsamente estáticas e parece confirmar sua insignificância.
b. Em “A imitação da rosa”, Armanda pressente o perigo da beleza das rosas, mas não se desvencilha delas, guardando-as como a um troféu. Maneira eficaz de converter um perigo em prova de gentileza consigo mesma.
c. No conto “Feliz aniversário”, a autora, em vez de retratar a falsa alegria que trazem os parentes da velha aniversariante – com palavras, gestos e animação simulados –, prefere explorar o silêncio interior da anciã amargurada.
d. Em “O búfalo”, a personagem adota a prática anarquista do amor cristão ante a dificuldade de odiar.
e. No conto “Uma galinha”, a personagem escapa da sua situação de mediocridade confortável ao lutar contra a domesticação de si mesma e da natureza.

35. Sobre Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, é correto afirmar que:

a. A figura dramática do Parvo serve para tornar mais clara a baixeza das outras personagens que aparecem no cais, já que ele, o único provido de juízo, é capaz de reconhecer que o que elas fizeram em vida não lhes dá direito de embarcar para a Glória.
b. A peça procura endossar algumas crenças bastante comuns na época, apontando, por exemplo, que ouvir missas ou pedir para que estas fossem rezadas garantiam, às vezes, a salvação daqueles que se esquecessem de viver de acordo com os preceitos cristãos.
c. Ao representar tipos humanos considerados baixos, a peça parece querer alertar para a necessidade urgente de se corrigirem os costumes de acordo com a tradição cristã. Para tanto, nada melhor do que representar os vícios em sua forma mais vil, através da ridicularização das personagens que o cometeram.
d. A disputa que se dá entre as personagens e os representantes das barcas revela a necessidade de se conhecer a compaixão, e esta se torna urgente para os espectadores que ainda têm a possibilidade de entrar na barca do Anjo, se tiverem uma vida correta, sem pecados.
e. Através do riso, propiciado pela falta de decoro e pela ridicularização da cegueira dos personagens, que admitem que seus atos sejam considerados dignos de censura, o espectador é levado a reconhecer quais ações impedirão que seja aceito na barca do Anjo.

36. Sobre Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, é correto afirmar que:

a. A obra cativa pelo lirismo, ao mesmo tempo em que intriga pela estrutura caprichosamente montada, dando ensejo a uma abordagem doutrinal que incorpora, ao lado dos elementos poéticos, comédia, drama de costumes e bucolismo.
b. A transposição de um plano a outro – do político ao litúrgico – é perfeitamente adequada à peça, e toda a discussão acerca da figura do Anjo aponta, então, para seu caráter religioso, seu papel de representante de Deus na Terra.
c. O tema do juízo final é exposto já no monólogo inicial da peça, definindo com clareza a aversão à morte – em tom de comédia ligeira – por parte de todos os personagens, à exceção do Judeu.
d. Como em toda alegoria, o tema tratado em tom solene – a vida em sua dimensão profana e religiosa – logo é reinterpretado no estilo das comédias de costumes, à luz das experiências mais prosaicas.
e. A qualidade essencial da arte vicentina – o lirismo – falta completamente nessa obra. A peça vale pela palpitante atualidade com que o autor passou em revista a sociedade de seu tempo, espectadora da própria representação, e advertida dos pecados que a privam da salvação eterna.

39. Assinale a opção que apresenta corretamente a análise crítica do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida:

a. Passando abruptamente do primitivo solene à crônica jocosa e desta ao distanciamento da paródia, o autor jogou sabiamente com níveis de consciência e de comunicação diversos, justificando plenamente o título de “rapsódia”, mais do que “romance”, que emprestou à obra. (Alfredo Bosi).
b. Mantém a característica autobiográfica, começando pela evocação da infância (...). Prossegue, passando da adolescência para o casamento e as aventuras amorosas (...). E combina formas narrativas com poesia, algo picaresco, entre a rotina e a revolta, talvez ânsia de ilusão e luta contra a solidão, contudo, preenchidas pelas aventuras sexuais. (José Aderaldo Castelo)
c. As suas personagens não apresentam mais uma estrutura moral unificada e típica. São antes seres divididos consigo mesmos, embora sem lutas violentas, já naquele estado em que a cisão interna entra no declive dos compromissos e da instabilidade de caráter. (Afrânio Coutinho).
d. A literatura do autor seguramente apresenta um brasileirismo desta espécie interior, que até certo ponto dispensa a cor local. (...) Digamos sumariamente que, em vez de “elementos” de identificação, o autor buscava “relações formais”. A feição nacional destas é profunda, sem ser óbvia. (Roberto Schwarz).
e. O tempo não atua sobre os tipos fixos desse romance horizontal, onde o que importa é o acontecimento, mais que o protagonista. Diferente do simples romance de aventuras, o acontecimento importa aqui, todavia, na medida em que revela certas formas de convivência e certas alterações na posição das pessoas, umas em relação às outras. (Antonio Candido).

40. A respeito da natureza do herói das Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é correto afirmar que:

a. O autor explora um personagem típico da comédia clássica: o sujeito subalterno que centraliza as ações, conduz o enredo e manipula a vida dos demais personagens.
b. A linguagem é de farsa assumida e o protagonista é um personagem típico: o bufão que faz da malandragem e da leveza de caráter sua principal ferramenta de ação.
c. O autor dá preferência ao herói modesto, que se defende das hostilidades do mundo com o improviso de embustes e ardis, aproximando-o das tradições do malandro e do pícaro.
d. Ora burlesco, ora grave, o herói acaba por se revelar para si mesmo um personagem patético. Como o país em que vive.
e. O protagonista explora a comicidade pela via do desentendimento e da ruptura, oferecendo às demais personagens uma total falta de pudor e um inquietante amoralismo.

