ANA
CRISTINA CÉSAR – POEMAS
Flores
do mais
devagar
escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
(Ana
Cristina César)
Psicografia
Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não sou e digo
a palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto
Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não sou e digo
a palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto
(Ana
Cristina César)
Um
beijo
que
tivesse um blue.
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso
do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água
sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor
"à escuta"
diria meu amor
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso
do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água
sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor
"à escuta"
diria meu amor
(Ana
Cristina César)
“Apaixonada,
saquei
minha arma,
minha
alma,
minha
calma.
Só
você não sacou nada.”
(Ana
Cristina César)
Acreditei
que se amasse de novo
esqueceria
outros
pelo
menos três ou quatro rostos que amei
Num
delírio de arquivística
organizei
a memória em alfabetos
como
quem conta carneiros e amansa
no
entanto flanco aberto não esqueço
e
amo em ti os outros rostos
(Ana
Cristina César, in “Inéditos e Dispersos”)
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor
(não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os
cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor
(não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os
cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
(Ana Cristina César)
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
(Ana Cristina César)
Recuperação da adolescência
É sempre mais difícil
ancorar um navio no espaço
(Ana Cristina César)
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Anne Bachelier. |
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
(Ana
Cristina César)
Samba-canção
Tantos poemas que perdi
Tantos que ouvi, de graça,Tantos poemas que perdi
pelo telefone — taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida me desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...
(Ana Cristina César)
é
muito claro
amor
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama
(Ana
Cristina César)
Nada,
Esta Espuma
Por
afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.
(Ana
Cristina César)
E
penso
a
face fraca do poema/ a metade na página
partida
Mas
calo a face dura
flor
apagada no sonho
Eu
penso
A
dor visível do poema/ a luz prévia
Dividida
Mas
calo a superfície negra
pânico
iminente do nada.
(Ana
Cristina César)
Mocidade
independente
Pela
primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem
medir
as conseqüências. Por que recusamos ser proféticas? E
que
dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra
cima:
é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma
graça
atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por
você,
e furiosa: é agora, nesta contramão.
(Ana
Cristina César)
Queria
falar da morte
e sua juventude me afagava.
Uma estabanada, alvíssima,
um palito. Entre dentes
não maldizia a distração
elétrica, beleza ossuda
al mare. Afogava-me.
e sua juventude me afagava.
Uma estabanada, alvíssima,
um palito. Entre dentes
não maldizia a distração
elétrica, beleza ossuda
al mare. Afogava-me.
(Ana
Cristina Cesar, in “A teus Pés”)
Ulysses
E ele e os outros me veem.
Quem escolheu este rosto para mim?
Empate outra vez. Ele teme o pontiagudo
estilete da minha arte tanto quanto
eu temo o dele.
Segredos cansados de sua tirania
tiranos que desejam ser destronados
Segredos, silenciosos, de pedra,
sentados nos palácios escuros
de nossos dois corações:
segredos cansados de sua tirania:
tiranos que desejam ser destronados.
o mesmo quarto e a mesma hora
toca um tango
uma formiga na pele
da barriga,
rápida e ruiva,
Uma sentinela: ilha de terrível sede.
Conchas humanas
E ele e os outros me veem.
Quem escolheu este rosto para mim?
Empate outra vez. Ele teme o pontiagudo
estilete da minha arte tanto quanto
eu temo o dele.
Segredos cansados de sua tirania
tiranos que desejam ser destronados
Segredos, silenciosos, de pedra,
sentados nos palácios escuros
de nossos dois corações:
segredos cansados de sua tirania:
tiranos que desejam ser destronados.
o mesmo quarto e a mesma hora
toca um tango
uma formiga na pele
da barriga,
rápida e ruiva,
Uma sentinela: ilha de terrível sede.
Conchas humanas
(Ana
Cristina César)
Tenho uma folha branca
e
limpa à minha espera:
mudo
convite
tenho
uma cama branca
e
limpa à minha espera:
mudo
convite
tenho
uma vida branca
e limpa à minha espera.
(Ana
Cristina César)
O
Homem Público N. 1
Tarde
aprendi
bom
mesmo
é
dar a alma como lavada.
Não
há razão
para
conservar
este
fiapo de noite velha.
Que
significa isso?
Há
uma fita
que
vai sendo cortada
deixando
uma sombra
no
papel.
Discursos
detonam.
Não
sou eu que estou ali
de
roupa escura
sorrindo
ou fingindo
ouvir.
No
entanto
também
escrevi coisas assim,
para
pessoas que nem sei mais
quem
são,
de
uma doçura
venenosa
de
tão funda.
(Ana
Cristina César)
O
nome do gato assegura minha vigília
e
morde meu pulso distraído
finjo
escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e
patas emergentes. Mas onde repousa
o
nome, ataque e fingimento,
estou
ameaçada e repetida
e
antecipada pela espreita meio adormecida
do
gato que riscaste por te preceder e
perder
em traços a visão contígua
de
coisa que surge aos saltos
no
tempo, ameaçando de morte
a
própria forma ameaçada do desenho
e
o gato transcrito que antes era
marca
do meu rosto, garra no meu seio.
(Ana
Cristina César)
Excelente o seu trabalho! Grato!
ResponderExcluirCaro Francisco, obrigado por prestigiar o blog. Grande abraço!
ResponderExcluirAmo esta escritora.
ResponderExcluirEla é ótima!
ResponderExcluirQue show!
ResponderExcluirLindos!
ResponderExcluirNão a conhecia, e agora que conheço, fiquei feliz por sua poesia e triste por seu sofrimento...
ResponderExcluirNão a conhecia! Pecado mortal meu! Hoje me foi revelada sua vida,seus poemas,sua dor! Encantamento!
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