Ribeiro
Couto
Discurso afetuoso
Ó poetas de gabinete,
Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
Vossa poesia é um jogo de palavras.
Vossa poesia é toda feita de habilidades de estilo,
Sem a marca um pouco suja da experiência vivida.
Não sabeis de nenhuma espécie de sofrimento,
De nenhum dos aspectos sedutores do mal,
Não sabeis de nada que está realmente na vida.
Não vos inquieta o desejo de quebrar a monotonia,
A exasperada fadiga das coisas iguais,
A saborosa audácia do mau gosto.
Ó poetas de gabinete,
Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
Vossa poesia é um jogo de palavras.
Vossa poesia é toda feita de habilidades de estilo,
Sem a marca um pouco suja da experiência vivida.
Não sabeis de nenhuma espécie de sofrimento,
De nenhum dos aspectos sedutores do mal,
Não sabeis de nada que está realmente na vida.
Não vos inquieta o desejo de quebrar a monotonia,
A exasperada fadiga das coisas iguais,
A saborosa audácia do mau gosto.
Tudo em vós é correto, frio, sem surpresas.
Ah, tudo que sabeis é através dos livros.
Não sofreis a curiosidade viciosa das aventuras,
Nem a mágoa dos meses vividos à toa,
Nem o bocejo que a mulher tão desejada provocará um dia.
Não conheceis o remorso das devassidões
E a desvairada esperança que há num amanhecer depois
da noite perdida.
Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos.
(Ribeiro Couto, in “Um Homem na Multidão”)
Não sofreis a curiosidade viciosa das aventuras,
Nem a mágoa dos meses vividos à toa,
Nem o bocejo que a mulher tão desejada provocará um dia.
Não conheceis o remorso das devassidões
E a desvairada esperança que há num amanhecer depois
da noite perdida.
Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos.
(Ribeiro Couto, in “Um Homem na Multidão”)
"Rainy late afternoon" - Frederic Childe Hassam |
A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.
Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.
Dentro de nós existe uma tarde mais fria...
Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...
Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.
Chove dentro de nós... Chove melancolia...
(Ribeiro
Couto)
Soneto da fiel infância
Tudo que em mim foi natural — pobreza,
Mágoas de infância só, casa vazia,
Lutos, e pouco pão na pouca mesa —
Dói na saudade mais que então doía.
Da lamparina do meu quarto, acesa
No pequeno oratório noite e dia,
Vinha-me a sensação de uma riqueza
Que no meu sangue de menino ardia.
Altas horas, rezando no seu canto,
Minha mãe muitas vezes soluçava
E dava-me a beijar não sei que santo.
Meu Deus! Mais do que o santo que eu beijava,
Faz-me falta o cair daquele pranto
Com que ela junto ao peito me molhava.
Tudo que em mim foi natural — pobreza,
Mágoas de infância só, casa vazia,
Lutos, e pouco pão na pouca mesa —
Dói na saudade mais que então doía.
Da lamparina do meu quarto, acesa
No pequeno oratório noite e dia,
Vinha-me a sensação de uma riqueza
Que no meu sangue de menino ardia.
Altas horas, rezando no seu canto,
Minha mãe muitas vezes soluçava
E dava-me a beijar não sei que santo.
Meu Deus! Mais do que o santo que eu beijava,
Faz-me falta o cair daquele pranto
Com que ela junto ao peito me molhava.
(Ribeiro Couto)
Elegia
Que quer o vento?
A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre...
Vento que assusta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.
Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.
Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta
A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre...
Vento que assusta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.
Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.
Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta
Virei
no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.
Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.
Virei no vento...
Direi: acorda...
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.
Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.
Virei no vento...
Direi: acorda...
(Ribeiro
Couto)
"Saying goodbye" - Audrey Kawasaki |
Esquecer
Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.
A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.
Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,
A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.
Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.
A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.
Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,
A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.
(Ribeiro
Couto)
No
jardim em penumbra
Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.
Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.
Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.
E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.
Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.
Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.
Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.
E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.
(Ribeiro
Couto)
Modinha
do exílio
Os moinhos têm palmeiras
Onde canta o sabiá.
Não são arte feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Mar e terras estrangeiras,
Posso ouvir o sabiá,
Posso ver mesmo as palmeiras
Em que ele cantando está.
Os moinhos têm palmeiras
Onde canta o sabiá.
Não são arte feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Mar e terras estrangeiras,
Posso ouvir o sabiá,
Posso ver mesmo as palmeiras
Em que ele cantando está.
Meu
sabiá das palmeiras
Canta aqui melhor que lá.
Mas, em terras estrangeiras,
E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas-feiras.
Nada mais simples não há!
Canta modas brasileiras.
Canta — e que pena me dá!
Canta aqui melhor que lá.
Mas, em terras estrangeiras,
E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas-feiras.
Nada mais simples não há!
Canta modas brasileiras.
Canta — e que pena me dá!
(Ribeiro
Couto)
O portão
que
sabe o meu romance e esconde a minha vida,
vou
antes contemplar certa casa alpendrada
e
fico ali, numa atitude enternecida,
fico ali namorando a janela fechada
fico ali namorando a janela fechada
atrás
da qual, no leito lírico, esquecida,
dorme
alguém, como a princesa da balada.
Em torno à sua casa o jardim também dorme.
Em torno à sua casa o jardim também dorme.
E
do arvoredo, que ao luar tem brilhos vagos,
vem
um perfume que perfuma a noite enorme,
Esse
perfume espalha mãos cheias de afagos...
Fico ali... Tudo toma expressões diferentes.
Fico ali... Tudo toma expressões diferentes.
Tudo
toma expressões de impossibilidade...
Ao
luar, tudo toma expressões diferentes.
Tudo...
Principalmente o seu portão de grade
que
me diz "nunca!" no cadeado e nas correntes.
(Ribeiro Couto, in “O jardim das confidências”)
(Ribeiro Couto, in “O jardim das confidências”)
Surdina
Minha
poesia é toda mansa.
Não
gesticulo, não me exalto...
Meu
tormento sem esperança
tem
o pudor de falar alto.
No entanto, de olhos sorridentes,
No entanto, de olhos sorridentes,
assisto,
pela vida em fora,
à
coroação dos eloquentes.
É
natural: a voz sonora
inflama
as multidões contentes.
Eu, porém, sou da minoria.
Eu, porém, sou da minoria.
Ao
ver as multidões contentes
penso,
quase sem ironia:
"Abençoados
os eloquentes
que
vos dão toda essa alegria."
Para não ferir a lembrança
Para não ferir a lembrança
minha
poesia tem cuidados...
E
assim é tão mansa, tão mansa,
que
pousa em corações magoados
como um beijo numa
criança.(Ribeiro Couto, in “Poemetos de ternura e de melancolia”)
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Leia também:
"Navegar é preciso" - Fernando Pessoa
"Reunião de mães" - Fernando Sabino
"O amor acaba" - Paulo Mendes Campos
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