Tema
de Redação – Cásper Líbero – 2012
Na atualidade, a imagem da juventude
está marcada ao mesmo tempo pela ambiguidade e pela incerteza. Digo
ambiguidade, pois se, de um lado, a juventude é sempre exaltada na contemporaneidade,
cantada que é em prosa e verso pelas potencialidades existenciais que condensaria,
por outro a condição jovem caracteriza-se por sua posição de suspensão no espaço
social, que se materializa pela ausência de seu reconhecimento social e
simbólico.
Seria em decorrência disso que a
incerteza é o que se delineia efetivamente como o futuro real para os jovens,
em todos os quadrantes do mundo. É preciso destacar, antes de tudo, que a
possibilidade de experimentação foi o que passou a caracterizar a condição da
adolescência no Ocidente, desde o final do século 18, quando as idades da vida
foram construídas em conjunção com a família nuclear burguesa, em decorrência
da emergência histórica da biopolítica.
Nesse contexto, a adolescência foi
delimitada como o tempo de passagem entre a infância e a idade adulta, na qual
o jovem podia empreender experiências nos registros do amor e das escolhas
profissionais, até que pudesse se inserir no mercado de trabalho e se casar
para reproduzir efetivamente as linhas de força da família nuclear burguesa.
Desde os anos 1980, no entanto, essa figuração da adolescência entrou em franco
processo de desconstrução, por diversas razões.
Antes de mais nada, pela revolução
feminista dos anos 1960 e 70, com a qual as
mulheres
foram em busca de outras formas sociais de existência, além da condição
materna. Em seguida, porque o deslocamento das mulheres da posição
exclusivamente materna foi o primeiro combate decisivo contra o patriarcado,
que forjou nossa tradição desde a Antiguidade. Finalmente, a construção do
modelo neoliberal da economia internacional, em conjunção com seu processo de
globalização, teve o poder de incidir preferencialmente em dois segmentos da
população, no que tange ao mercado de trabalho. De fato, foram os jovens e os
trabalhadores da faixa etária dos 50 anos os segmentos sociais mais afetados
pela voragem neoliberal. Com isso, se os primeiros passaram a se inserir mais
tardiamente no dito mercado, os segundos passaram a ser descartados para ser
substituídos por trabalhadores jovens e mais baratos, pela precariedade que foi
então estabelecida no mercado de trabalho.
Foi em consequência desse processo
que o tempo de duração da adolescência se alongou bastante, ficando então os
jovens fora do espaço social formal e lançados perigosamente numa terra de
ninguém. Assim, graças à ausência de inserção no mercado de trabalho, a juventude
foi destituída de reconhecimento social e simbólico, prolongando-se
efetivamente, não tendo mais qualquer limite tangível para seu término.
Despossuídos que foram de qualquer reconhecimento social e simbólico, aos
jovens restaram apenas o corpo e a força física. É por essa trilha que podemos
interpretar devidamente a emergência e a multiplicação das formas de violência
entre os jovens na contemporaneidade.
Esse processo ocorre não apenas no
Brasil e na América Latina, mas também em escala
internacional. Pode-se depreender aqui a constituição de uma cultura
agonística* na juventude de hoje. Assim, a violência juvenil transformou-se em
delinquência, inserindo-se efetivamente no registro da criminalidade. No
Brasil, os jovens de classe média e das elites passaram a atacar gratuitamente
certos segmentos sociais com violência. De mulheres pobres confundidas com
prostitutas até homossexuais, passando pelos mendigos, a violência disseminou-se
nas grandes metrópoles do país.
Ao fazerem isso, no entanto, seus
gestos delinquentes inscrevem-se numa lógica social precisa e rigorosa. Com
efeito, tais segmentos sociais representam no imaginário desses jovens a
decadência na hierarquia social, sendo, pois, os signos do que eles poderão ser
efetivamente no futuro, na ausência do reconhecimento social e simbólico que os
marca. A cultura da força empreende-se regularmente em academias de ginástica,
onde os jovens cultuam os músculos, não apenas para se preparar para os
combates cotidianos da vida real, mas para forjar também um simulacro de força
na ausência efetiva de potência, isto é, na ausência de reconhecimento social e
simbólico, lançados que estão aqueles no desamparo.
É nesse registro que se deve
inscrever a disseminação do bullying na contemporaneidade. É preciso dizer, no
que concerne a isso, que a provocação e a violência entre os jovens e crianças
é uma prática social antiga. O que é novo, contudo, é a ausência de uma
autoridade que possa funcionar como mediação no combate entre estes e aqueles,
o que incrementou bastante a disseminação dessa prática de violência.
Não obstante tudo isso, a juventude
é ainda glorificada como a representação do que seria o melhor dos mundos
possíveis. A juventude seria então a condensação simbólica de todas as potencialidades
existenciais. Contudo, se fazemos isso é porque não apenas queremos cultivar a
aparência juvenil, por meio de cirurgias plásticas e da medicina estética, mas
também porque o código de experimentação que caracterizou a adolescência de
outrora se disseminou para a idade adulta e para a terceira idade.
Constituiu-se assim uma efetiva adolescência sem fim na tradição ocidental,
onde se busca pelo desejo a possibilidade de novos laços amorosos e novas modalidades
de realização existencial.
(Joel
Birman, revista Cult n. 157, maio 2011).
*agonística:
relativo a luta, conflito, combate.
Tomando por base algumas questões
desta prova acerca dos jovens na atualidade, escreva uma carta para o editor da
revista que publicou o texto “Ser ou não ser” (trate-o simplesmente de “Caro
editor”), na qual você se posicione criticamente em relação às principais
ideias que o texto veicula.
Nesta carta, defenda também seus
pontos de vista sobre a juventude nos dias de hoje e procure invocar situações
concretas ligadas à relação dos jovens com a escola, o esporte, a cultura, o
lazer, a política, os projetos sociais e o mundo do trabalho. Fique atento para
não se restringir a um simples relato.
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