43. Sobre o excerto de Dois irmãos, de Milton Hatoum, apresentado a seguir, é correto afirmar que:

“Omissões, lacunas, esquecimento. O desejo de esquecer. Mas eu me lembro, sempre tive sede de lembrança, de um passado desconhecido, jogado sei lá em que praia de rio”.

a. Situado entre o Oriente e o Amazonas, o relato é a busca de um mundo perdido, que se reconstrói nas falas alternadas, longínquos ecos da tradição oral dos narradores orientais.
b. A narrativa exerce fascínio especial por explorar uma prova evocativa, traçada com raro senso plástico e pendor filosófico: viagem encantada por meandros de frases longas e herméticas, num ritmo de recorrências e revelações.
c. O narrador deixa-se contaminar pela visão de “um paraíso terrestre” encarnado na simplicidade bucólica, tentando uma adaptação, que se sabe desde o início frustrada, na grande cidade.
d. Um dos temas do romance é a passagem do tempo. Vasculhando os restos de outras histórias, o narrador tenta reconstituir os estilhaços do passado, ora como testemunha, ora como quem ouviu e guardou, mudo, as histórias dos outros.
e. É através da sua infância – coisa real, palpada, sentida – que o narrador sente a força de qualquer infância, e inventa-a, e descobre-a; e reinventa-a, e redescobre-a. É através da paisagem que o circunda que ele apreende a beleza da terra em que os homens avançam, amam, morrem.

44. Sobre o excerto de Dois irmãos, de Milton Hatoum, apresentado a seguir, é correto afirmar que:

“Manaus cresceu assim: no tumulto de quem chega primeiro. Desse tumulto participava Halim, que vendia coisas antes de qualquer um”.

a. A narrativa trata de fatos vividos em um plano doméstico, sem se esquecer de articulá-los, de tempos em tempos, a um pano de fundo histórico, que dá conta do crescimento da região norte do País, na segunda metade do século XX.
b. A narrativa trata de fatos vividos em um plano doméstico, sem se esquecer de articulá-los, de tempos em tempos, a um pano de fundo social, procurando investigar as causas da pobreza que atinge até hoje o norte do País.
c. A narrativa trata de fatos vividos em um plano político, sem se esquecer de articulá-los, de tempos em tempos, a um pano de fundo doméstico, voltado à exploração da memória e das reminiscências do núcleo familiar.
d. A narrativa trata de fatos vividos em um plano mítico, sem se esquecer de articulá-los, de tempos em tempos, a um pano de fundo sociocultural, que dá conta da presença indígena no norte do País.
e. A narrativa trata de fatos vividos em um plano político, sem se esquecer de articulá-los, de tempos em tempos, a um pano de fundo ideológico, que dá conta do crescimento da luta armada contra o regime militar, no final da década de 1960.

48. Sobre Os da minha rua, de Ondjaki, é correto afirmar que:

a. O narrador das 22 histórias explora um quadro da infância vivida num período em que a precariedade das condições materiais não interditava a experiência da comunhão, estimulando a utopia presente na luta contra o colonialismo e na ideia de uma sociedade mais justa.
b. Os dois narradores que participam das 22 histórias vivem, sempre em dupla, um conjunto de fatos marcados pela crueldade infantil da qual não escapam os professores cubanos, os tios e as tias, os pequenos animais e o quase mitológico abacateiro.
c. O narrador das 22 histórias mergulha no tempo histórico e o relaciona a sua própria experiência, convidando o leitor a compartilhar a dinâmica de uma África mítica e ancestral, que pode ser vista tanto como hostil quanto como hospitaleira.
d. Os diversos narradores das 22 histórias resistem à destruição causada pela experiência colonial, inventando para si mesmos uma infância que não existiu. Desse modo, cada história dialoga com a tradição literária angolana, retomando tópicos e renovando propostas fundamentais no percurso literário que se consolida.
e. Os diversos narradores das 22 histórias se fecham sempre aos estímulos exteriores, optando por explorar com acentuada ambiguidade as facilidades do mundo colonial e a violência que o caracterizou. Assim, revelam-se as contradições de uma sociedade que vive entre o peso do colonialismo e a euforia causada pela independência.

49. Sobre o excerto de Os da minha rua, de Ondjaki, apresentado a seguir, é correto afirmar que:

“Uma pessoa quando é criança parece que tem a boca preparada para sabores bem diferentes sem serem muito picantes de arder na língua. São misturas que inventam uma poesia mastigada tipo segredos de fim da tarde. Era assim, antigamente, na casa da minha avó. No tempo da Madalena Kamussekele”.

a. O tempo tende a estabilizar-se no passado, mas o uso constante dos verbos nas formas do presente coloca em dúvida o que está sendo dito.
b. A infância é responsável pela visão lúdica das personagens, não importando se o presente aponta para os descompassos gerados pela modernidade.
c. A evocação do tempo passado mantém o universo encantado da infância, pleno de poesia.
d. A opção pelo presente revela o intenso diálogo do autor com os meios de comunicação de massa.
e. O tempo passado se mescla continuamente à perspectiva histórica, levando ao registro de uma Angola imemorial.



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