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sexta-feira, 15 de março de 2013

Carlos Queirós – Poemas

Carlos Queirós – Poemas

Pastoral

"Anastasia" - Michael Garmash
Por ser tão leve o teu passar
Na estrada, à tarde, quando vens
De pôr o gado que não tens,
A pastar...

Por ser tão brando o teu sorrir,
Tão cheio de feliz regresso
Do longo prado, onde apeteço
Contigo ir...

Por ser tão breve o teu querer
Alguém que perto de ti passe
E, porque a tarde cai, te abrace.
Sem nada te dizer...

Por ser tão calmo o teu sonhar
Que já é tempo de não ter
Esse rebanho de pascer,
Mas outro de amamentar...

É que eu me perco no caminho
Do grande sonho sem janelas,
De estar contigo no moinho,
Sem o moleiro nem as velas.

(Carlos Queirós)

Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
"De casa de seus pais desapareceu..."
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.

Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.

Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto de arrependimento.

Eu, que pudesse, enfim, ser meu
— Livre o instinto, em vez de coagido,
"De casa de seus pais desapareceu..."
Eu, o feliz desaparecido 

(Carlos Queirós)

Libera-me

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem não me quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem.

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.

(Carlos Queirós)

Canção Grata

Por tudo o que me deste:
— Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insônia, pelas ruas, como um louco...
— Obrigado, obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!

(Carlos Queirós, in “Obra Poética, Vol. I”)

Apelo à Poesia

Por que vieste? — Não chamei por ti!
Era tão natural o que eu pensava,
(Nem triste, nem alegre, de maneira
Que pudesse sentir a tua falta... )
E tu vieste,
Como se fosses necessária!

Poesia! nunca mais venhas assim:
Pé ante pé, covardemente oculta
Nas ideias mais simples,
Nos mais ingênuos sentimentos:
Um sorriso, um olhar, uma lembrança...
— Não sejas como o Amor!

É verdade que vens, como se fosses
Uma parte de mim que vive longe,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível;
Mas não regresses mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Saudade!

De súbito, arrebatas-me, através
De zonas espectrais, de ignotos climas;
E, quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar...
Poesia! nunca mais venhas assim,
— Não sejas como a Loucura!

Embora a dor me fira, de tal modo
Que só as tuas mãos saibam curar-me,
Ou ninguém, se não tu, possa entender
O meu contentamento,
Não venhas nunca mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Morte!

(Carlos Queirós)

"Kids" - Andre Kohn
“Ver só com os olhos 
É fácil e vão:
Por dentro das coisas
É que as coisas são.”

(Carlos Queirós)

Amizade

De mais ninguém se não de ti, preciso:
Do teu sereno olhar, do teu sorriso,
Da tua mão pousada no meu ombro.

Ouvir-te murmurar: - "Espera e confia!"
E sentir converter-se em harmonia,
O que era, dantes, confusão e assombro.

(Carlos Queirós)

Soneto

De ti não quero mais do que a memória
Das breves horas idas que me deste,
Como a palma, depois duma vitória...
— E nada mais dessa vitória reste.

De neblina um luar frio reveste
O meu passado: a infância foi-me inglória;
E dela não ficou mais do que a história
Dum menino, uma fada e um cipreste.

Não mais serei contigo neste vário
Campo, sonhando, em vaga liquescência...
Luz coada através dum aquário.

(Entanto, a serra tem a consciência
Do meu passar por ela solitário,
Como outrora, na minha adolescência).

(Carlos Queirós)

A um estrangeiro

Isto de ser poeta e português
Não é tão simples como imaginais.
Vede em Camões, Antero e Pascoaes
O que essa estrela dúplice lhes fez.

É uma f 'rida que não sara mais
A que fizera luz que alguma vez
Aureolou as frontes desses três
E doutros, cujas vidas ignorais:

Gomes Leal, Cesário Verde... tantos!
Se fossem doutro povo, doutra raça,
Seriam geniais, - mas sem desgraça.

Os poetas, aqui, são como os Santos:
Não conhecem os frutos dos seus prantos
E a glória é póstuma ilusão que passa.

(Carlos Queirós)

Antissoneto

O nosso drama de portugueses,
O nosso maior drama entre os maiores
Dos dramas portugueses,
É este apego hereditário à Forma:
Ao modo de dizer, aos pontinhos nos ii,
Às virgulas certas, às quadras perfeitas,
À estilística, à estética,à bombástica,
À chave de ouro do soneto vazio
- Que põe molezas de escravatura
Por dentro do que pensamos
Do que sentimos
Do que escrevemos
Do que fazemos
Do que mentimos.

(Carlos Queirós, in "Cadernos de Poesia”)

Ode Pagã

Viver! – O corpo nu, a saltar, a correr,
Numa prais deserta… Ou rolando, na areia,
Rolando, até ao mar… Que importa o que a alma anseia?
— Isto sim, é viver!

O paraiso é nosso e está na terra. Nós,
É que temos o olhar velado de incerteza;
E julgamos ouvir a voz da natureza,
Ouvindo a nossa voz.

Ilusões! A cultura, o amor, a poesia…
Não igualam, sequer, um dia à beira-mar,
Vivido plenamente, – a sorver, a beijar
O vento e a maresia!

Viver, é estar assim: a fronte ao céu erguida,
Os membros livres, as narinas dilatadas;
Com toda a natureza, em espírito, as mãos dadas…
— O resto, não é Vida!

Que venha pois, a brisa, e me trespasse a pele,
Para melhor poder compreendê-la e amá-la!
Que a voz do mar me chame e, ouvindo a sua fala,
Eu vá e seja dele!

Que o sol penetre bem na minha carne e a deixe
Queimada, para sempre; as ondas, uma a uma,
Rebentem no meu corpo! E eu fique, ébrio de espuma,
Contente como um peixe!

(Carlos Queirós)
  

"Lovers in a landscape - The turtle doves" - Nicolas Lancret

Na cidade nasci

Na cidade, quem olha para o céu?
É preciso que passe o avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!

Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico do seu.

A! Quem me dera, em vez de gasolina,
O cheiro da terra úmida, a resina,
A flores do campo, a leite, a maresia!

Em vez da fria luz que me alumia,
O luar sobre o mar, em tremulina...
– Divina mão compondo uma poesia.

(Carlos Queirós)

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"Tabacaria" - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
"O amor acaba" - Paulo Mendes Campos

"A máquina do mundo" - Carlos Drummond de Andrade

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