Miguel Torga
Perfil
Não. Não tenho limites.
Quero de tudo
Tudo.
O ramo que sacudo
Fica varejado.
Já nascido em pecado,
Todos os meus pecados são mortais.
Todos tão naturais
À minha condição,
Que quando, por exceção,
Os não pratico
É que me mortifico.
Alma perdida
Antes de se perder,
Sou uma fome incontida
De viver.
E o que redime a vida
É ela não caber
Em nenhuma medida.
(Miguel Torga)
Alvo
O arco, a corda e a seta..
Mas erraste,
Poeta!
Em vez de ser no coração do mundo
Que acertaste,
Foi o teu que rasgaste.
E tão frágil que ele era!
Rubra quimera
Aberta à desventura
Do eterno desdém,
Pedia aquele cuidado que se tem
Junto dum berço ou de uma sepultura.
Mas desferiste o golpe enraivecido,
Sem reparar
Que o agressor é sempre o agredido,
Quando agride a cantar.”
(Miguel Torga)
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
(Miguel Torga)
Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
"Sísifo". Tiziano. |
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga, in "Diário XIII")
Para a manhã
Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...
Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?
Acordaste e és bela:
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado.
Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!
(Miguel Torga)
Alentejo
A luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...
(Miguel Torga)
Poema Melancólico a não sei que Mulher
Apocalipse
É o cavalo do tempo a galopar…
Ninguém pode detê-lo.
Vê-lo,
É ver, a sonhar,
Um relâmpago a rasgar
O céu dum pesadelo.
Deixa a desolação por onde passa.
Torna os sonhos mansinhos.
Desmente os adivinhos
Que, na divina graça
De feiticeiras alucinações,
Prometem duração às ilusões.
Besta infernal,
Com asas de morcego
E raiva desbocada,
Largou do prado onde pastava ausente,
E corre, corre, em direção ao nada,
Única direção que a fúria lhe consente.
(Miguel Torga, in Câmara Ardente -1962)
Aos Poetas
Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.
(Miguel Torga, in "Odes")
À Beleza
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Poema Melancólico a não sei que Mulher
Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anônimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...
(Miguel Torga, in "Diário VII")
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anônimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...
(Miguel Torga, in "Diário VII")
É o cavalo do tempo a galopar…
"Time reveals the Truth". Theodor Van Thulden |
Vê-lo,
É ver, a sonhar,
Um relâmpago a rasgar
O céu dum pesadelo.
Deixa a desolação por onde passa.
Torna os sonhos mansinhos.
Desmente os adivinhos
Que, na divina graça
De feiticeiras alucinações,
Prometem duração às ilusões.
Besta infernal,
Com asas de morcego
E raiva desbocada,
Largou do prado onde pastava ausente,
E corre, corre, em direção ao nada,
Única direção que a fúria lhe consente.
(Miguel Torga, in Câmara Ardente -1962)
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.
E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.
Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.
E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.
Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.
(Miguel Torga, in "Odes")
À Beleza
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.
(Miguel Torga, in “Odes”)
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
"Unexpected light". Josef Kote. |
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.
(Miguel Torga, in “Odes”)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
Leia também:
"Quinze anos" - Carlos Heitor Cony
"A Arte de Ser Feliz" - Cecília Meireles
Olavo Bilac - O Príncipe dos Poetas Brasileiros
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O personagem da mitologia grega, além de inspirar Miguel Torga, foi tema ainda de um mais famosos textos de Albert Camus.
ResponderExcluirNa mitologia grega, Sísifo foi condenado pelos Deuses a rolar uma imensa pedra morro acima todos os dias. Ao chegar perto do cume, a pedra rolava e no outro dia ele era obrigado a executar a tarefa novamente, e assim foi por toda a eternidade. Chama-se "Trabalho de Sísifo" a tarefa que envolve esforços inúteis, vãos. E certos autores veem no mito de Sísifo o mito do "Eterno Recomeço". O livro de Camus é um ensaio filosófico que se chama justamente "O Mito de Sísifo".
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