Vinte
e uma coisas que aprendi como escritor
Aprendi que
escrever é basicamente contar histórias, e que os melhores livros de ficção que
li eram aqueles que tinham uma história para contar.
“Belgian writer Emile
Verhaeren” – Théo Van Rysselberghe. 1901.
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Aprendi que
o ato de escrever é uma sequela do ato de ler. É preciso captar com os olhos as
imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e
utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.
Aprendi que,
quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos
escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram com
isto. E copiar me fez muito bem.
Aprendi que,
quando se começa a escrever, sempre se é autobiográfico, o que – de novo – não
prejudica. Mas os escritores que ficam sempre na autobiografia, que só olham
para o próprio umbigo, acabam se tornando chatos.
Aprendi que,
para aprender a escrever, tinha de escrever. Não adiantava só ficar falando de
como é bonito (...)
Aprendi que
uma boa ideia pode ocorrer a qualquer momento: conversando com alguém, comendo,
caminhando, lendo (e, segundo Agatha Christie, lavando pratos).
Aprendi que
uma boa ideia é realmente boa quando não nos abandona, quando nos persegue sem
cessar. O grande teste para uma ideia é tentar se livrar dela. Se veio para
ficar, resiste ao sono, ao cansaço, ao cotidiano, é porque merece atenção.
Aprendi que
aeroportos e bares são grandes lugares para se escrever. O bar, por razões
óbvias; o aeroporto, porque neles a vida como que está em suspenso. Nada como
uma existência provisória para despertar a inspiração literária.
Aprendi que
as costas do talão de cheque é um bom lugar para anotar ideias (é por isso que
escritor tem de ganhar a grana suficiente para abrir uma conta bancária). O
guardanapo do restaurante também serve, desde que seja de papel e não de pano.
(...)
Aprendi que
o computador é um grande avanço no trabalho de escrever, mas tem um único
inconveniente: elimina os originais, os riscos, os borrões, e portanto a
história do texto, a qual – como toda história – pode nos ensinar muito.
Aprendi que
a mancha gráfica representada pelo texto impresso diz muito sobre este mesmo
texto. As linhas não podem estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão
eloquente quanto o espaço preenchido pela escrita. O texto precisa respirar, e
quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um texto bom.
Aprendi a
rasgar e jogar fora. Quando um texto não é bom, ele não é bom - ponto. Por
causa da autocomiseração (é a nossa vida que está ali!) temos a tentação de
preservá-lo, esperando que, de forma misteriosa, melhore por si. Ilusão. É
preciso ter a coragem de se desfazer. A cesta de papel é uma grande amiga do
escritor. (...)
Aprendi a
não ter pressa de publicar. Já se ouviu falar de muitos escritores batendo
aflitos, à porta de editores. O que é mais raro, muito mais raro, são os
leitores batendo à porta do escritor.
Aprendi a
não reler meus livros. Um livro tem existência autônoma, boa e má. Não precisa
do olhar de quem o escreveu para sobreviver.
Aprendi que,
para um escritor, um livro é como um filho, mas que é preciso diferenciar entre
filhos e livros.
Aprendi que
terminar um livro se acompanha de uma sensação de vazio, mas que o vazio também
faz parte da vida de quem escreve.
Aprendi que
há uma diferença entre literatura e vida literária, entre literatura e política
literária. Escrever é um vício solitário.
Aprendi a
diferenciar entre o verdadeiro crítico e o falso crítico. O falso crítico não
está falando do que leu. Está falando dos seus próprios problemas.
Aprendi que,
para um escritor, frio na barriga ou pelos do braço arrepiados são um bom
sinal: um livro vem vindo aí.
(Moacyr Scliar)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
João Cabral de Melo Neto – Poemas
“A casa viaja no tempo” – Rubem Braga
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