Tema
de redação – UERJ – 2009
Texto I
Do bom uso do relativismo
Texto II
Do bom uso do relativismo
Hoje,
pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados,
portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de
comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas
atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo,
ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as
formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há
gente que, sem deixar de ser gente, é diferente. Quer dizer, nosso modo de ser,
de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil
outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós
siberianos, passando pelos yanomamis do Brasil, até chegarmos aos sofisticados
moradores de Alphavilles1, onde se resguardam as
elites opulentas e amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de
língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste
fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa
relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar
os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença
porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de
co-existir; segundo, o relativo quer expressar o fato de que todos estão de
alguma forma relacionados. Eles não podem ser pensados independentemente uns
dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade. Devemos alargar a
compreensão do humano para além
de nossa concretização. Somos uma geo-sociedade una, múltipla e diferente.
Todas
estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um
valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros,
auto-implicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
Então
não há verdade absoluta? Vale o everything
goes2 de alguns pós-modernos? Quer
dizer, o “vale tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém
relação com os outros, respeitando-os em sua diferença. Cada um é portador de
verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma,
participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida
em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem
dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem
comigo buscá-la. A tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na
cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para dar lugar à
Verdade comungada por todos.
A
ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à
religião verdadeira, à autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver
e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens distorcidas. Ele se
condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres
ao impor a sua religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e
no Afeganistão.
Devemos
fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a
que prepara os alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as
várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa, a chinesa, a mexicana e
outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não.
Todas são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade
da arte culinária. Por que com a verdade deveria ser diferente?
Vocabulário:
1 Alphavilles: condomínios de
luxo
2 everything goes: literalmente,
“todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”
Texto II
Crônica da
abolição
Eu
pertenço a uma família de profetas “après coup”1, “post factum”2, “depois do gato morto”, ou
como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que
toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na
segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que
tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada;
entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste
jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor,
reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos
de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No
golpe do meio (“coupe do milieu”3, mas eu prefiro falar a minha língua) levantei-me eu com a taça de
champanha e declarei que, acompanhando as idéias pregadas por Cristo há dezoito
séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a
nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo;
finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar
sem pecado.
Pancrácio,
que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os
pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça e
pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que acabava de publicar
brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo: fiz outro discurso
agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam
as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi
muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No
dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
—
Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida, e
tens mais um ordenado, um ordenado que...
—
Oh! meu senhô! Fico.
—
Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu
cresceste imensamente.
Quando
nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa
ver; olha, és mais alto quatro dedos...
—
Artura não qué dizê nada, não, senhô...
—
Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a
galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
—
Eu vaio um galo, sim, senhô.
—
Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com
oito. Oito ou sete.
Pancrácio
aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não
escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o
peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido
por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois
estados naturais, quase divinos.
Tudo
compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns
pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo
filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente e (Deus me perdoe!)
creio que até alegre. [...]
Vocabulário:
1“après coup”: depois do
golpe
2“post factum”: depois do
fato
3“coupe do milieu”: o autor utiliza uma expressão inexistente em francês
para mostrar a ignorância do personagem
Texto III
Proposta de redação
A
gravura acima, chamada “Relatividade”, é de autoria do artista holandês M. C.
Escher. Ela combina, numa mesma imagem, várias maneiras de perceber o espaço.
Na realidade, não se podem perceber ao mesmo tempo todas as possíveis visões de
um acontecimento; é preciso, junto com o artista, fazer um esforço para
imaginar outras perspectivas, ou as perspectivas dos outros.
Recorrendo
aos textos desta prova e à imagem, demonstre, em uma dissertação de 20 a 30
linhas, a necessidade de que todos compreendam perspectivas diferentes das suas
próprias para se conviver melhor.
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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