Segue o início de "O Ateneu", grande clássico da literatura brasileira, cujas características permitem situá-lo tanto como pertencente ao Realismo quanto ao Naturalismo.
O ATENEU
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu.
Coragem para a luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que
me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de
carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora,
tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos em artifício
sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão
rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um
novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos
felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos
houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que
nos ultrajam.
"O Ateneu" - ilustração de Raul Pompeia |
Eu
tinha onze anos.
(...)
Quando
me disseram que estava a escolha feita da casa de educação que me devia
receber, a notícia veio achar-me em armas para a conquista audaciosa do desconhecido.
Um
dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de
lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas
vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu
era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame,
mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento,
pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para
recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado
crédito na preferência
dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o
bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, íntima ou nacional, festas do colégio ou recepções da coroa, o largo peito do grande educador desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos berloques.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, íntima ou nacional, festas do colégio ou recepções da coroa, o largo peito do grande educador desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos berloques.
(Raul Pompeia, in "O Ateneu")
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mt bom
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