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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ribeiro Couto – Poemas

Ribeiro Couto

Discurso afetuoso 

Ó poetas de gabinete, 


Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
Vossa poesia é um jogo de palavras.
Vossa poesia é toda feita de habilidades de estilo,
Sem a marca um pouco suja da experiência vivida.

Não sabeis de nenhuma espécie de sofrimento,
De nenhum dos aspectos sedutores do mal,
Não sabeis de nada que está realmente na vida.

Não vos inquieta o desejo de quebrar a monotonia,
A exasperada fadiga das coisas iguais,
A saborosa audácia do mau gosto.
 
Tudo em vós é correto, frio, sem surpresas.
 
Ah, tudo que sabeis é através dos livros.
Não sofreis a curiosidade viciosa das aventuras,
Nem a mágoa dos meses vividos à toa,
Nem o bocejo que a mulher tão desejada provocará um dia.
Não conheceis o remorso das devassidões
E a desvairada esperança que há num amanhecer depois
da noite perdida.

Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos.

(Ribeiro Couto, in “Um Homem na Multidão”)

"Rainy late afternoon" - Frederic Childe Hassam
Chuva

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós... Chove melancolia...

(Ribeiro Couto)

Soneto da fiel infância

Tudo que em mim foi natural — pobreza,
Mágoas de infância só, casa vazia,
Lutos, e pouco pão na pouca mesa —
Dói na saudade mais que então doía.

Da lamparina do meu quarto, acesa
No pequeno oratório noite e dia,
Vinha-me a sensação de uma riqueza
Que no meu sangue de menino ardia.

Altas horas, rezando no seu canto,
Minha mãe muitas vezes soluçava
E dava-me a beijar não sei que santo.

Meu Deus! Mais do que o santo que eu beijava,
Faz-me falta o cair daquele pranto
Com que ela junto ao peito me molhava.

(Ribeiro Couto)

Elegia

Que quer o vento?
A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre...

Vento que assusta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.

Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.

Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta

Virei no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.

Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.

Virei no vento...
Direi: acorda...

(Ribeiro Couto)

"Saying goodbye" - Audrey Kawasaki
Esquecer

Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.

A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.

Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,

A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.

(Ribeiro Couto)

No jardim em penumbra

Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.

Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.

Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.

E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.

(Ribeiro Couto)

Modinha do exílio 

Os moinhos têm palmeiras
Onde canta o sabiá.
Não são arte feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Mar e terras estrangeiras,
Posso ouvir o sabiá,
Posso ver mesmo as palmeiras
Em que ele cantando está.
 
Meu sabiá das palmeiras
Canta aqui melhor que lá.
Mas, em terras estrangeiras,
E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas-feiras.
Nada mais simples não há!
Canta modas brasileiras.
Canta — e que pena me dá!

(Ribeiro Couto)

O portão

Quando à noite regresso a esta rua calada 
"Passage". Anne Bachelier.
que sabe o meu romance e esconde a minha vida,
vou antes contemplar certa casa alpendrada
e fico ali, numa atitude enternecida,
fico ali namorando a janela fechada
atrás da qual, no leito lírico, esquecida,
dorme alguém, como a princesa da balada.

Em torno à sua casa o jardim também dorme.
E do arvoredo, que ao luar tem brilhos vagos,
vem um perfume que perfuma a noite enorme,
Esse perfume espalha mãos cheias de afagos...

Fico ali... Tudo toma expressões diferentes.
Tudo toma expressões de impossibilidade...
Ao luar, tudo toma expressões diferentes.
Tudo... Principalmente o seu portão de grade
que me diz "nunca!" no cadeado e nas correntes.

(Ribeiro Couto, in “O jardim das confidências”)

Surdina

Minha poesia é toda mansa.
Não gesticulo, não me exalto...
Meu tormento sem esperança
tem o pudor de falar alto.

No entanto, de olhos sorridentes,
assisto, pela vida em fora,
à coroação dos eloquentes.
É natural: a voz sonora
inflama as multidões contentes.

Eu, porém, sou da minoria.
Ao ver as multidões contentes
penso, quase sem ironia:
"Abençoados os eloquentes
que vos dão toda essa alegria."

Para não ferir a lembrança
minha poesia tem cuidados...
E assim é tão mansa, tão mansa,
que pousa em corações magoados
como um beijo numa criança.

(Ribeiro Couto, in “Poemetos de ternura e de melancolia”)


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"Navegar é preciso" - Fernando Pessoa
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