A fêmea
do cupim
Tenho
um amigo, cujo filho pretendeu entrar para a diplomacia. Não que tivesse
vocação para a carreira, a vocação dele era para o turismo, mas como quem é
pobre a maneira mais fácil de arranjar viagem é fazer-se diplomata,
candidatou-se ao curso do Instituto Rio Branco. Foi reprovado em português no
vestibular. Os leitores hão de imaginar que ele redigia mal, ou que havia na
banca um funcionário do DASP que lhe tivesse perguntado, por exemplo, o
presente do indicativo do verbo “precaver”. Foi pior do que isto: um dos
examinadores saiu-se com esta questão absolutamente inesperada para um
candidato a diplomata: “Qual o nome da fêmea do cupim?”. O rapaz embatucou e o
mais engraçado é que ignora até hoje. Inquiriu todo mundo, ninguém sabia.
Eu
também não sabia, mas tomei o negócio a peito. Saí indagando dos mais doutos. O
dicionarista Aurélio decerto saberia. Pois não sabia. O filólogo Nascentes
levou a mal a minha curiosidade e respondeu aborrecido que o nome da fêmea do
cupim só podia interessar... ao cupim! Uma minha amiga professora, sabidíssima em
femininos e plurais esquisitos, foi mais severa e me perguntou se eu estava
ficando gagá e dando para obsceno!
Vi
que tinha de me arranjar sozinho. Fui para casa, botei a livraria abaixo. Nada
de fêmea do cupim. De repente me lembrei da enciclopédia Delta-Larousse, cujos
quatro últimos volumes – primorosos – acabo de receber. Corri ao índice geral.
Ó beleza! Lá estava: “Cupins, pág. 6436”. Li muita coisa interessante sobre a
fêmea do cupim. Assim, que ela apresenta a mais monstruosa hipertrofia
abdominal que se possa imaginar: atinge o volume de uma salsicha e põe sem
parar, noite e dia, um ovo por segundo, ou seja, cerca de trinta milhões por
ano, cento e cinquenta no curso de sua vida. E uma porção de outras minúcias.
Mas sobre o nome da bicha, neca!
Isto,
pensei comigo, é problema que só poderá ser resolvido por algum decifrador de
palavras cruzadas, gente que sabe que o ferrinho onde se reúnem as varetas do
guarda-chuva se chama “noete”, que o pato “grasna’, o tordo “trucila”, a
garça “gazeia”, e outras coisas assim. Telefonei para minha amiga Jeni,
cruzadista exímia.
–
Jeni, me salve! Como se chama a fêmea do cupim?!
E
ela, do outro lado do fio:
–
Arará.
Fui
verificar nos dicionários. Dos que eu tenho em casa só um trazia a preciosa
informação: “Arará”, s. m. (bras.) Ave aquática do Rio Grande do Sul; fêmea
alada do cupim.”
Mestre
Aurélio, a fêmea do cupim se chama “arará”, está no meu, no teu, no nosso
dicionário – O Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa!
(Manuel
Bandeira, 25/10/61)
www.veredasdalingua.blogspot.com.br
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